Brasil – Um retorno sempre feliz

Brasil – Um retorno sempre feliz

A máxima, completamente inútil, que nos diz que não devemos voltar a um lugar onde já fomos felizes é absurda! Não o fazer é exactamente o mesmo que não comer uns ovos moles em Aveiro, com medo que não nos saibam exactamente como os que provamos pela primeira vez, ou seja, é ridículo.

Esta foi já a quarta visita que tive oportunidade de fazer ao Brasil. A primeira, é justo dizê-lo, foi a melhor. Estava de férias a celebrar um dos momentos mais felizes da vida pessoal! As restantes foram todas a trabalho, no entanto, permitiram-me descobrir um novo mundo, conhecer novos amigos, ver uma realidade diferente, aprender… É isso mesmo, aprender é o que tenho tido a oportunidade de fazer nestas minhas idas ao Brasil.

A última decorreu no final do mês passado e príncipio deste e possibilitou um novo pin nas cidades visitadas: Goiânia, capital do estado de Goiás, ali a a 200 km de Brasília. Uma cidade pequena no Planalto Central brasileiro com “apenas” um milhão e meio de habitantes onde tive a oportunidade de conhecer um pouco do imenso trabalho que uma Universidade local está a realizar no âmbito da reorganização dos seus museus. A visita foi curta, mas muito interessante porque percebi algo que depois confirmaria durante a restante semana e meio de trabalho: uma preocupação imensa com a gestão das colecções e com a sua segurança e salvaguarda, reflectida num investimento sério nos equipamentos que as permitem.

Pormenor da reserva técnica

Imagem: Reserva Técnica do Museu Antropológico da UFG

Vista do Rio de Janeiro

Cidade Maravilhosa

A segunda paragem foi na Cidade Maravilhosa: Rio de Janeiro! O programa incluía uma paragem na UNIRIO¹, para uma palestra no mais antigo curso de Museologia do país (uma honra e um prazer para este vosso amigo), e a participação no seminário do COMCOL Brasil sobre Gestão e Desenvolvimento de Colecções. Sobre este evento escrevi um texto que será publicado no próximo boletim do ICOM Portugal (colocarei aqui o link assim que tiver sido publicado) e não me alongarei mais do que o necessário para dizer que foi interessante ao ponto de me ter decidido a mudar a segunda filiação nos comités internacionais do ICOM para o COMCOL. Já sobre a palestra, ou aula, na UNIRIO gostaria de referir uma ou duas coisas.

A museologia no Brasil teve nos últimos anos um desenvolvimento assombroso. Há um investimento forte na formação nesta área e têm surgido diversos cursos (licenciaturas, bacharelatos, mestrados e mais recentemente doutoramentos), acompanhando, de resto, um investimento notório na criação de novos museus, na restruturação de museus existentes ou mesmo na definiçãode políticas para os museus e colecções, por parte dos organismos federais, estaduais e municipais responsáveis. Desse investimento resultou, ou está a resultar, uma comunidade de profissionais de museus muito capaz, com formação técnica elevada, com acesso à profissão em diversos museus ou projectos de museus (ao contrário do que acontece por cá) e, em boa parte, com apoios para a participação em fóruns de discussão internacionais das mais diversas áreas envolvidas na profissão. Este desenvolvimento, como é óbvio, não resolve ou resolveu todos os problemas da comunidade museológica brasileira. No entanto, quando nos sentamos numa sala com 30 pessoas (professores, alunos, colegas de museus, etc.) a conversar sobre os desafios que os museus enfrentam na gestão e documentação das suas colecções, é fácil perceber as vantagens que o investimento trouxe para os museus no Brasil e também facilita prever um futuro muito risonho para o sector, mesmo tendo em conta as dificuldades que o país atravessa agora.

Além destes pontos positivos, muito relevantes na minha opinião, percebi também alguns pontos em comum com a realidade portuguesa. Um deles, se calhar o mais óbvio, é a utilização da “crise” como desculpa para limitar ou mesmo eliminar o investimento que estava a ser feito no sector.

No final deste encontro na UNIRIO, antes de um “happy hour” no Sofitel em Copacabana e de um jantar de amigos no restaurante Majorica (aconselho vivamente), anotei no meu caderno de viagem: “muito interessante o que me falaram sobre a realidade dos museus brasileiros. Seria muito interessante discutir, no âmbito da CPLP e comités nacionais do ICOM desses países, o que nos preocupa, une e afasta. Será que poderíamos concertar esforços para pressionar o ICOM internacional nos nossos interesses comuns, por exemplo?”

Vista de São Paulo e do Parque Ibirapuera

São Paulo

O restante tempo desta viagem ao Brasil foi passado em São Paulo em trabalho imersivo e intenso, sobre o qual falarei com mais detalhe no futuro, com amigos e colegas do Museu da Imigração, do Museu da Casa Brasileira e da Pinacoteca.

Destes três museus só conhecia a Pinacoteca (Pina para os amigos) e já tinha falado sobre este impressionante museu de São Paulo aqui, mas desta vez tive a oportunidade de conhecer um pouco mais e perceber a enorme e competente equipa que o museu tem. Um privilégio devo dizer.

Na última visita tinha marcado como coisas para fazer a visita ao Museu da Imigração, mas na visita que tive a oportunidade de fazer agora, percebi porque não o fiz. É um museu mais deslocado do centro, na zona leste de São Paulo, com um acesso mais complicado porque fica numa rua que é interrompida a meio pela ferrovia. O táxi que me levou lá demorou quase uma hora a encontrar o museu, mas devo dizer que entramos na rua do Museu, do lado errado da ferrovia, passado 20 minutos de sair do hotel 🙂

Apenas queria deixar uma nota sobre o museu: este é um dos poucos museus que São Paulo não pode dispensar nunca. É uma cidade que é construída por diversas vagas de imigração ao longo dos séculos e por isso é mais do que necessária a existência de um museu que tem a seguinte missão:

Promover o conhecimento e a reflexão sobre as migrações humanas, numa perspectiva que privilegie a preservação, comunicação e expressão do patrimônio cultural das várias nacionalidades e etnias que contribuem para a diversidade da formação social brasileira.

O Museu da Casa Brasileira explora as temáticas da arquitectura e design. É casa de um dos mais reputados prémios de design no Brasil, o Prémio Design MCB. Está neste momento instalado numa antiga residência de Fábio da Silva Prado, antigo Prefeito de São Paulo, situada numa zona de ampliação da cidade decorrida na primeira metade do século XX na zona do Rio Pinheiros. É um museu onde conseguimos ter uma visão sobre a história da casa brasileira, do design e, ao mesmo tempo, de uma parte muito interessante da história de São Paulo. Aconselho vivamente a visita.

Em cada um destes museus tive a oportunidade de aprender muito sobre a história de São Paulo e do Brasil. Como disse acima, estas viagens têm sido momentos muito interessantes de aprendizagem e partilha. Fazem-me sempre pensar nas razões que nos levam a esquecer de ensinar e estudar a História do Brasil após a declaração de independência e no quão útil seria a ambos países uma maior partilha sobre a nossa raiz cultural comum.

Queria, por fim, deixar uma recomendação para quando visitarem São Paulo. Não deixem de ir assistir a um concerto à Sala São Paulo. Eu já o queria ter feito noutra altura, mas não consegui. Desta vez tive a oportunidade de assistir a um concerto da orquesta residente e de comprovar a beleza visual e a impressionante acústica de uma das melhores salas de música do mundo.

Sala São Paulo

Sala São Paulo


1 Um especial agradecimento ao Gabriel Bevilacqua Moore, colega do CIDOC e à Elizabete Mendonça, professora na UNIRIO pelo convite.

 

São Paulo

São Paulo

No meu dicionário a definição de cidade foi corrigida desde que aterrei em S. Paulo. A cidade é enorme, gigante mesmo. Uma escala que sai do que nos habituamos aqui em Portugal, mas que é compreensível, porque na realidade o Brasil é mais continente do que país e só a grande S. Paulo tem 17 milhões de habitantes, ou seja, mais 7 milhões do que esta velhinha nação europeia. Como todas as cidades grandes tem problemas à sua escala que nos são passados assim que contamos a algum amigo que vamos de viagem para lá, no entanto, e estando ciente desses problemas, garanto-vos que vale muito a pena conhecer São Paulo, muito mesmo!

Eu costumo dizer aos amigos que tenho sorte quando viajo. À excepção de uma estadia meio esquisita em Ceuta, sempre que viajei tive a oportunidade de conhecer locais e pessoas fabulosos. São Paulo não foi excepção. Não é uma cidade como o Rio de Janeiro, com uma beleza natural que nos faz acreditar em Deus, ou uma cidade como Londres, mais organizada, segura e de carácter europeu (com tudo de bom e mau que isso acarreta), mas é uma cidade cosmopolita, com vários pontos de interesse turístico (consegui ir a 4 museus, já lá vamos), com uma vida cultural muito interessante e carregada, sorte minha talvez, com gente do mais simpático e hospitaleiro que existe. Sim, meus caros, o paulista é simpático e sabe acolher!

São Paulo é um espelho enorme do que é actualmente o Brasil. Uma cidade cheia de potencial, em pleno desenvolvimento, com tudo para dar certo, e com tudo para dar errado também, com charme e com miséria, com alegria e com tristeza, com riqueza e pobreza, em que se acredita fielmente ou se condena à partida. O vídeo que encontrei noutro dia no Público retrata bem essa situação, aliás a série de reportagens que o Público tem vindo a publicar é um excelente trabalho de jornalismo, na minha opinião, e consegue reflectir bem o Brasil actual. O país onde a expressão mais usada é “se é assim agora, imagina na copa!” que reflecte a enorme preocupação do seu povo com o actual estado da sociedade e do Estado, reflectida num conjunto de manifestações de que temos conhecimento pelas notícias.

Eu estive lá a trabalho, tal como muitas das pessoas que vão lá. São Paulo é uma cidade de trabalho, como nos dizem diferentes taxistas (um meio de transporte usual e, da minha experiência, muito seguro ao contrário do que me pareceu no Rio de Janeiro quando lá estive) e como transparece da azáfama da cidade e das pessoas no dia a dia, no entanto, não faltam motivos para a visitarmos sem ser a trabalho. Museus, parques, centros culturais, locais de compras, o Mercadão, a Livraria Cultura (meu Deus, a livraria Cultura), restaurantes (pizzarias e churrascarias aos montes), padarias (portuguesas como manda a boa tradição), animação nocturna (que não aproveitei como devia), entre muitas outras coisas que não temos tempo de explorar em apenas uma semana.

Como seria de esperar centrei-me mais nos museus. Levava na lista de indispensáveis a Pinacoteca do Estado de S. Paulo e o Museu da Língua Portuguesa, duas referências e dois desejos antigos para visitar com alguma calma, mas consegui visitar ainda a exposição do David Bowie (sim a que é organizada pelo V&A) que está no Museu da Imagem e do Som e tive a oportunidade de ir à inauguração de uma exposição no Museu AfroBrasil (só deu para conhecer a belíssima arquitectura e as salas onde estava a exposição) que fica no não menos belo Parque do Ibirapuera (aqui e aqui informações sobre o Parque). Uma das coisas engraçadas que aprendi com paulistas meus amigos é que os museus são tratados em diminutivos, normalmente a sigla, ou seja fui à Pina, ao Afro e ao MIS (o Museu da Língua não me recordo de ter diminutivo).

IMG_2398A primeira visita foi ao MIS e à exposição do Bowie, assim recomendava a leitura do caderno de cultura da Folha de S. Paulo por causa da fila que normalmente se forma todas as manhãs para comprar bilhetes. Cheguei uma hora antes da abertura do museu, não porque sou um rapaz precavido, mas porque a hora mudou em S. Paulo no dia em que cheguei e embora eu pensasse que eram 11 da manhã, o relógio oficial do museu marcava umas gloriosas 10 (até nisto tive sorte). Uma hora de diferença que fez com que fosse o segundo da fila, atrás de um simpático médico de Belo Horizonte com quem tive uma boa conversa sobre o Brasil e sobre viagens. A exposição do Bowie é absolutamente fantástica (sou completamente imparcial na análise, porque sou fã desde adolescente). Um percurso coerente e bem montado sobre a sua vida, a música, os filmes, as parcerias, o estilo, a irreverência, etc. com recurso a tecnologia bem agradável e funcional que nos permitia ter som diferenciado (nos auscultadores que nos eram entregues na entrada) conforme o local onde nos posicionávamos no percurso ou mesmo numa determinada sala. Como aspectos negativos posso apontar apenas dois: a proibição de fotografar em toda a exposição (um assunto que discutimos aqui em Portugal ainda há pouco tempo) e o posicionamento de alguns elementos da exposição (dois bancos) que causaram quedas de dois visitantes, porque não estavam bem sinalizados e a exposição é, no MIS pelo menos, bastante escura.

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Assim que saí do MIS fui para a Pinacoteca. Recomendaram-me almoçar por lá, na cafetaria, e sabia que se me despachasse ainda conseguiria ver o Museu da Língua Portuguesa (basta atravessar a rua). A cafetaria, já agora, é muito agradável, tem uma parte ao ar livre com vista para o bonito Jardim da Luz (um nome que fica bem em qualquer lugar se formos benfiquistas) e com boa escolha em comida e bebida. A Pinacoteca é tudo o que eu estava à espera. Um museu centrado nas colecções de arte brasileira (pintura, escultura, desenho, etc) com boas condições, onde se conta de forma cronológica uma parte importante da história artística (e do ensino artístico) no Brasil demonstrando as influências externas e a especificidade da arte brasileira que resulta da sua própria cultura e contextos. Duas notas finais apenas para mencionar a contínua preocupação da Pina no desenvolvimento da sua colecção, de forma a representar a arte no Brasil (julgo que vai até à actualidade) e uma interessante exposição sobre a história da Pinacoteca que nos permite (pelo menos a visitantes menos informados como eu) ter um contexto interessante na posterior visita às galerias.

 

IMG_2388Num salto cheguei ao Museu da Língua Portuguesa, um museu muito conhecido por cá, se bem se recordam foi notícia em todo o lado quando inaugurou e trata, de forma bem interessante, o maior património que temos em comum com o Brasil, o Português. Naquele sábado a entrada foi gratuita, mas não sei se é comum ser assim todos os sábados (já sei sou um sortudo… até porque me esqueci do cartão do ICOM) ou se tratou de uma excepção. A juntar a esse facto tive a oportunidade de ver a exposição sobre o grande Cazuza (descrita aqui) e consegui, no mesmo dia, ouvir e ver a obra de dois grandes nomes da música, Bowie e Cazuza, claro! O museu fica numa antiga estação ferroviária (ainda em utilização pelo que percebi) que foi brilhantemente transformada para receber uma excelente exposição sobre a nossa língua na qual está ilustrada (bem) a sua origem e história até aos nossos dias, com destaque para as diferenças e aproximações entre os países que a usam. O enorme videowall do segundo piso é uma excelente amostra do que a tecnologia consegue fazer pela comunicação nos museus.

A seguinte visita a um museu aconteceu na sexta-feira seguinte, após uma semana de trabalho intenso e profícuo com as(os) amigas(os) que compõem a excelente equipa da Expomus. Fui ao Museu AfroBrasil, mas apenas para a inauguração da exposição “ENTRE DOIS MUNDOS – Arte Contemporânea Japão-Brasil” (a comunidade japonesa em S. Paulo é imensa). Uma visita breve que não permitiu ver o Museu no seu todo e que foi interrompida por um bom motivo: o jantar com amigos que estão a trabalhar connosco no projecto de tradução e adaptação do SPECTRUM no Brasil (sim… que o mundo não é só visitar museus, é também a sua documentação e o convívio que ela proporciona). 🙂

No último dia, antes do martírio que são as viagens de avião de longo curso (o pior das viagens), tive a oportunidade de ir à Livraria Cultura (uma Meca para quem gosta de livros), na Avenida Paulista, e, graças à generosidade de um casal amigo, de conhecer o Mercadão (Mercado Municipal de São Paulo) e de comer uma sande divinal de mortadela e queijo.

No meio de tudo isto, e de muito mais, esqueci-me que estava numa das cidades mais perigosas da América do Sul, esqueci-me que há assaltos a toda a hora em S. Paulo, esqueci-me de todos os avisos que nos dão antes destas viagens e aproveitei para conhecer o que pude.

Não posso deixar de agradecer aqui, por toda a simpatia com que me receberam e acompanharam, à Alessandra (muito obrigado por tudo, viu!), Bia, Renato, Roberta, Lia, Ana Maria, Maria Ignez e toda a equipa da Expomus, bem como às Julianas (as 3), ao Gabriel e ao André. Quando cá vierem espero corresponder à altura!

Uma irritante verdade

Uma irritante verdade

Não há ano em que tente marcar uma viagem para a conferência internacional em que costumo marcar presença que não fique irritado com a oferta de voos para aquele destino. Foi assim quando fui a Atenas e a Santiago do Chile e é assim este ano para arranjar um voo que me leve a Sibiu, na Roménia. Nos anos anteriores tive que fazer escala em Milão e Zurique (Atenas), respectivamente na ida e volta de Atenas, e em Madrid (onde mais) quando viajei para Santiago pela Iberia. Nesta segunda viagem até consigo compreender que a Iberia e de Espanha os voos sejam mais frequentes (ainda assim tive que sair do Chile um dia antes do final da conferência), mas para ir para Atenas, um país da UE, não se compreende que as ligações sejam tão más.

Enfim, a periferia de que muitos falam deve ser mesmo isto.

Ainda assim é mais fácil viajar hoje em dia para a Roménia do que era então para a Grécia, ainda que com a escala em Madrid.