Não me lembro quando terei entrado no Museu Nacional de Arqueologia (MNA) pela primeira vez. Cresci em Lisboa e a minha mãe sempre teve nos museus da cidade poderosos aliados contra o tédio de quatro crianças – mais primos e amigos de visita – nos longos verões escolares dos anos 70. Devo ter ido ao MNA pela primeira vez em criança e não me lembro.
Mas lembro-me bem quando entrei pela primeira vez na reserva do MNA. Estava na faculdade e um dos professores levou-nos em “visita de estudo” ao MNA. Recebeu-nos o então director, Francisco Alves, que nos fez uma visita colorida e pitoresca, da qual recordo comentários dramáticos proferidos (fisicamente) sobre restos osteológicos provenientes do naufrágio do navio S. Pedro de Alcântara. Mas o golpe de teatro estava reservado para o fim. Concentrou todos os estudantes junto da modesta porta da reserva e, rindo muito com aqueles olhinhos pequenos, disse: “Lembram-se da cena final do filme Salteadores da Arca Perdida?”, e escancarou a porta.
Entrei muitas vezes na reserva do MNA depois disso, mas nunca vou esquecer a imagem que vi nesse dia. Era, efectivamente, uma imagem épica digna de Hollywood mas para mim foi a primeira imagem, real, de um museu. Por dentro, pelas entranhas, pela alma. Pelos serviços técnicos, portanto.
Reformular, e eventualmente relocalizar, o MNA é urgente. Urgência com décadas de atraso, mas nem por isso menos necessária. Do MNA já se disse que era o maior sítio arqueológico português mas só quem alguma vez lá trabalhou tem noção do que isso quer dizer: cem anos de erros insignificantes acumulados podem significar que, para encontrar alguma coisa, se tenha que recorrer a métodos e técnicas próprios da disciplina. O manancial de informação que o MNA contém é brutal e o que se encontra bem conhecido e estudado é um grão de areia, senão no deserto do Saara, pelo menos na praia da Figueira da Foz. E não falo apenas de artefactos, utensílios e ecofactos recolhidos em sítios arqueológicos. Falo num mundo de documentação nos mais variados suportes – incluindo naturalmente os “objectos arqueológicos” – que representa informação essencial para a construção da nossa memória colectiva.
A responsabilidade com que deve ser encarada a reforma deste museu deve ser proporcional à informação que ele guarda. Por isso custa tanto pensar que a anunciada transferência do MNA para o edifício da Cordoaria possa estar a ser encarada como uma manobra política sem a necessária fundamentação técnica. Sei que a Ministra da Cultura visitou o MNA recentemente e acredito que o actual director a tenha levado também à reserva. Terá ela visto o mesmo que eu? Terá ela noção de que tirar aquilo dali não é exactamente a mesma coisa que contratar os “Unidos da Transportadora” para fazer uma mudança doméstica?
A mudança do MNA pode ser uma oportunidade fantástica. O oportunidade de reformular o museu com a dignidade que ele merece. A oportunidade de organizar todo aquele mundo de informação de uma forma eficaz e operativa: para nós e para quem precisar do MNA depois de nós. A pergunta que qualquer cidadão responsável deve fazer é se o Ministério da Cultura tem consciência das implicações técnicas – e, já agora, financeiras – de transformar esta oportunidade em realidade. Ou se prefere ignorá-las e decidir irresponsavelmente sobre a casa que guarda uma parte tão significativa da nossa memória. Enquanto não tiver a certeza que o Ministério da Cultura vai tratar o MNA de uma forma responsável esta cidadã, pelo menos, não vai ficar descansada.
Maria José de Almeida(arqueóloga)
2010-03-31
A oportunidade fantástica que falas não vai acontecer porque os pressupostos de responsabilidade e de saber não existem na tutela.
Será que no meio de tanto erro apressado, os responsáveis do ministério da cultura já terão alguma noção dos custos de uma operação de transporte desta envergadura….talvez mudem de ideias quando tiverem o orçamento???
Quando ao próprio processo…nem vale a pena dizer mais nada!!!
Pior do que a ignorância e responsabilidade da tutela, são os interesses escondidos, a quem se entregam “de mão-beijada” os projectos megalómanos desta espécie de cultura, desta espécie de país, sem que se discutam ideias, princípios e necessidades, com que “sabe da poda”… É uma “poda”!!! Eu disse “poda”!!!! Querem “podar” de cena quem não diz amen… Até há quem pense que por ter uma carinha laroca, tudo lhe fica bem…
O comentário da Maria José Almeida é muito pertinente, pois chama a atenção para uma importante função museológica, que tem sido tão descurada pelo Ministério da Cultura nas últimas décadas, atingindo proporções alarmantes, dado o recente crescimento exponencial da actividade arqueológica, relacionada com grandes projectos, como o Alqueva: a gestão dos espólios arqueológicos. Com efeito, os museus actuais, quer a nível nacional, que a nível regional, não estão preparados para receber e gerir esses espólios, cuja conservação, estudo, publicação e divulgação são a principal razão de ser das intervenções arqueológicas, o passo essencial para transformar “as pedras” e os “cacos” em conhecimento histórico, socialmente útil. Por isso importa acautelar o imenso espólio conservado no MNA, resultado de mais de um século de actividade arqueológica.
Porém, o mais grave, é a tentativa de apagamento dessa memória colectiva, relegando-a para um local inseguro e inacessível, onde dificilmente poderá continuar a desempenhar com a desejável eficácia o seu papel didático, de educação patrimonial, tanto mais que uma grande parte dos seus visitantes são os alunos do ensino secundário.
Em todas as grandes capitais europeias os museus de arqueologia têm um papel de grande destaque, sendo dos mais visitados por nacionais e estrangeiros. Claro que o MNA não é o Louvre, nem o British Museum, não só porque a cultura material do país não é assim tão rica, mas sobretudo porque os portugueses não saquearam tanto, por esse mundo fora, mas importa mostrar e valorizar o que temos, e não o esconder debaixo do tapete, como se de lixo se tratasse !
E tudo isto em nome de quê ? De uma hipotética ampliação do Museu da Marinha, cujo programa se desconhece, se é que existe ? Da instalação de um hipotético “Museu da Viagem”, que evoque a “epopeia” dos portugueses e a sua grandeza passada, uma espécie de recriação virtual e pós-moderna da Exposição do Mundo Português, momento alto da propaganda do regime salazarista ?
E que diz a esta perigosa jogada de xadrez museológico o recém constituído Conselho Nacional de Cultura, que até tem uma secção de Museologia, em que estão representados os mais destacados museólogos do país ? Será que concorda, ou nem sequer foi ouvido ?
Enfim, por tudo isto, importa alertar e mobilizar todos os dirigentes e técnicos dos museus portugueses, pois o que está em causa não é só o MNA, e os arqueólogos que o defendem, mas toda a comunidade museológica ! É preciso dizer sim, à mudança do que está mal, e é muito, nos museus portugueses, após uma década de penúria, mas dizer não a decisões precipitadas, sem adequado suporte técnico e financeiro, que podem ter consequências irreversíveis.
I do remember when I visit by the first time the Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia. It was during the preparation of the 17th European Exposition, prior to the remodulation of the Estado Novo facilities. And that visit contributed in part to what I am today. And then, for the purpose of showing the civilized 1st world what we had been during the mythic period of the discoveries, the cemitery of the Jerominos monks was detroyed.
Right now it looks to be the same old story: to show the world that we were great in the past and to make forget the misery of cultural and economic policies we are living in, politians are recovering the Estado Novo dictatorial propaganda – and for that purpose they intend to destroy anything that steps in front of their objectives. Respect for cultural heritage it is not part of this government concerns. More than Democratic Socialists in power we do have in Portugal again National-Socialists around the cult of a man surrounded by suspicions of corruption and lies, that to survive has to deliver some benefits to his clientels.