Diz que disse e desdisse

Diz que disse e desdisse

Ora deixa cá ver. Desde que trabalho em/para Museus, já lá vão uns 20 anos, já tivemos IPPC, IPM, IMC e recentemente DGPC. Nas andanças do património cultural é necessário acrescentar o IPPAR, o IGESPAR, o IPA e julgo que um outro para o património subaquático, mas desculpem-me por não recordar o nome. Além destes institutos ainda tivemos, e o utilizar o passado não é engano, a Rede Portuguesa de Museus (RPM) como um organismo do Estado que certificava os museus. No mesmo tempo, para o caso Inglês (e poderei estar enganado, mas por favor corrijam-me) tivemos o Museum, Libraries and Archives Council e temos agora o Arts Council (desde há uns três anos, segundo me recordo).

Não querendo fazer qualquer tipo de comparação com a realidade inglesa, que sei ser bem distante da nossa, a minha questão é a seguinte: quando é que nos decidimos a parar com ideias de reformas administrativas e pensamos seriamente numa política e estratégia para o sector público dos museus portugueses?

Ministro da Cultura

A questão é antiga e já foi colocada inúmeras vezes por diversos colegas. Recordo um texto mais recente do Luís Raposo sobre esta questão, mas podem consultar outros que ele escreveu aqui, ou então ler o da Isabel Roque aqui. No entanto, continuamos a ter anúncios como o que fez Luís Filipe Castro Mendes no Parlamento no passado dia 7 em que se anuncia um novo Instituto de Museus e Monumentos (IMM), desmentido, ou pelo menos adiado, pelo próprio nos dias seguintes, conforme noticia Lucinda Canelas no Público de dia 9, que demonstram, na minha opinião, uma navegação à vista que tem que ser criticada pelos profissionais de museus de forma aberta e franca.

A situação nos museus é péssima. Sentimos, desde há alguns anos, a ausência de recursos humanos e financeiros que possam colocar os museus nos mínimos aceitáveis para um país que se diz e quer evoluído. Mantemos um projecto importante como a RPM num estado vegetativo que não se compreende. Andamos a promover o nosso património e os museus como elementos chave para a promoção turística do país, mas na realidade não temos tratado uns e outros como activos importantes para aquele sector (e este ano, apesar do aumento orçamental, continuamos a arranjar formas de sonegar a realidade). Além disso somos brindados com notícias sobre o espartilhamento da coleção do Museu da Música, que será dividida por dois espaços, um em Lisboa e outro em Mafra, com o fraco argumento de uma suposta descentralização/desconcentração dos espaços culturais (como se entre Lisboa e Mafra se resolvesse a questão da ausência de museus nacionais) e da despesa da deslocação de toda a coleção para Mafra.

Este governo e os partidos que o apoiam tinham como obrigação (ver programa do Governo) tratar bem melhor o sector, mas sinceramente quem é que ainda acredita num programa de governo, não é? É um diz que disse e desdisse em continuidade.

Grandes opções do plano para a Cultura (2012-2015)

Grandes opções do plano para a Cultura (2012-2015)

Através do Pportodosmuseus soube hoje das grandes opções do plano (as minúsculas são propositadas) que o Governo apresenta para o triénio 2012-2015 para a área da Cultura. Depois de ler atentamente o que é escrito na proposta de lei 31/XII voltei ao ponto 5.11 e reli:

Nos próximos anos é preciso afirmar uma visão clara do que deve ser o futuro da Cultura em Portugal. A cultura é um factor de coesão e de identidade nacional, assumindo-se como uma atitude perante a vida e as realidades nacionais. Ela constitui, hoje, um universo gerador de riqueza, de emprego e de qualidade de vida e, em simultâneo, um instrumento para a afirmação de Portugal na comunidade internacional.

E depois li novamente quais são as medidas concretas para que a Cultura possa ser um factor de coesão e identidade nacional e crie riqueza, emprego e qualidade de vida, não esquecendo a afirmação de Portugal na comunidade internacional. Leiam os meus caros amigos também:

5.11.7. Medidas

Cientes dos objectivos traçados no Documento de Estratégia Orçamental e em consonância com o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, promover-se-á a um novo Modelo Organizacional, com vista à redução dos custos para o Estado e o Contribuinte, a modelos mais eficientes de funcionamento e à reavaliação do papel do Estado na vida cultural através de uma reorganização e simplificação das estruturas e das entidades tuteladas, a saber:

–        Fusão/extinção de organismos: reduzir-se-á o número de estruturas de 16 para 11, diminuindo-se o número de cargos de dirigentes de 191 para 122, o que se traduz numa redução de despesas com pessoal na ordem dos 2,6 milhões de euros.

–        Alteração do modelo de gestão do Sector Empresarial do Estado, com a criação de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), que permitirá uma gestão mais eficaz, a centralização de processos, a diminuição de despesas mediante uma gestão mais racional dos recursos humanos; a diminuição dos encargos com as contratações e serviços externos, a redução da despesa relacionada com processos internos e redução da despesa ao nível dos Conselhos de Administração. A criação do ACE libertará as Empresas Públicas Empresariais para aquilo que é verdadeiramente serviço público na área da cultura: programação artística, criação, difusão e itinerância.

–        Contribuição para a meta transversal de redução de efectivos na Administração Central em cerca de 2%, limitando-se as admissões de pessoal.

–        Reorganização e racionalização das instalações da propriedade da Secretaria de Estado da Cultura, permitindo uma maior eficiência e eficácia nos recursos financeiros, humanos e logísticos e redução dos encargos de locação de imóveis, através da rescisão de contratos de arrendamento. Estima-se uma redução que poderá atingir os 0,8 milhões de euros em 2012 e 2 milhões de euros em 2013.

–        Centralização das Compras, nomeadamente através das aquisições agregadas na Unidade Ministerial de Compras, o que permitirá aquisições a preços mais competitivos e reduzidos.

–        Avaliação do custo/benefício e da viabilidade financeira das fundações que beneficiem de transferências do Estado, bem como dos apoios financeiros concedidos no âmbito das actividades culturais, exigindo-se uma maior disciplina na utilização dos mesmos.

–        Revisão do regime de gratuitidade dos museus e património cultural, diminuindo o período da sua aplicação e alteração dos seus horários de funcionamento, promovendo o aumento das receitas.

–        Reforço do acompanhamento e monitorização da execução económica e financeira, numa base mensal, através da implementação de um sistema de suporte de informação uniformizado em todos os Serviços e Organismos da Secretaria de Estado da Cultura.

Se retirarmos a avaliação do custo/benefício e viabilidade financeira dos projectos que recebem apoios do Estado (eu sou completamente a favor da avaliação, mas ainda assim precisava de ter mais dados, como os critérios de avaliação e as condições para ter acesso aos apoios, para a considerar uma excelente medida), agradecia que me indicassem uma medida estrutural que apontasse claramente para uma estratégia para o sector. Conseguem? Eu não consegui ver para além de um pensamento a curto prazo.

E não quero com isto dizer que a Cultura deve ficar de fora dos cortes que toda a sociedade enfrenta. Nada disso, quero dizer apenas, com esta minha posição, que a falta de uma estratégia a médio e longo prazo para a área cultural (para a qual, sem sombra de dúvida, devem ser chamados a contribuir o Turismo, Ciência, Educação, Poder local, Igreja e todos os intervenientes da área, empresas incluídas) tem sido o calcanhar de Aquiles da Cultura e favorece a 100% o deplorável estado das coisas.

Ainda a extinção do Ministério da Cultura

Ainda a extinção do Ministério da Cultura

E uma frase de Augusto Mateus que resume o meu sentimento de indiferença em relação à continuidade do Ministério:

Devemos é pensar na Cultura “com”: com outras áreas que valorizem o conhecimento, com sectores que promovam a criatividade, com políticas bem definidas. Em Portugal discutimos muito os nomes e pouco os objectivos.

Augusto Mateus e outros importantes intervenientes na área cultural do país, entre os quais destaco (por também concordar com a sua opinião), a ex-Directora do IPM Raquel Henriques da Silva escrevem hoje no Público sobre este importante e actual momento do sector.

Extinção do Ministério da Cultura?

Extinção do Ministério da Cultura?

É o tema em que se fala após as declarações de Pedro Passos Coelho sobre as intenções do PSD na área da Cultura: extinguir ou não o Ministério da Cultura?

Importa dizer, em primeiro lugar, que teoricamente sou favorável à existência de um Ministério que possa tutelar a Cultura (artes, património, etc.) de uma maneira geral. No entanto, mais importante do que existir o ministério é existir uma verdadeira política cultural pensada de forma estrutural e estratégica que possa potenciar o grande valor que temos, enquanto nação, em todos os sectores da vida artística e cultural. Teatros, bibliotecas, arquivos, museus, música, arte contemporânea, artes perfomativas, etc., podem constituir-se como pilares estruturais de desenvolvimento do país a vários níveis (inclusive a nível financeiro se a aposta na área for séria) e ser o motor de uma transformação social que pode dar, no futuro, melhores ferramentas ao país. Essa aposta poderá ainda realizar essa transformação de uma forma sólida e com continuidade nas gerações vindouras.

Se, para que isso aconteça, é absolutamente necessário um Ministério da Cultura? Não. São necessárias políticas culturais que ultrapassem a mesquinhez de visão de uma única legislatura e de um simples partido, em detrimento de políticas fortes, debatidas nos diferentes sectores culturais e com os seus intervenientes, participadas, baseadas em projectos com objectivos bem definidos, realistas, mensuráveis e que possam ser analisados e avaliados continuamente. Como é óbvio estas políticas não se podem fazer isoladamente. É necessário que exista articulação com a Educação, a Ciência e Tecnologia, o Turismo, a Economia e, porque não, com as Finanças do país.

Haja vontade para o fazer e aproveitar uma época de “crise” para pensar seriamente nos desafios que esta área tem pela frente.