Todos os dias chegam-me, pelas mais diversas vias, notícias sobre a actualidade (política, desportiva, cultural, etc.). É, desde que me lembro de comprar jornais, a primeira coisa que faço (mesmo que seja por breves instantes) quando chego ao trabalho ou quando estou a tomar café, a caminho de um local qualquer. É um ritual que me dá prazer e que é absolutamente necessário para a vida profissional e pessoal. Um hábito que adquiri através do meu pai.
Normalmente foco-me naquilo que são as boas notícias do dia. Sou um optimista, bem sei, mas focar a atenção no que é positivo é, em meu entender, mais produtivo do que lamuriar o negativo. Não o negligencio, aprendo com ele, mas faço-o tal e qual como aprendemos (será que aprendemos?) a olhar para os maus momentos da História, evitando repetir os erros que nos levaram a esses momentos. Dito isto, aqui ficam algumas notícias que hoje me chegaram ao ecrã:
Ora aí está uma boa notícia. Conheço os dois primeiros e, infelizmente, ainda não tive oportunidade de conhecer o Museu da Marioneta. Mas o reconhecimento do empenho que os museus e as suas tutelas dedicam no processo e exigências para pertencerem à RPM é sempre motivo para festejar. A RPM pode estar numa fase difícil, mas é, sem qualquer sombra de dúvida, um dos mais importantes projectos para os museus portugueses das últimas décadas. A sua continuação, ainda que em moldes que não sejam os mais indicados, é também uma notícia importante. A lamentar apenas, nesta notícia, a saída do Museu Agrícola de Entre o Douro e Minho da rede, mas o lamento já tem algum tempo (o museu fechou já há algum tempo).
Os despachos citados na notícia podem ser encontrados aqui.
Museu do Brinquedo em Sintra irá fechar em breve
Não é uma notícia de hoje, antes pelo contrário, mas o que é actual é este texto da Maria Vlachou e a interpelação do BE ao governo sobre o assunto. Sobre o texto da Maria (que subscrevo inteiramente) apenas vos quero dizer que fico exactamente com as mesmas dúvidas que ela tem: porque é triste? porque é que o museu vai fechar? o que é que o museu oferecia à sua comunidade? Analisar estas questões apenas com números (orçamento e número de visitantes) é um dos maiores problemas relativamente à sustentabilidade dos museus em Portugal. E pensar em novas formas (concretas) de financiamento público e privado dos museus, não seria melhor do que interrogar o governo sobre um museu específico, ó rapaziada do BE?
Não tivesse sido eu membro dos corpos sociais anteriores e destacaria igualmente esta notícia. A APOM é uma das mais importantes organizações associativas na área da cultura e museus. A eleição de novos corpos gerentes é a prova da sua vitalidade e dinamismo. Eu queria aqui mandar um abraço especial ao João Neto e a todos os colegas da anterior direcção (os que transitam e os que seguiram outros caminhos), bem como a todos os colegas que foram agora eleitos. Um enorme abraço e os meus mais sinceros desejos do maior sucesso.
Não vos vou maçar de novo com a minha opinião sobre este importante projecto europeu, mas queria chamar a atenção para os meus colegas e para os museus portugueses para a importância de participar na construção de recursos como os que agora estão online no portal Europeana Exhibitions. Alerto para este recurso que é um importante complemento da disponibilização das coleções online. Não basta colocar a informação técnica sobre os objectos disponível na rede, é (mais importante ainda) tratar essa informação, apresentar esses dados de forma contextualizada, segundo os mesmos critérios que nos norteiam na construção das exposições.
As publicações científicas na nossa área são escassas. Quer as editadas aqui em Portugal, quer as que têm o português como principal língua. Por isso é importante a existência de uma revista com revisão científica credível como a MIDAS. Neste número irão encontrar bons artigos e um dossiê dedicado ao tema “Museos y participación biográfica”. Eu fiz um pequeno contributo com a recensão crítica do livro “Museus del Templo al Laboratorio: La Investigación Teórica” de Juan Carlos Rico, mas já vi que temos muitos temas interessantes para ler neste número.
Eu não gosto do título desta notícia. Julgo que é algo muito português esta mania que o nosso jornalismo tem de tentar que tudo seja passível de entrar para o livro dos Records do Guiness! A maior coleção do mundo, o maior fóssil da europa, o maior pastel de chaves, a maior sardinhada, etc. são maus títulos que escondem aquilo que, em meu entender, seria a verdadeira notícia: uma coleção boa de gravuras de Rembrandt, boa! E como ela chegou ao museu da fundação? Que história têm aquelas peças? Onde é o Museu? Quem era Dionísio Pinheiro e porque dá o nome ao museu e à fundação? Entre outras… Ainda assim um exemplo, se calhar desconhecido para a maioria da população, daquilo que os nossos museus têm para oferecer.
Ainda trabalhava no Museu de Aveiro quando pela primeira vez ouvi falar sobre a Rede Portuguesa de Museus. Estávamos nos idos de 1999 ou de 1998, em pleno apogeu de desenvolvimento do país e ainda sobre o efeito desse grande evento que foi a Expo 98.
Recordo ainda a reunião, em que acompanhei, com outro colega, a Isabel Pereira, à altura directora do Museu de Aveiro e uma das pessoas que mais me ensinou sobre a profissão, no Museu Nacional de Arte Antiga, onde foi discutido o conceito de rede e o envolvimento dos museus tutelados pelo Instituto Português de Museus na mesma. O entusiasmo com o processo e as expectativas que criei para o futuro dos museus portugueses, com a criação de uma entidade do género que pudesse servir de regulador de qualidade e ter um papel interventivo (politicamente e economicamente falando) na definição de um rumo e políticas a longo prazo para o sector, foi enorme. Enorme ao ponto de me parecer uma questão menos importante, hoje reconheço que foi um erro grande (embora justificável), a entrada dos museus tutelados pelo IPM de forma directa para a RPM. Lembro-me que algumas pessoas criticaram essa medida na altura, com o argumento do exemplo que deveria ser dado, mas o facto histórico é que entraram de forma directa e só depois foram alvo de avaliações e melhoramentos.
No entanto, sempre fui totalmente favorável à existência da RPM. Crítico em relação a algumas questões (a da certificação do software de gestão de colecções e a pouca importância dada à documentação dos museus no processo de certificação, por exemplo), mas sempre favorável à sua existência e reconhecedor do mérito e importância que tem no panorama museológico nacional. Acho mesmo que se pode afirmar que para a museologia e museus portugueses podemos dizer que existe um Antes da RPM e um Depois da RPM. Sobre isto já tinha falado aqui e não há muito tempo.
Tecido o merecido elogio, que é estendido a todos os colaboradores da rede (porque foram eles que construíram a RPM como ela é/foi) como não poderia deixar de ser, é tempo agora de pensar o futuro da mesma. É certo (será?) que a RPM é parte integrante do programa do governo (convém recordar que muita coisa também fez parte de programas de governos anteriores, não é?). A determinado ponto escreve-se no referido documento:
No prazo de um ano, o Governo apresentará a sua proposta para uma nova estratégia da Rede de Museus.
Eu sei que o prazo ainda não acabou. Julgo não estar errado quando digo que temos apenas 8 meses deste governo, mas apenas como indicador tínhamos 90 dias para a definição da nova orgânica da SEC e só agora começamos a vislumbrar a formatação que o governo pretende para a administração central em relação ao Património com a nova DGP (que junta IGESPAR, IMC e DRCLVT). No entanto, a discussão que se deveria fazer sobre a nova estratégia para a RPM não é conhecida, não é pública e aberta a todos aqueles que serão influenciados (pessoas e instituições) pela nova estratégia. Teremos na mesma uma entidade dependente do poder central? Será pensado um outro modelo em que diferentes sectores e tutelas ligados aos museus poderão ter um papel mais activo? Será fruto de uma política museológica nacional pensada para o longo prazo e com um compromisso abrangente das diferentes forças políticas? Terá uma preocupação em chamar a comunidade museológica para si, como agora acontece? Terá um papel maior na atribuição de verbas de fundos comunitários aos museus? Terá em si preocupações com outras redes como a (anunciada e não concretizada) rede de conservação? Poderá tonar-se maior do que é e estabelecer-se como um organismo mais independente, certificador, regulador, que possa ter meios para promover a qualidade em todas as diferentes vertentes do trabalho museal?
Há um sem número de questões que se levantam e que seria importante começar a debater. No entanto, os sinais que vemos não são os melhores. Se a RPM é, para os actuais responsáveis, uma aposta de futuro, como se compreende a demissão não continuidade de uma equipa cujo o mérito é reconhecido pela maioria das pessoas que conhecem o seu trabalho? Como se pode tomar uma decisão destas, justificando com questões processuais, sem antes definir a estratégia a seguir? E anunciar em seguida que aquelas pessoas podem e até deviam ser integradas no quadro do IMC?
Esta discussão deveria ser pública e alargada e deveria dar origem a uma estratégia tão consensual quanto possível para que a sua implementação possa ser estável e não estar dependente da deriva que cada governo posterior possa ter sobre este aspecto. Sabendo que é algo raro em Portugal era bom que os museus e a sua Rede pudessem ser o exemplo de algo com continuidade e estruturante no país.
Não é novidade para alguns dos meus leitores a minha posição crítica em relação à ausência de uma política museológica (e outras) em Portugal que seja maior do que a legislatura e não mude consoante a cor política de cada governo. Já o afirmei, ainda que por outras palavras, aqui e aqui.
No entanto, as notícias (no Público e no I) que nos chegam sobre a Rede Portuguesa de Museus suscitam, em todos os que se preocupam com os museus em Portugal, uma apreensão sobre o futuro de um sector que é frequentemente tratado como o parente pobre da área cultural.
Pese embora o seu início não ter sido, no meu entender, o mais apropriado (recordo que os museus do Estado entraram na RPM sem a avaliação devida), a Rede Portuguesa de Museus conseguiu ser um projecto capaz, inteligente, estruturado para o sector, tendo conseguido, por mérito próprio, a capacitação de vários museus por todo o país e promovido, durante esse processo, uma significativa melhoria no panorama museológico nacional. Um papel importante que não devia ser posto em causa neste período de transição, mas que o está a ser efectivamente. Se aqui juntarmos a demora da transição, os problemas com nomeações e reconduções, a desorçamentação do sector, etc. temos motivos para bem mais que uma simples apreensão.
A alteração de estatuto (perda de estatuto segundo a opinião de alguns) da Cultura no XIX Governo de Portugal aguçou-me a curiosidade sobre o programa de governo para os próximos 4 anos nesta área. Seria assim tão limitado? Algo escrito apenas para cumprir o propósito de a Cultura não passar esquecida num documento com esta importância? Qual seria o peso da Cultura em termos relativos no novo formato? E, finalmente o mais importante, que ideias, estratégias, medidas estavam ali mencionadas?
Estas dúvidas foram similares às que tive quando da tomada de posse do anterior governo e que me fizeram ler o então programa do XVIII Governo Constitucional. Se precisarem de recordar ou ler pela primeira vez podem encontrar o dito aqui. Eu precisei de recordar e devo dizer (pese embora ter sido um governo com mandato reduzido pelas circunstâncias que todos conhecemos) que dois anos depois a Cultura (uma aposta de então, se bem se recordam das palavras de José Sócrates) não teve o papel prometido pelo governo socialista. Poderão ter todas as justificações circunstanciais, mas realmente a prioridade prometida não foi de todo cumprida.
Comparando os dois programas de governo as diferenças são notórias. No anterior propunha-se o investimento e reforço do orçamento da Cultura, no actual propõe-se uma avaliação e redefinição do papel do Estado na Cultura. Nada de novo tendo em consideração uma e outra família política. O focus de um e outro centra-se em alguns eixos (obrigatórios de resto). A saber: Língua (adicionem aqui o Livro e rede de bibliotecas, etc.), Património, Artes e Indústrias criativas e Culturais. No entanto as diferenças na estratégia e medidas são também notórias.
Vejamos a questão do Património (leia-se Museus) que é a que mais me interessa particularmente. Sobre o tema está inscrito no Programa de Governo o seguinte:
Representando a herança comum de todos os portugueses, o Património tangível e o Património intangível são simultaneamente um importante factor de identidade nacional, referências fundamentais na educação dos portugueses e elementos de enorme potencial para a nossa economia. Daí a necessidade de assumir a manutenção responsável e a valorização dos museus e monumentos nacionais, a promover com as Autarquias, as Escolas e a Sociedade Civil, reconhecendo um contributo que não se esgota na sua contemplação e fruição.
No difícil período que atravessamos o governo abordará a rede nacional de Museus não numa perspectiva de criação de novas estruturas mas no sentido de optimizar os recursos existentes, valorizando a conservação, a investigação e a interacção com o público. No prazo de um ano, o Governo apresentará a sua proposta para uma nova estratégia da Rede de Museus.
Num prazo de seis meses, o Governo estudará a revisão do regime de gratuitidade dos museus, diminuindo o período da sua aplicação. Ao mesmo tempo, irá promover a discussão sobre os seus horários de funcionamento.
[…]
No prazo de dois anos, a Secretaria de Estado da Cultura apresentará o primeiro inventário-base do Património Imaterial Português.
São algumas ideias básicas que espero ver desenvolvidas e concretizadas na nova lei orgânica (prometida para daqui a 90 dias) da Secretaria de Estado para poder reflectir mais sobre elas. No entanto, posso já dizer que me agrada a ideia de uma maior participação e envolvimento das Autarquias, Escolas e Sociedade Civil na defesa, manutenção e valorização dos museus e monumentos. Se bem pensado a actual intenção do IMC em descentralizar a gestão de alguns museus é bem meritória, no entanto, não julgo que a manutenção dos quadros de pessoal e de uma certa dependência ao organismo central seja possível concretizar. Se alguém assumir a responsabilidade de gestão de um Museu, imaginemos o caso de uma autarquia, quererá, tenho a certeza disso, poder pedir responsabilidades e atribuir mérito a pessoas que façam parte das suas equipas e sobre as quais tenham responsabilidade hierárquica.
Outro aspecto importante a salientar é a abertura da discussão em torno da estratégia da Rede Portuguesa de Museus, da gratuidade dos museus e também dos horários de abertura dos museus. Junto-os num ponto apenas, porque julgo serem indissociáveis da discussão maior e importante que é a estratégia da RPM e, consequentemente, da estratégica política a seguir na museologia. Aqui, meus caros, é onde devemos concentrar toda a nossa atenção e esforços no sentido de avaliar a proposta do governo e depois discutir e apresentar as melhores propostas enquanto agentes no sector. Uma nova estratégia (que já agora não tinha nada a ver com construção de museus, mas sim com certificação da qualidade dos museus existentes e deve manter esse eixo estratégico) que possa contemplar vários aspectos e imprimir à RPM um papel bem mais abrangente do que aquele que tem hoje em dia em termos de fiscalização, atribuição de fundos, certificação de qualidade, reconhecimento e creditação de forma independente e transparente de profissionais, empresas e produtos no panorama museológico nacional.
O último ponto referido em cima levantou-me a seguinte questão: Como se vai fazer o “primeiro inventário-base do Património Imaterial Português” de acordo com o que foi apresentado publicamente no Museu Nacional de Arte Antiga no passado dia 1.
Dúvidas e algumas certezas (mais dúvidas) no entanto espero sinceramente que este governo possa ser bem sucedido nesta área. O anterior bem disse que o iria ser e podemos assistir a uma constante diminuição dos recursos disponíveis. Este assume a intenção de redefinir e restruturar, começando pelo topo, e a falta de meios, falta saber se é agora que podemos “fazer mais com muito menos”!