Os museus desempenham um papel vital na preservação da História e das culturas. Uma verdade nunca cansa, não é! Na definição de Museu aprovada em Praga pelo ICOM dizemos:
Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos e ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o património material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Com a participação das comunidades , os museus funcionam e comunicam de forma ética e profissional, proporcionando experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento.
Nova definição de Museu – ICOM Portugal
Nos largos meses em que discutimos esta e outras propostas de definição de museu, incluíndo algumas discussões tidas com colegas do CIDOC, várias vezes pensei no motivo de não estar incluída em qualquer proposta a palavra “documentação” ou “documenta” como reflexo do que entendo ser uma das principais funções museológicas. Sabendo da sua importância, porque não a consideramos na definição e mantemos “… pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe…”?
Nessas conversas quase sempre cheguei à conclusão que não seria necessária essa menção explícita à documentação, exatamente porque está implícita em todas as outras. Ou seja, é impossível pesquisar, colecionar (vá… podemos colecionar, mas à toa), conservar, interpretar e expor sem documentar as coleções nos museus. Assim sendo, a menção é implícita.
Digo frequentemente que o segredo por trás da capacidade de um museu de contar histórias ricas e autênticas está na existência de um sistema de informação que permita a construção de documentação adequada.
Este será um primeiro de uma série de artigos aqui no Mouseion sobre documentação de museus para me obrigar a refletir sobre esta área.
Porque é crucial a documentação em museus?
A documentação em museus é mais do que apenas papéis carregados de poeira e números ou listas de controlo de existências e localizações. É o alicerce que permite que as instituições culturais conheçam as coleções e as partilhem com o mundo. Mas o que a faz crucial para os museus? Eu dividiria as razões da sua importância em alguns pontos:
- Acesso ao Conhecimento: Através dos sistemas de informação e documentação, os museus disponibilizam informações detalhadas sobre suas coleções, tornando o conhecimento acessível a diferentes públicos. Possibilitam acesso ao conhecimento, a sua partilha e, mais importante ainda:
- Criação de conhecimento: A utilização da informação sobre as coleções, ou reutilização, permite criar mais conhecimento, contar histórias, ver diferentes perspectivas sobre um tema, questionar, entre outros.
- Conservação: A existência de documentação cuidadosa garante que os objetos sejam mantidos em condições ideais, prolongando a sua vida útil. O registo dos riscos e estados de conservação ou a documentação dos processos de conservação preventiva e curativa são essenciais.
- Gestão Eficiente: Um sistema de informação e documentação bem organizado facilita a gestão e a curadoria das coleções.
- Proveniência e Autenticidade: A documentação ajuda a rastrear a origem das peças e a verificar sua autenticidade, o que é essencial em termos éticos e legais para os museus.
No entanto, e apesar da sua relevância, a documentação ou a criação de um sistema de informação em museus hoje em dia enfrenta um conjunto significativo de desafios.
Desafios na Documentação
Não irei ser, neste momento, exaustivo a listar os desafios que esta actividade atravessa atualmente. Deixarei isso para os próximos artigos, mas entre eles vamos encontrar: a definição de processos sustentáveis de digitalização, a conformidade com regulamentações de privacidade, a manutenção e atualização de sistemas de informação capazes, a formação dos profissionais, a utilização de normas de forma massiva para a interoperabilidade entre sistemas, a definição/construção/tradução de tesauros ou vocabulários, a utilização de Inteligência Artificial para tarefas compatíveis e repetitivas, a “descolonização” da informação nos sistemas de informação, entre outros, como a simples digitalização de objectos com fragilidades estruturais, por exemplo.
Nos próximos artigos, explorarei com maior detalhe como os museus abordam esses desafios e como a documentação evoluiu ao longo do tempo. Uma nova série de artigos para me obrigar a voltar à escrita e à reflexão. Espero que ainda estejam desse lado!
A documentação, de facto, desempenha um papel essencial na preservação e transmissão do conhecimento humano. Seja ela física ou digital, assume-se como a prova concreta da ação humana, conferindo autenticidade e significado às obras e objetos. Nos museus, esta função é ainda mais evidente, legitima as diversas vertentes – legais, históricas e culturais – associadas aos bens patrimoniais.
Além de ser uma ferramenta para a organização e preservação, a documentação museológica tem uma dimensão reflexiva e pedagógica, permitindo que as coleções ganhem relevância no contexto social e científico. Este registo contínuo e sistemático dá suporte à interpretação e investigação, refazendo o sentido museológico, ao alinhar o passado com as necessidades presentes e futuras de conhecimento e memória.