Para onde vamos? Ou melhor para onde queremos ir

Para onde vamos? Ou melhor para onde queremos ir

O rei nu na cultura, post scriptum e uma boa visão como sair da crise em que mergulharam os museus são excelentes contributos para uma reflexão maior sobre o caminho (chamar-lhe caminho até me parece estranho) que segue a cultura e, particularmente, os museus em Portugal. Aconselho a leitura atenta a todos e confesso que subscrevo, quase literalmente, os excelentes artigos de Raquel Henriques da Silva, Maria Vlachou e Luís Raposo. Antes de lá irmos, deixem que recorde bons tempos.

Trabalhar num museu nunca foi um sonho de criança. Foi mais um feliz acaso do destino que me retirou, felizmente, a possibilidade de passar anos a penar num banco ou empresa de seguros. No entanto, quando comecei a trabalhar no Museu de Aveiro percebi que era exactamente aquilo que eu procurava. Apaixonei-me pelo museu, pelo trabalho do museu, pelas perspectivas que se abriam na conjugação entre a investigação em História e a partilha do trabalho que daí resultava. Nesses anos, se bem se recordam, davam-se os primeiros passos para a discussão daquilo que viria a ser concretizado em 2000 na estrutura de projecto, dependente do IPM, para a criação da Rede Portuguesa de Museus e viviam-se tempos em que o futuro dos museus se construía com bons profissionais, formação, investimento, alguma estratégia e planeamento e, ainda que algum desbaratado, algum dinheiro para investir em estruturas (na criação de novos museus ou requalificação de outros existentes). Não se pode afirmar que era um tempo de vacas gordas, tal nunca aconteceu nos museus portugueses, mas era um tempo de esperança, de discussão aberta, de debate, de partilha, no qual também se cometeram erros (alguns graves e sem solução ainda), mas se criaram as bases para a aprovação por unanimidade e publicação da Lei Quadro dos Museus.

Depois de tempos como aqueles seria expectável, pelo menos, que lhes seguiriam novas conquistas, melhores condições, mais participação dos profissionais em decisões estruturais, mais e melhor formação, equipas em consonância com as reais necessidades dos museus, das suas colecções e das suas audiências, a aplicação da Lei Quadro dos Museus, uma rede portuguesa de museus forte e em expansão, colecções estudadas e comunicadas devidamente, o foco dos museus e das suas missões centrado nas suas audiências, entre outras. Mas, em boa verdade, o que temos não é uma realidade melhor. As condições são piores, a participação dos profissionais de museus em decisões estruturais é “esquecida”, a formação é focada apenas em estudos avançados (mestrados e doutoramentos) esquecendo, quase por completo, a formação técnica, as necessidades de pessoal são completamente negligenciadas pelas tutelas, e os reflexos disso são notórios em muitos museus, a rede portuguesa de museus mantém-se à tona graças ao enorme esforço de um conjunto extraordinário de colegas muito persistentes e competentes, o estudo das colecções, a sua comunicação e o foco nas audiências acabam por ser prejudicados pelo contínuo desinvestimento no sector e pela endémica dificuldade em definir estratégias e planos de médio e longo prazo.

Em conversas com amigos de outras áreas sobre os problemas do sector perguntam-me muitas vezes porque me esqueço das “culpas” das pessoas que aí trabalham. A minha resposta é sempre a mesma: “nunca tivemos uma geração tão competente e bem formada como a actual a trabalhar nos museus e património cultural. Mas depende pouco da sua competência, infelizmente, a definição de uma política para o sector”. E tento explicar-lhes: “Claro que há gente incompetente (há em todos os sectores), mas a maior parte é competente, sabe fazer e sabe, conforme podemos ver por alguns exemplos que estão em lugares de chefia, liderar, planear, definir estratégia e mandar fazer! O grande problema, na minha opinião, é que não é tida em conta, como se vê, em grande parte, nas grandes polémicas noticiadas (Crivelli, Coches, Miró, Museu Nacional de Arqueologia, greves, etc.), na definição de uma política cultural de museus definida para além da castradora legislatura de 4 anos. Aliás a “festa” do Museu dos Coches é ao brio e competência da equipa do museu e outros técnicos da DGPC que se deve, não a uma decisão do Ministério da Economia ou a uma política cultural séria.

A nossa “culpa” será não exigirmos, de forma mais corporativa se quiserem, a definição de uma política de médio e longo prazo a partir da qual se possam traçar estratégias, planos, objectivos que permitam uma avaliação séria e fundamentada do desempenho de todos envolvidos no sector. Podemos até pensar que é uma visão ingénua, mas não será exequível?

Se houvesse uma política cultural forte, pensada de forma inclusiva não evitaríamos muitos dos nossos problemas?

Algumas reflexões sobre este assunto aqui, aqui e aqui.

E este artigo na Visão também me parece interessante e revelador!

E um artigo também muito interessante da Maria Isabel Roque sobre o (não) Museu dos Coches no a.mus.arte!

Miró e estratégia

Miró e estratégia

O título deste post poderia ser (escolha o leitor o que prefere): Miró e gestão de colecções, Miró e planeamento, Miró e política cultural, etc. Não irei, como compreenderão, abordar a importância da colecção Miró do antigo BPN, agora paga por todos nós, pertença do Estado, porque não detenho o conhecimento suficiente para avaliar a sua qualidade, mas gostaria de abordar a questão da sua venda ou incorporação nas colecções do Estado do ponto de vista da estratégia e política cultural nos museus portugueses.

Ao que tenho lido e ouvido dos mais diversos sectores a discussão centra-se no facto de ser impensável que o Estado possa vender uma colecção como esta dado o seu valor artístico e patrimonial. No entanto, não consegui perceber o que fará o Estado com a colecção se não a vender. As obras integram a colecção do Museu Nacional de Arte Contemporânea é uma das opções (a que me parece mais válida de tudo o que li… e acreditem que li muitos disparates), mas ao ler a missão do Museu do Chiado “Coleccionar, conservar e apresentar um acervo público de arte portuguesa de 1850 até à actualidade, bem como estimular o seu conhecimento fruição e confronto com práticas artísticas de outras nacionalidades” parece-me que a sua integração nesta colecção vai contra a própria missão do Museu, não é? A não ser, e aí retiro o que disse atrás, que o confronto com as práticas artísticas de outras nacionalidades tenha sido pensado para a contínua incorporação de obras de autores estrangeiros, o que me parece pouco exequível, e não com a perspectiva de organização de exposições temporárias que facilitassem esse confronto. Ainda assim, e aceitando que não via contra a missão do museu, a decisão da sua incorporação iria de encontro à política de colecções do museu? Não haveria outras necessidades a suprir no âmbito da arte portuguesa? São inúmeras as questões levantadas.

Se não fosse no MNAC poderíamos verificar, no panorama nacional, que outro museu poderia ficar com a colecção em depósito (Serralves é uma opção? Perdoem-me o desconhecimento sobre a constituição da sua colecção e limites temporais associados) e resolvia-se o facto de “perdermos” uma colecção com a importância que esta tem/terá para o país. Seria uma opção válida à partida se houvesse definição clara dos propósitos que nos levaram a investir (sim nós contribuintes pagamos bem caro por aquela colecção) um bom dinheiro na sua aquisição. Mas será que esses propósitos estão definidos? Será que temos uma política cultural? Ela resulta em alguma estratégia de actuação no desenvolvimento das colecções dos museus portugueses?

Eu, infelizmente, acho que não. Não a temos na Cultura e nas restantes áreas. Se a tivéssemos, ainda que só na Cultura, a justificação para esta venda poderia ser a compra de outras obras que pudessem completar a colecção do MNAC ou de qualquer outro museu tutelado pelo Estado. Se a tivéssemos na Cultura e noutras áreas poderiam dizer-nos que o montante que resulta da venda destas obras serviria para providenciar melhores meios para investigação científica ou para o Serviço Nacional de Saúde, por exemplo. E este é um dos maiores problemas, transversal a todas as áreas, que o país enfrenta. Não temos uma política definida e isso resulta, sempre, em navegação à vista.

A discussão sobre a colecção de Mirós do BPN entre governo e oposição é o espelho do desgoverno em que uns e outros estão. Seria bom perceber as propostas de uns e outros para o futuro desta colecção (sem ser a venda) e ouvir da parte do governo uma boa e sólida explicação para o (muito) atrapalhado processo de saída das obras do país. Pois se juntarmos este caso, ao do Crivelli parece que, para o governo, não temos a necessidade de uma Direcção Geral do Património Cultural e podemos dispensar a chatice que são os pareceres contrários às deliberações de S. Bento.

© Imagem: Wikipedia.

“[…] Onde, mais do que lutar, parece que desistimos também de pensar.”*

“[…] Onde, mais do que lutar, parece que desistimos também de pensar.”*

Ando completamente desfasado da realidade, ou melhor, a realidade está a passar com uma velocidade que não me tem sido possível acompanhar nos últimos tempos os diferentes (e interessantes) assuntos que têm ocupado o universo dos museus em Portugal. A triste realidade da venda dos Miró, o contínuo silêncio sobre a política cultural (não só a nível dos museus), a ausência de debate em torno do novo quadro comunitário de apoio (este deveria ser um assunto mais do que urgente) e assuntos de menor importância como a publicidade nas fardas usadas pelos funcionários de alguns monumentos, são alguns dos assuntos que não tenho conseguido acompanhar conforme gostaria e, como tal, nem me vou alongar sobre qualquer um deles.

No entanto, consegui hoje ler um texto do Luís Raposo (vejam lá o calibre do meu desfasamento), que apanhei no pportodosmuseus (obrigado Patrícia), intitulado “Os museus em face do presente e do futuro” (Público – 17-01-2014), onde somos confrontados com uma visão informada sobre a actual realidade e os caminhos (?) futuros a escolher pelos museus, políticos e agentes culturais. A realidade é difícil, bem o sabemos todos, neste sector chega a ser impossível, mas não será usada mais vezes do que deveria como desculpa para manter o actual estado das coisas? A última frase deste excelente artigo de Luís Raposo (título deste post) sintetiza brilhantemente aquilo que eu também sinto face aos actuais problemas no sector: pior do que deixar de lutar por melhor condições, mais investimento, por mostrar que a Cultura pode ser rentável (e não me refiro meramente ao lucro monetário) e é basilar, é não pensar continuamente qual o caminho que pretendemos seguir e questionar, sempre, se o caminho que seguimos é o que melhor serve a nossa e, principalmente, as seguintes gerações.

*Luís Raposo – Público. 17-01-2014

PS: uma notícia a salientar é a publicação (finalmente) do “Panorama Museológico em Portugal (2000-2010)”. Uma publicação de extraordinária importância para quem trabalha nesta área. Assim que a tiver em mãos prometo um post sobre o assunto.

© Imagem: Pportodosmuseus.

Cultura nas Redes: pós-conferência

Cultura nas Redes: pós-conferência

Ando num rodopio que por vezes me parece que sou o coelho da Alice no País das Maravilhas, sempre a correr e sempre atrasado, sem tempo para quase nada, tal a quantidade de assuntos e questões que tenho pendentes. No entanto, não queria deixar passar mais um dia sem deixar aqui registado um enorme agradecimento à Acesso Cultura pelo convite que me endereçou para participar na sua conferência anual, realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, na passada segunda-feira, dia 14 de Outubro.

O agradecimento é devido não por me terem dado a oportunidade de partilhar a minha visão sobre Redes Sociais e Museus, mas sim pela oportunidade que me deram de aprender imenso com os outros oradores, entre os quais tenho de destacar, esperando que não me levem a mal os restantes, o Marc Sands (Tate) e a Linda Volkers (Rijksmuseum) e as excelentes apresentações que fizeram sobre o fantástico trabalho nas redes sociais daqueles dois museus. Eu tenho sempre presente que nada como um bom exemplo para aprender e melhorar a nossa actuação nessa área.

A Acesso Cultura e a Fundação Calouste Gulbenkian tiveram o cuidado de gravar a transmissão em directo da conferência (via Livestream) e os vídeos estão disponíveis aqui.

Grandes opções do plano para a Cultura (2012-2015)

Grandes opções do plano para a Cultura (2012-2015)

Através do Pportodosmuseus soube hoje das grandes opções do plano (as minúsculas são propositadas) que o Governo apresenta para o triénio 2012-2015 para a área da Cultura. Depois de ler atentamente o que é escrito na proposta de lei 31/XII voltei ao ponto 5.11 e reli:

Nos próximos anos é preciso afirmar uma visão clara do que deve ser o futuro da Cultura em Portugal. A cultura é um factor de coesão e de identidade nacional, assumindo-se como uma atitude perante a vida e as realidades nacionais. Ela constitui, hoje, um universo gerador de riqueza, de emprego e de qualidade de vida e, em simultâneo, um instrumento para a afirmação de Portugal na comunidade internacional.

E depois li novamente quais são as medidas concretas para que a Cultura possa ser um factor de coesão e identidade nacional e crie riqueza, emprego e qualidade de vida, não esquecendo a afirmação de Portugal na comunidade internacional. Leiam os meus caros amigos também:

5.11.7. Medidas

Cientes dos objectivos traçados no Documento de Estratégia Orçamental e em consonância com o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, promover-se-á a um novo Modelo Organizacional, com vista à redução dos custos para o Estado e o Contribuinte, a modelos mais eficientes de funcionamento e à reavaliação do papel do Estado na vida cultural através de uma reorganização e simplificação das estruturas e das entidades tuteladas, a saber:

–        Fusão/extinção de organismos: reduzir-se-á o número de estruturas de 16 para 11, diminuindo-se o número de cargos de dirigentes de 191 para 122, o que se traduz numa redução de despesas com pessoal na ordem dos 2,6 milhões de euros.

–        Alteração do modelo de gestão do Sector Empresarial do Estado, com a criação de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), que permitirá uma gestão mais eficaz, a centralização de processos, a diminuição de despesas mediante uma gestão mais racional dos recursos humanos; a diminuição dos encargos com as contratações e serviços externos, a redução da despesa relacionada com processos internos e redução da despesa ao nível dos Conselhos de Administração. A criação do ACE libertará as Empresas Públicas Empresariais para aquilo que é verdadeiramente serviço público na área da cultura: programação artística, criação, difusão e itinerância.

–        Contribuição para a meta transversal de redução de efectivos na Administração Central em cerca de 2%, limitando-se as admissões de pessoal.

–        Reorganização e racionalização das instalações da propriedade da Secretaria de Estado da Cultura, permitindo uma maior eficiência e eficácia nos recursos financeiros, humanos e logísticos e redução dos encargos de locação de imóveis, através da rescisão de contratos de arrendamento. Estima-se uma redução que poderá atingir os 0,8 milhões de euros em 2012 e 2 milhões de euros em 2013.

–        Centralização das Compras, nomeadamente através das aquisições agregadas na Unidade Ministerial de Compras, o que permitirá aquisições a preços mais competitivos e reduzidos.

–        Avaliação do custo/benefício e da viabilidade financeira das fundações que beneficiem de transferências do Estado, bem como dos apoios financeiros concedidos no âmbito das actividades culturais, exigindo-se uma maior disciplina na utilização dos mesmos.

–        Revisão do regime de gratuitidade dos museus e património cultural, diminuindo o período da sua aplicação e alteração dos seus horários de funcionamento, promovendo o aumento das receitas.

–        Reforço do acompanhamento e monitorização da execução económica e financeira, numa base mensal, através da implementação de um sistema de suporte de informação uniformizado em todos os Serviços e Organismos da Secretaria de Estado da Cultura.

Se retirarmos a avaliação do custo/benefício e viabilidade financeira dos projectos que recebem apoios do Estado (eu sou completamente a favor da avaliação, mas ainda assim precisava de ter mais dados, como os critérios de avaliação e as condições para ter acesso aos apoios, para a considerar uma excelente medida), agradecia que me indicassem uma medida estrutural que apontasse claramente para uma estratégia para o sector. Conseguem? Eu não consegui ver para além de um pensamento a curto prazo.

E não quero com isto dizer que a Cultura deve ficar de fora dos cortes que toda a sociedade enfrenta. Nada disso, quero dizer apenas, com esta minha posição, que a falta de uma estratégia a médio e longo prazo para a área cultural (para a qual, sem sombra de dúvida, devem ser chamados a contribuir o Turismo, Ciência, Educação, Poder local, Igreja e todos os intervenientes da área, empresas incluídas) tem sido o calcanhar de Aquiles da Cultura e favorece a 100% o deplorável estado das coisas.