Ontem visitei, por motivos profissionais, o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra e tive a oportunidade de visitar a exposição temporária “Visto De Coimbra – Os Jesuítas entre Portugal e o Mundo” que foca a atenção na actuação da Companhia de Jesus aproveitando o impacto mediático do recente filme de Scorcese, a visita a Portugal do Papa Francisco (um jesuíta, portanto) e as recentes, e muito interessantes, descobertas de documentação feitas na Sé Nova de Coimbra. Fui convidado e acompanhado na visita pelo Pedro Casaleiro, da direcção do Museu, e membro da equipa que produziu esta exposição, que noutra oportunidade já me tinha falado sobre a investigação e trabalho que estava a ser realizado para esta exposição.
Antes de vos falar sobre a exposição, devo dizer-vos que sou um apaixonado pela relação que a Companhia de Jesus, com os seus erros e méritos, tem com o mundo. Sabemos todos que vários abusos foram justificados pela catequização dos povos e pelo disseminação da fé católica e, a luz dos nossos dias, nada o pode justificar. No entanto, a Companhia de Jesus deixa-nos, ao longo dos séculos um legado extraordinário de descobertas, de ligação entre povos, de dados ciêntificos, de conhecimento que muito contribuiram para o desenvolvimento da sociedade.
É o que acontece exactamente com o objecto que dá o mote ao título da exposição. Uma gravura publicada na Colecta Astronomica (1629), da autoria do padre Cristovão Borri, representando a Lua vista de Coimbra e feita em 1626. A primeira ilustração científica na área da astronomia feita em Portugal, apenas precedida da de Galileu (Siderius Nuncius) feita 16 anos antes. Um documento que mostra o empenho da Companhia num projecto pedagógico global e centrado na divulgação de estudos científicos recentes, como podemos ler na apresentação da exposição na página do Museu da Ciência.
A exposição tem duas áreas distintas que abordam a história da Companhia de Jesus em Coimbra e as missões jesuítas no mundo. A história em Coimbra é fascinante e aborda de forma muito interessante o contributo da Companhia no ensino em Portugal até à sua expulsão pelo Marquês de Pombal. Uso para ilustração desta parte da exposição um excerto do texto sobre a exposição que mencionei acima:
Na primeira sala encontramos manuais do curso filosófico – os Conimbricenses, o livro de Álgebra (1567) de Pedro Nunes seguido pelo jesuíta matemático Clavius, um dos maiores responsáveis pela difusão da obra de Nunes na Europa, as peças de teatro das tragédias sacras acompanhadas de coros musicais encenadas pela primeira vez em Coimbra (1562), expressas em manuscritos originais do acervo da Biblioteca, entre outros
Na sala dedicada às missões jesuítas, centrada, como se compreende, na actuação da província portuguesa da Companhia, não consegui ficar indiferente, tendo em conta o tempo em que ocorreram (entre 1550 e 1650), às distâncias e lugares cobertos pelos missionários que saíam de Portugal e viajavam em condições difíceis de imaginar actualmente, literalmente até ao outro lado do mundo. A mancha que representa a província portuguesa no planisfério de Ortelius (1570) é reveladora da imensidão de mundo coberto nesta verdadeira globalização empreendida pelos jesuítas missionários.
De todos os objectos que tive a oportunidade de ver, gostava de vos referir um. Uma gramática da língua Cokwe (como falo sem notas, espero não estar enganado com a etnia) feita por um missionário que possibilitava depois, para cumprir com o designío de espalhar a fé cristã, a criação de catequismo na língua daquele povo. A mesma situação encontramos também para a língua geral usada no Brasil, o tupi.
Além destes, gostei também dos documentos encontrados dentro de um altar da Sé Nova, ali guardados a mando de um jesuíta após a extinção da ordem em Portugal, como forma de garantir a sua preservação e segurança face à certa destruição numa fogueira às ordens do Marquês. Nesses documentos, pelo que me disse o Pedro Casaleiro encontram-se verdadeiras raridades que estão a ser estudadas por diversos especialistas da Universidade.
Esta exposição temporária poderia muito bem ser um dos elementos a incluir na (desejada) ampliação do Museu da Ciência conimbricense. Introduzia-nos a história do desenvolvimento de uma das mais antigas universidades europeias e permitia explorar temas muito interessantes sobre a relação da fé com a ciência ao longo do tempo. Além disso, mostra-nos de forma inequívoca uma relação aberta entre Portugal e o Mundo apoiada no conhecimento ciêntifico e na presença em Coimbra de relevantes cientistas ao longo da existência da Universidade.
No decorrer da visita, lembrei-me de como as Universidades poderiam olhar para a sua própria história quando procuram ideias para se desenvolver. Esta relação com o mundo, com os melhores, é central neste ponto, não vos parece?
Não posso deixar de agradecer ao Pedro Casaleiro esta excelente oportunidade de visita e todas as informações que me deu sobre os objectos e a história que a exposição conta. Não posso também deixar de vos recomendar uma visita ao Museu da Ciência para que vejam a exposição “Visto de Coimbra – Os Jesuítas entre Portugal e o Mundo”.
Não se esqueçam que só está disponível até 18 de Março próximo.