Nota de Alexandre Matos: o seguinte post, inserido no Speaker’s Corner, foi publicado antes no Facebook pela colega e amiga Juliana Monteiro. Assim que o li enviei à Juliana o convite para o publicar aqui no Mouseion e espero que gostem (como eu gostei de o ler), que vos seja útil e que possa suscitar a curiosidade de participar em futuras conferências do CIDOC. Obrigado Juliana pela partilha.
Prezados colegas,
Escrevo este post pois gostaria de compartilhar com todos vocês um pouco do que foi a Conferência Anual do CIDOC, realizada em Dresden/Alemanha durante os dias 6 a 11 de setembro. O tema deste ano foi Networking na Era Digital, buscando apresentar e problematizar o assunto através de diferentes sessões de comunicação, painéis, keynotes, sessões especiais e reuniões dos grupos de trabalho do CIDOC. Trata-se apenas de um post sem maiores pretensões – mais um relato de impressões, a partir do que pude absorver deste importante evento.
Apesar da participação maior de profissionais europeus, em sua grande maioria da Alemanha, Áustria e outros países vizinhos, a Conferência deste ano – segundo o próprio CIDOC – teve um grande número de participantes de vários lugares do planeta, sendo talvez a maior conferência já realizada pelo Comitê em muito tempo. Eram pessoas dos quatro cantos do mundo mesmo, vindo de países como Armênia, Irã, Índia, Zâmbia, Brasil, México, Venezuela, Portugal, Israel, Grécia, Estados Unidos, China, Rússia e por aí vai.
Enfim, gentes diferentes, todos discutindo documentação e gestão da informação, em suas diferentes nuances e temáticas a partir do assunto central. Muitas dessas pessoas (inclusive eu) puderam participar devido ao auxílio de bolsas do Getty Foundation, que vale a pena ser destacado como uma fonte constante de auxílio. Além das múltiplas origens, havia também a variedade de perspectivas sobre o assunto: entre os participantes, havia os acadêmicos, os técnicos da área de TI, os documentalistas, os estudantes que gostariam de entrar para a área. Um universo desafiador, que se refletia bem nos interesses das pessoas em procurar por uma ou outra sessão de comunicação ou de grupo de trabalho.
Particularmente para mim, que fui pela primeira vez, a Conferência foi importante para verificar que não estamos sozinhos aqui em terras brasileiras no que se refere aos tipos de problemas enfrentados. Pois sim: a ausência de programas mais integrados, de ações sistemáticas de documentação, de continuidade de projetos e equipes não é um privilégio só nosso ou dos países da América Latina, África e Ásia. Os nossos colegas europeus também enfrentam situações muito parecidas com as nossas, incluindo também falta de recursos financeiros.
Participei particularmente das sessões de comunicação em que se discutiu a profissão de documentalista de museu e outra, que discutiu os processos de documentação em museus (workflows, sistemas e metodologias de catalogação, etc). Nas respectivas sessões foram apresentados o Programa de Treinamento do CIDOC que realizamos no ano passado e neste, pelo colega Gabriel Moore, e o trabalho de tradução e localização do SPECTRUM para a língua portuguesa, pelos colegas Juliana Rodrigues Alves e Alexandre Matos.
Na sessão sobre as questões profissionais, ficou muito claro que o documentalista dentro do museu precisa, cada vez mais, ter uma formação que o ajude a lidar com o universo digital. Mas, isso não quer dizer que ele deve saber tudo ou dominar tudo – pois isso seria, obviamente, impossível. Todavia, o termo “digital curation” (curadoria digital) tem sido cada vez mais associado ao fazer documental dos profissionais que lidam com a gestão de acervos, fazendo com que eles sejam recolocados numa posição central nos processos decisórios dos museus. Ou seja, o contexto atual exige que curadores, pesquisadores e documentalistas trabalhem em conjunto, pois caso contrário não se saberá nunca como utilizar a informação produzida sobre os acervos de modo que ela seja recuperada, apropriada e difundida amplamente pela internet.
A ênfase também na necessidade de criação de cursos específicos sobre documentação em museus me pareceu uma demanda, bastante presente na fala dos colegas europeus. Isto é: lá, a formação faz com que as pessoas muitas vezes estudem os museus já na pós-graduação, se tornando assim profissionais que buscam postos como pesquisadores especializados ou curadores. Mas, para lidar com as questões práticas do dia a dia e principalmente com os desafios da documentação, ainda não há formação específica nesta área (como foi o caso da Alemanha, por exemplo). E ficou a questão: como seria melhor resolver essa situação? Com cursos periódicos ou mestrados exclusivos sobre o tema? Questões para pensar…
Foto: Fabio Mariano Cruz Pereira, 2014.
No que se refere à sessão dos processos de documentação, foi interessante conhecer projetos como o AZ Infinitum, que apresenta a catalogação de azulejos em Portugal e possui uma metodologia muito interessante de abordagem dos espaços e deste tipo de material. Outro ponto interessante foi conhecer a experiência realizada pela Finlândia na localização do SPECTRUM. Questões bem parecidas com as enfrentadas pelo grupo do projeto SPECTRUM PT, que ao menos mostraram que temos mais gente nesse barco, com as mesmas dúvidas e proposições para o futuro. As imagens abaixo mostram um pouco deste momento:
Fotos: Juliana Monteiro, 2014.
A Sessão Especial sobre o SPECTRUM, da qual também participei, permitiu conhecer mais da experiência dos noruegueses, que estão estudando a tradução e localização da norma. A metodologia utilizada por eles para diagnosticar o grau de pertinência da norma frente à realidade dos museus daquele país foi realmente interessante de conhecer!
Por último, dois pontos me chamaram também a atenção:
1)o projeto que está sendo proposta pelo Documentation Standards Working Group de criação de um dicionário e um glossário sobre prática de museus. O objetivo é apresentar outras visões sobre termos relacionados ao cotidiano da área, servindo assim como mais uma referência de trabalho. Quando questionado sobre a sobreposição desta publicação (que será feita em formato Wiki) com a “Conceitos Chave de Museologia”, o coordenador do WG disse simplesmente que esse dicionário e glossário não se pretende O dicionário, mas apenas ser mais um instrumento de trabalho – uma opção a mais para o profissional de museu. Talvez tenhamos algo bem interessante saindo disso – e já fizemos questão de garantir a língua portuguesa lá no meio! Quem quiser saber mais sobre isso, vale entrar no grupo do CIDOC no LinkedIn.
2) A criação de um novo Working Group, dedicado exclusivamente ao tema “patrimônio imaterial”. Eu não cheguei a participar das reuniões deste novo WG, mas também parece algo que merece ser acompanhado bem de perto, para saber como o CIDOC vai lidar com esse tema e, em paralelo, com a discussão sobre ontologias, websemântica e representação de conteúdo.
Para terminar esse loooongo post, fica a impressão de que o assunto “documentação em museus” têm mesmo se aproximado cada vez mais da questão central da gestão da informação sobre os acervos. E, como a Tanya Szrajber, do Museu Britânico, destacou na última keynote da Conferência (imagem abaixo), no final não importa que você, enquanto profissional/instituição, não domine todos os padrões, normas, ou tenha mesmo o melhor banco de dados do mundo. Desde que a preocupação com a gestão da informação sobre os acervos envolva uma sistemática, continuidade, lógica e organicidade, então ela estará sendo bem feita. E isso foi um alento, pois é sempre bom ouvir que há esperança no fim do túnel!
Foto: Juliana Monteiro, 2014.
A próxima conferência anual do CIDOC se realizará em Nova Délhi, na Índia. Ainda sem data certa, mas provavelmente em setembro de 2015, no The National Museum Institute of the History of Art, Conservation and Museology. Quem se interessar, vale a pena ir acompanhando o site do CIDOC para saber as datas e se programar.
Com certeza, foi uma experiência e tanto, que ainda estou tentando apreender na sua totalidade (rs). Isso também pela oportunidade de conhecer outras realidades, mas principalmente pela chance de conhecer pessoas, compartilhar experiências e abrir a cabeça para outras ideias e perspectivas.
São Paulo, Brasil – 18/09/2014
Juliana Monteiro é graduada em Museologia pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e mestre em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atuou como museóloga do Museu da Energia de São Paulo/Fundação Energia e Saneamento e, desde 2008, trabalha na Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Entre as suas atividades, está a coordenação do Comitê de Política de Acervo dos Museus da Secretaria e a administração do Banco de Dados de Acervo do mesmo órgão. Desde 2010, é professora do curso técnico de Museologia da ETEC Parque da Juventude/Centro Paula Souza, ministrando aulas sobre documentação e ética profissional. É membro do CIDOC-ICOM e da Comissão Editorial da Coleção “Gestão e Documentação de Acervos: textos de referência”, que publicou neste ano as traduções das Categorias de Informação do CIDOC e a norma SPECTRUM 4.0, em conjunto com parceiros portugueses Alexandre Matos e Museu de Ciência da Universidade de Coimbra.