Fui convidado pela BAD para participar na mesa redonda que se seguirá à Assembleia Geral Ordinária desta associação, no dia 14 de Março (Pequeno Auditório da Biblioteca Nacional), sobre o tema “Redefinir fronteiras / afirmar identidade: desafios dos profissionais da informação“.
Não sendo sócio da BAD acompanho, por motivos profissionais e académicos, o trabalho que esta associação tem desenvolvido com muito interesse e tenho o privilégio de acompanhar vários colegas desta área no processo de criação e desenvolvimento do Grupo de Trabalho – Sistemas de Informação em Museus que a BAD, em muito boa hora, decidiu albergar a par de outros grupos de trabalho da associação que têm como objectivo aprofundar diversos temas e áreas relacionadas com o trabalho dos Arquivos, Bibliotecas e Museus.
Aceitei este amável convite, porque julgo poder dar o contributo de alguém que vem da área dos museus, ainda que tratando do mesmo, ou seja, da informação (das colecções), e que tem necessariamente uma visão distinta, por vezes próxima, por vezes mais distante, dos desafios colocados aos profissionais de informação independentemente do sector em que trabalham e da forma como esses desafios se devem reflectir na actuação de uma associação profissional como a BAD.
Embora tenha uma opinião sobre este tema e sobre os desafios que enfrentamos, ou enfrentaremos no futuro, não queria deixar passar esta oportunidade para vos questionar sobre o assunto. As questões que vos coloco e às quais podem responder por e-mail ou através dos comentários a este post são as seguintes:
Quais as fronteiras ou características identitárias que poderão definir os profissionais de informação face ao panorama actual da sociedade de informação em que vivemos?
Que desafios se colocam actualmente aos profissionais da informação?
Como é óbvio as vossas respostas/sugestões/comentários serão tidos em conta na minha reflexão e na minha intervenção (dentro do tempo que terei disponível)!
Aproveito para vos deixar abaixo o texto que a BAD publicou para a introdução da mesa redonda:
Ao longo das últimas décadas, como reflexo da rápida evolução dos saberes e competências de bibliotecários, arquivistas e documentalistas têm vindo a ser questionadas as fronteiras da profissão e as próprias designações dos profissionais e das instituições.
Naturalmente este questionamento chega às associações profissionais de todos os países que, como no caso da BAD,
precisam de acompanhar o ar dos tempos e evitar a cristalização em velhos arquétipos de muitas profissões que estão a deixar de existir ou, no melhor dos casos, a transformarem-se radicalmente.Torna-se necessário o diálogo e o confronto, a comparação e a procura das diferenças e das semelhanças. O caminho da convergência profissional parece esbarrar, porém, com a necessidade de maior especialização, sendo necessária ao mesmo tempo a demarcação de uma zona de interseção, por si mesma definidora de um campo científico, técnico e profissional.
No sentido de procurar respostas para estas e outras inquietações, a BAD – no dia da sua Assembleia Geral Ordinária – decidiu lançar um debate que considera interessará a algumas das profissões que coexistem neste universo da informação para que, em mais uma tarde de Sábado, nos ajudem a traçar novas linhas nos mapas do nosso futuro.
Espero ver-vos na Biblioteca Nacional no dia 14!
© imagem: BAD
Nótulas sobre as novas funções dos arquivistas
Autor: Ricardo Charters d’Azevedo
Resumo:
Como instituições culturais, os arquivos, os museus e as bibliotecas, incorporam um conjunto de valores e bens, que sabemos ter grandes ligações e que são hoje consideradas propriedade partilhada pelo cidadão. A sociedade pretende usufruir daquela propriedade, pelo que, quer o arquivista, quer o bibliotecário, quer o museólogo, trabalham em três instituições que estão cada vez mais próximas e interligadas. Através de alguns exemplos e de literatura recente explica-se como a dimensão custodial, culturalista e historicista do arquivo se tem vindo a alterar levando a que os seus atuais «cultores» se reformem, obrigando a que o arquivista adquira novas competências, para responder nomeadamente à introdução das TI e ao incremento da ligação com a comunidade, como já o fazem, em parte, os bibliotecários e os museólogos.
A necessidade de formação do “novo “ arquivista
Numa empresa, o gestor de arquivos correntes é basicamente um administrativo e o arquivista é um historiador. De forma mais direta e simples, podemos resumir dizendo que arquivistas estão interessados em cultura, história e eventos passados; gestores de arquivos correntes estão preocupados com a eficiência e com o presente.
No continuum que vai desde a criação do documento, passando pelo seu arquivo corrente, tratamento, seleção/arquivo e difusão ao público interessado, com uma ligação forte entre a informação e as novas tecnologias, obriga naturalmente que haja uma formação em adequada pelo que Ribeiro (2005, p. 8 e 9) pergunta se a formação recebida atualmente pelos arquivistas os prepara e os dota de capacidade de resposta aos novos desafios nomeadamente os colocados pelas tecnologias da informação e comunicação.
Já em 2002, Silva e Ribeiro (2002, p. 37) definiam informação como:
«Um conjunto estruturado de representações mentais codificadas (símbolos significantes) socialmente contextualizadas e passiveis de ser registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multidireccionada».
A partir desta definição, a profissão de arquivista não pode continuar a ser aquele que guarda, conserva e arruma papéis e outros documentos, servindo preferencialmente investigadores, tendo uma função quase mecânica e administrativa. Lembramos que como afirma Ribeiro (2002, p. 6) que a «ênfase posta nos procedimentos técnicos (classificação, ordenação, descrição, etc.), só por si, não foi suficiente para conferir à arquivística um estatuto de disciplina científica, pois a falta de fundamentação teórica e metodológica constituiu um forte handicap na afirmação de cientificidade». No novo contexto informacional e tecnológico, colocam-se novos desafios, nomeadamente passará a ser um gestor de informação criada e produzida e usada em multi-contextos e em diferentes meios.
Além disso, por força e obrigação de associar a documentação ao património, como por exemplo, a casa e móveis com que ela conviveu, tem toda a lógica, como já defende Ribeiro (2002, p. 8 e 9) que se associe ao arquivista, o bibliotecário, o documentalista e o especialista em informática de gestão, criando um novo perfil profissional, com as competências necessárias para que o cidadão possa usufruir de um bem que criou, apoiou e que quer usar.
Num artigo de 2005, Upward e McKemmish (2006, p. 220) já se preocupavam com a urgente necessidade de formação, afirmando:
«teaching continuum style offers a way of addressing this challenge. It provides opportunities for archival students to acquire general understandings of cognate disciplines and, in harmony with these understandings, to gain specialized knowledge and skills in recordkeeping and archiving. For students in cognate disciplines (for example librarianship, information technology management, information systems development, business intelligence, information management, knowledge management, cultural heritage management) it enables cross-disciplinary understandings of recordkeeping and archiving to be acquired. It also infers all students some meta-level knowledge and skills that apply widely across the information landscape.»
Igualmente, estes dois autores propõem a «activity-based learning» como forma de ultrapassar um dos principais problemas que é a constante expansão do conhecimento humano na medida em que tem impacto direto nesta profissão. Tal obriga a aprender fazendo, enquadrando a expansão de ideias e de compatibilidade do processamento da informação e da comunicação em termos de resolução de problemas específicos. Será que a existência de um Erasmus, nacional ou europeu na profissão, não iria permitir responder a este desiderato?
Sabemos que os gestores da informação e dos arquivos necessitam de um grande leque de competências — têm de entender as necessidades de informação sobre negócios dos seus parceiros, de ter experiência no contacto com o público e com os seus colegas, bem como na gestão de projetos; de ser capaz de falar e de entender especialistas em TIC e de ser adaptável às necessidades de mudança da sua organização. A gestão da informação já não é mais da única responsabilidade de um pequeno grupo de especialistas qualificados (e iluminados).
Percebe-se a vantagem da existência de uma colaboração entre os funcionários das diversas organizações e instituições responsáveis por arquivos (continuum, interoperabilidade e portabilidade), da necessidade e importância de se encontrar o apoio do público, demonstrando-lhe que as dotações orçamentais atribuídas aos arquivos são cuidadosamente aplicadas, por exemplo, pela disponibilização on-line da muita informação existente, bem como respondendo atempadamente aos pedidos efetuados.
Todos nós nos lembramos como era difícil, para o cidadão comum, consultar o Diário da República, que publicava leis que ele tinha a obrigação de conhecer e respeitar. Hoje, a difusão eletrónica do Diário da República responde muito bem a quem dele necessita. A montagem de sistemas que permitam o uso do crowdsourcing (Charters-d’Azevedo, 2014) irá permitir igualmente um aumento da difusão de documentos, bem como evitar que arquivistas, agora requalificados, se mantenham ligados ao desempenho de atividades administrativas repetitivas.
Questões:
A formação recebida atualmente pelos arquivistas prepara-os e dota-os de capacidade de resposta aos novos desafios nomeadamente os colocados pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC)?
Deverá o arquivista passar a ser igualmente um gestor da informação criada, produzida e usada em multi-contextos e em diferentes meios?
A conceção unitária dos arquivos obriga a uma cooperação entre os diferentes profissionais (técnicos e empregados administrativos, juristas, informáticos, tecnólogos, etc.), exigindo também uma coordenação atenta às contribuições de cada um para que os arquivos respondam aos objetivos de garantia a curto e a longo prazo. Será que esta coordenação deverá ser atribuída aos arquivistas?
Deverá ser criado um novo perfil profissional que associe o arquivista, o bibliotecário, o museólogo e o especialista em informática de gestão, com as competências necessárias para que o cidadão possa usufruir de um bem que criou, apoiou e que quer usar?
A necessidade de aprender fazendo, enquadrando a expansão de ideias e de compatibilidade do processamento da informação e comunicação com a resolução de problemas específicos, não justificará a criação de um programa na profissão do tipo Erasmus, que permita responder a este desiderato?
Distinção pouco clara: bibliotecas, arquivos e museus
Até hoje, as bibliotecas, os arquivos e os museus assumiram que os clientes, ou seus utilizadores, os visitavam, e ficavam tranquilamente aguardando a sua entrada nas suas instalações. Hoje, a maioria daquelas instituições, e especialmente os museus, porque cobram entrada, preocupam-se com a divulgação da sua existência e preparam exposições especialmente apelativas em termos culturais para o grande público. Outras daquelas instituições procuram mostrar-se relevantes nas suas comunidades, colaborando com as autoridades locais na organização de eventos históricos e culturais.
As bibliotecas, arquivos e museus usam a sua experiência, procurando maximizar a «exploração» do espólio que detêm e as coleções que receberam para, por assim dizer, justificar a sua existência e no fundo o orçamento que anualmente lhes é atribuído. No entanto, verifica-se que bibliotecas, arquivos e museus são frequentemente parceiros naturais colaborando e cooperando, na medida em que muitas vezes servem uma mesma comunidade, de maneira semelhante.
As bibliotecas, os arquivos e os museus são três declinações de instituições culturais do mesmo tipo e são vistas pelo público como culturais e difusoras de informação. No entanto, a perceção pelo público, de cada uma delas, não é igual. As bibliotecas dominam na área da informação e os museus no cultural. O potencial dos arquivos como instituição custodial, não é percetível pelo público, assim como não se apercebem ainda que os arquivos têm uma responsabilidade na área cultural e de informação.
No passado, estes irmãos desavindos, como René-Bazin (1994, p. 33) lhes chamou, guerreavam-se. Por exemplo, entre as bibliotecas e os museus, a propósito das coleções de desenhos ou de estampas, pela indefinição de se saber se se tratavam de obras de arte ou se elas entravam na classificação de material em depósito legal; entre as bibliotecas e os arquivos pela custódia de um ou outro manuscrito. Alguns exemplos põem em causa estas delimitações pois encontramos objetos nos arquivos (por exemplo, maquetes), obras de arte nas bibliotecas (as recentes artotécas, dedicadas às artes visuais, funcionando como uma biblioteca de arte) e manuscritos nas bibliotecas (por exemplo, cartulários antigos ou documentos de um politico) e impressos e manuscritos literários nos arquivos (fundos antigos).
Esta delimitação, muito difusa, se bem que sempre no campo cultural, tem sido, de forma artificial, separada da seguinte forma (Moulinier, 1994, p. 34):
• aos arquivos a memória histórica e institucional do país;
• às bibliotecas a história literária, as fontes do saber e a informação sobre as grandes correntes da criação literária e poética
• aos museus a exposição de obras de arte ou a evocação da vida quotidiana e do passado técnico e económico
Ao longo dos tempos, cada instituição foi-se afirmando profissionalmente e pela definição das suas missões (Vatican, 2011, p. 16-20). No entanto, num primeiro tempo, os arquivos disponibilizaram documentação mais como um valor de prova e para a boa gestão administrativa antes de «caírem», num segundo tempo, no domínio cultural servindo então a comunidade dos cidadãos e nomeadamente dos historiadores.
Lembramos que somente 5 a 10% do material arquivado é conservado de forma perene e irá transformar-se em arquivos históricos. Segundo a célebre fórmula de Robert-Henri Bautier, citada por René-Bazin (1994, p. 34), «o arquivista transformou-se no homem que sabe destruir» é hoje mais verdade dada a existência de enormes volumes de documentos armazenados de forma informática ou digital. Pelo contrário, o papel cultural, dos museus e das bibliotecas, e não a «destruição», que constitui a «justificação fundamental da sua existência» (Moulinier, 1994, p. 34). Estes foram já frequentemente constituídos, num mesmo edifício, pelos municípios no seculo XIX.
Evidentemente que os arquivos, as bibliotecas e os museus beneficiam todos de dons, legados, depósitos e de doações. As formas de trabalho diferem igualmente e cada uma destas instituições adotaram, há muito, uma linguagem própria. No entanto, a informática e a web trouxeram novas pistas de cooperação entre estas três instituições que têm, como sabemos, pontos de contacto comuns. Já em 2008 a International Federation of Library Associations and Institutions publicava um texto com exemplos de colaboração entre as bibliotecas, os arquivos e os museus (Yarrow et all, 2008).
Vemos que, por exemplo, estas instituições estão hoje sob a mesma palavra «cultura» e dependentes, em muitos países, do mesmo ministério, como já acontece em Portugal. Todas elas são preponderantes para manter e conservar o património cultural representando os «três domínios da memória coletiva» (René-Bazin, 1994, p. 34). Mesmo tendo uma tradição diferente na forma de documentação e organização, têm um objetivo comum: a preservação e a apresentação da nossa herança cultural. Para isso, os seus agentes ou funcionários tem as mesmas missões: adquirir/colecionar, catalogar/inventariar/classificar, descrever/analisar, comunicar/expor.
Paule René-Bazin, num artigo publicado há 20 anos, via nas tecnologias de informação novas pistas de colaboração «que deveriam permitir conjugar sem negar os métodos de cada uma, desde que os seus profissionais façam prova de abertura de espírito e de respeito mútuo» (René-Bazin, 1994, p. 34).
Podemos imaginar um cenário, onde os metadados destas instituições (os arquivos, as bibliotecas e os museus) são ordenados, categorizados e classificados num mesmo local e disponibilizados ao público, num ecrã. Aos documentos conservados nas instituições juntar-se-ão as imagens fixas e animadas, bem como os registos sonoros e audiovisuais. Abel Rodrigues já defendeu este quadro, no 4º Congresso da Casa Nobre, em Arcos de Valdevez, em novembro de 2014, para os bens arquivados na Casa Mateus.
Como já se faz em diversos países (Bermès, 2011, p. 9 a 11), alguns destes portais criados, como acima se preconiza, permitirão o acesso integrado a recursos muito diversos: documentos impressos, documentos de arquivo (registos, cartas, etc.), imagens de objetos e de documentos, documentos sonoros ou audiovisuais, documentos numéricos, etc.
Questões:
Bibliotecas, arquivos e museus apoiam e maximizam as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida do público em geral, preservam nomeadamente o património cultural da comunidade onde se inserem, ao mesmo tempo que promovem o acesso à informação a esse mesmo património. De que forma é que esta colaboração poderá ser incentivada?
As bibliotecas, os arquivos e os museus são três declinações de instituições culturais do mesmo tipo, mas a perceção de cada uma delas pelo público não é igual. As bibliotecas dominam na área da informação e os museus na área cultural. O potencial dos arquivos como instituição custódial e cultural, não é percetível pelo público. Como corrigir esta situação?
Os metadados
A descrição de documentos — ou de outro património — e a forma cuidada como é realizada permitirá que, na altura de os procurarmos possam ser facilmente localizados. Nem todas as organizações/instituições funcionam da mesma forma, mas muitas delas introduzem metadados, não só como forma mais rápida de encontrar o que se procura, mas igualmente para ser fácil migrar a informação.
Podemos ir mais longe e, como J. Gabriel, questionar a necessidade de introduzir metadados na descrição de um objeto, de um documento ou de um livro, porque hoje muito do software que se produz consegue pesquisar texto. Assim, nem será necessário a utilização de um Thesaurus, nem ficarmos ligados a software especial alocado à leitura de campos que têm sido naturalmente diferentes para os livros, para os documentos ou para objetos museológicos (Holland et all, 2014).
Lembramos que hoje o software existente é capaz fazer pesquisas a partir do nome do ficheiro eletrónico, através de palavras-chaves ou mesmo pela indexação de textos que descrevem o objeto, tal como já é hoje usado pela Rede Portuguesa de Arquivos da DGLAB. O sistema de pesquisa de documentos na DGLAB/Torre do Tombo, a que podemos aceder on-line nas nossas casas, é realizado através de texto.
Sabemos como a introdução de metadados consome recursos (Evans et all, 2006, p. 18 et 19), e podemos calcular o impacto que a não utilização de metadados terá nos produtores de software dirigido à pesquisa do livro, ou do documento, ou do objeto, mas, por outro lado, facilitará muito a vida dos utentes destas instituições que não sejam técnicos de catalogação ou que não tenham o Thesaurus à mão. Permitirá igualmente uma maior rapidez no registo, levando a que a percentagem de documentos, peças e livros a aparecer on-line, aumente. Consequentemente, ter-se-ão de flexibilizar as normas existentes, que, de resto, já não são integralmente cumpridas, como referimos acima.
Quem será contra a possibilidade de um qualquer utente vir a pesquisar, por exemplo, a existência de um vaso da dinastia Ming no património de uma determinada família portuguesa e puder ver o vaso em três dimensões rodando-o, ao mesmo tempo que recebe uma ficha em texto corrido da sua descrição, conjuntamente com a cópia da encomenda que foi feita, bem como a troca de correspondência que levaram à encomenda, juntando-se a indicação dos livros que tratam a porcelana daquela época? Tudo isto é fácil de efetuar usando um software de agregação e um sistema de pesquisa de texto como aquele que a Google já usa em http://books.google.com.
Assim esbater-se-ão as fronteiras entre estas instituições culturais, com o desenvolvimento das novas tecnologias como catalisadores da convergência digital entre bibliotecas, arquivos e museus. Não haverá convergência física, até pelos custos que tal provocará, mas facilmente será feita a convergência digital levando a que o usuário muitas vezes seja incapaz de distinguir entre uma biblioteca digital, um arquivo on-line, ou um museu virtual.
Devemos salientar que os grandes benefícios desta colaboração é não só o aumento da visibilidade destas instituições, ao mesmo tempo que estas instituições reduzirão custos pela adoção deste tipo de cooperação/colaboração, mas igualmente o cidadão que sairá beneficiado pelo mais fácil acesso à informação cultural. Na medida em que este mesmo cidadão passará a ver as vantagens da existência destas instituições pelo serviço que delas recolhe, virá a apoiar o aumento do orçamento a elas alocado.
Questões:
Entende-se os metadados como uma única forma de descrever a informação dos documentos, objetos e livros, ou outras experiencias permitem-nos colocar tal em causa?
Será que o abandono dos metadados (e substituição por texto) não permitirá ser-se mais produtivo no registo e identificação e consequentemente na disponibilização ao público de acervos?
Será que se irão esbater as fronteiras entre as instituições culturais pela proliferação de novas tecnologias como o catalisador da convergência digital entre bibliotecas, arquivos e museus?
O arquivista, o bibliotecário e o museólogo
Nesta transformação gradual do arquivista de «guarda» passivo do passado para mediador ativo da formação da sociedade sobre o seu passado, o próprio arquivo altera-se deixando de ser um armazém de factos/fontes históricas que esperam vir a ser descobertos, passando a ser um local destinado à formação da memória.
Nos últimos 30 anos, os métodos de trabalho e práticas na gestão da informação e de arquivo mudaram profundamente. O trabalho dos arquivistas e dos bibliotecários, e mesmos dos museólogos, tornou-se cada vez mais refém das novas tecnologias, ao ser computorizado. No entanto, os processos foram sendo progressivamente alterados porque se foram encontrando novas soluções, à medida que as tecnologias se iam, não só aperfeiçoando, como modificando-se. Assim, uma maior complexidade levou a que estas profissões obrigassem a novas competências para permitir a realização de novas funções.
No domínio dos arquivos, a normalização foi lançada por consultores, em que firmas vendedoras de soluções informáticas e projetos no domínio da governança informática proliferam por toda a parte, cobrindo soluções desde o registo dos documento, passando pelas plataformas de trocas de informação até às bases centralizadas, sem nos esquecermos dos projetos que pretendem arquivar os e-mail de empresas ou de organismos públicos bem como a catalogação de massas enormes de documentos nascidos já na forma digital. Estes projetos, que abrangem arquivistas, mas também bibliotecários ou museólogos, são complexos e necessitam da colaboração de peritos em diferentes campos, desde consultores das novas tecnologias, analistas em computação e peritos em software, peritos em direito, administrativos no lançamento de concursos públicos, etc. No entanto, sem a colaboração de arquivistas, bibliotecários e museólogos, aqueles projetos não se desenvolverão no sentido de virem a apoiar os aspetos culturais, e tornar-se-ão, simplesmente, numa panóplia de soluções de pura engenharia. Mas tal só será possível com um novo tipo de qualificação para aqueles.
Os rápidos avanços na tecnologia durante o século XXI terão um efeito profundo sobre a forma como as pessoas têm acesso e usam a informação. Museus, arquivos e bibliotecas precisarão de definir o seu papel na evolução da política da propriedade intelectual, da digitalização, da preservação e do acesso a conteúdos. As novas gerações de técnicos nas bibliotecas, nos museus e nos arquivos darão, se foram bem formados, um contributo essencial para o desenvolvimento destas instituições e para a adoção de novas práticas e políticas.
Lembramos que até há uns anos seria impensável ver anúncios de museus promovendo as suas novas coleções ou exposições temporárias. Não nos devemos admirar que arquivistas e bibliotecários o façam, mas para tal têm de repensar a forma como apresentam as suas coleções a um público cada vez mais variado e crítico.
Demoulin e Soyes, no DLM Forum Foundation Triennial Conference (2014), em Lisboa, apresentaram uma boa identificação dos estudos nestes domínios, da necessidade da sua evolução, e consequentemente, da necessidade de aquisição pelo arquivista de novas competências.
Questões:
Quais são as competências necessárias para os profissionais de museus, arquivos e bibliotecas, para terem sucesso na era da informação?
Quais serão os efeitos da terceirização de atividades, como, por exemplo, do crowdsourcing e da existência de cada vez mais programas de “open souce” para estas instituições?
De que forma estas instituições responderão à comunidade quando esta lhes começar a mostrar que existem para a servir e para responder às suas interrogações e interesses culturais?
Será que os processos e regras, bem como as normas, não deverão adaptar-se às novas condições de trabalho dos arquivistas e dos bibliotecários, e mesmos dos museólogos, dada o uso cada vez mais frequente das novas tecnologias?
Não será de refletir sobre o facto de os arquivistas não conseguirem apresentar a maioria dos documentos que têm em custódia on-line, quando os seus «irmãos» museólogos e bibliotecários os tem?
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Caro Ricardo,
Um enorme obrigado por este contributo para o debate. Já o li por alto e lerei ainda com mais atenção na preparação que farei. São realmente tempos de mudança os que enfrentamos.
Cumprimentos.
Se quiser o texto bem formatado ver: https://www.academia.edu/10651597/N%C3%B3tulas_sobre_as_novas_fun%C3%A7%C3%B5es_dos_arquivistas