Para descanso de consciência uma prévia declaração de interesses torna-se obrigatória. Trabalho na empresa Sistemas do Futuro e sou parte de uma equipa que trabalha, desde 1996, a desenvolver software (bom e testado em quase duas centenas de clientes) de gestão e documentação de património cultural (móvel, imóvel e imaterial) e natural que é a base de muitos dos repositórios digitais de colecções de museus e outras instituições que têm a seu cuidado a nossa herança patrimonial.
Posto isso, vamos ao que motivou o clique no adicionar mais um post aqui no Mouseion.
Hoje tive conhecimento da newsletter onde a empresa BOND, actual detentora do software Matriz e concorrente da Sistemas do Futuro, divulga a versão 3.0 do software desenvolvida em parceria com o extinto Instituto de Museus e Conservação, fruto de aquilo a que um responsável do referido instituto designou como uma parceria público-privada de sucesso e sem peso no erário público.
A determinado ponto deste documento é dito “As suas características absolutamente inovadoras – em termos conceptuais, tecnológicos e de operabilidade –, bem como o facto de ser o único sistema no seu género em Língua Portuguesa desenvolvido em conformidade com a Norma ISO 21127:2006, concorrem para que o Matriz 3.0 se constitua como um sistema de informação de vanguarda a nível nacional.” e esta informação peca por estar errada por duas ordens de razão: a primeira tem a ver com o facto de tal afirmação só poder ser verdade se houvesse alguma entidade que certificasse a utilização da referida norma por qualquer sistema de gestão e documentação de património e indicasse apenas o Matriz como único software certificado no mercado lusófono (caso não conheçam a norma, poderão consultar o site do CIDOC CRM onde se encontra toda a informação sobre aquela norma); a segunda, decorrente da primeira, tem a ver com o simples facto de haver no mercado pelo menos dois sistemas que seguem, ou dizem seguir, as orientações da referida norma: os desenvolvidos pela Sistemas do Futuro (que tem inclusivamente um dos seus colaboradores a desenvolver um projecto de doutoramento em museologia sobre aquela norma) e o Index Rerum (segundo podemos perceber no site sobre este software usado pelos museus da Universidade do Porto).
Em todo o caso é estranho que o software de referência do IMC, publicitado inclusivamente no próprio domínio do IMC, se diga o único que responde a uma norma que tem como princípio fundamental a interoperabilidade entre sistemas através da promoção de uma semântica comum e depois necessite de cobrar pela migração das bases de dados do IMC que usavam, pasme-se, uma versão anterior do mesmo sistema.
Não quero no entanto que me interpretem mal. O referido software estará em conformidade com a ISO21127:2006 se assim o afirmam. O que não podem afirmar é que os restantes não estão.
Em todo o caso estas questões poderiam (deveriam) ser evitadas se houvesse da parte da Rede Portuguesa de Museus* uma avaliação dos sistemas, semelhante à que a Canadian Heritage Information Network faz, usando uma lista de critérios que pudessem dar uma classificação objectiva a cada um dos sistemas e assim certificar a sua utilização e a sua compra pelos museus interessados.
* infelizmente ferida de morte com as últimas e incompreensíveis decisões sobre a excelente equipa, mas sobre isso falarei num outro post.