O título deste post retrata uma história que recordo sempre que o tema da fotografia dos museus vem à baila. É automático, sempre que alguém inicia uma conversa sobre o tema lembro-me sempre da zelosa funcionária do Convento de Cristo em Tomar que “circulava” entre algumas dezenas de visitantes no espaço da Charola sempre a dizer, num tom ameaçador: “No photo! No photo, please!”
Devo dizer que, de certa forma, compreendi a freima daquela senhora. Compreendi porque, tendo alguns conhecimentos de conservação preventiva e sabendo que as pinturas daquele espaço estavam a ser ou tinham sido restauradas, imaginei que as estritas regras em relação à fotografia naquele espaço se deviam a questões de conservação. No entanto, sempre achei que nesses casos (de difícil justificação, segundo alguns estudos), mais valia ter sintética apropriada que pudesse explicar, de forma resumida, os potenciais perigos para o património e fazer com que a funcionária interviesse apenas quando visse alguém a tentar tirar uma fotografia com flash (as sem flash não teriam problemas neste tipo de casos, imagino eu).
Há uns tempos atrás, o ICOM Portugal e a Acesso Cultura motivados pela publicação do despacho que publica a regulamentação para “Utilização de Imagens de Museus, Monumentos, e outros Imóveis afectos à Direcção-Geral do Património Cultural” e por diversas reflexões sobre o tema como a da Maria aqui e no Público (não tenho o link) ou sobre o mesmo tema em países como a França (que podem ser lidas aqui e aqui), decidiram levar o assunto a debate, organizando duas sessões simultâneas em Lisboa e Porto.
As conclusões (poucas devo dizer no caso do Porto) e questões abordadas (muitas devo dizer) no debate já foram entretanto publicadas pela Acesso Cultura e não pretendo com este post falar sobre o debate em si, mas antes deixar apenas a minha opinião sobre o tema, ainda que esta esteja “infectada” com as interessantes intervenções dos convidados.
Em primeiro lugar um ponto que é, na minha opinião, fundamental: quaisquer tipos de direitos (autoria, conexos, propriedade, etc.) devem ser sempre respeitados, sejam eles mais restritos, como me parece ser o caso da maior parte das instituições em Portugal, ou declaradamente abertos, como é o caso, quase sempre mencionado do Rijskmuseum, com a utilização de licenças Creative Commons (uma prática a seguir por cá, digo eu!).
Colocando esse ponto como premissa essencial subsistem outras questões. O que é a utilização comercial de uma fotografia? Implica que haja um proveito direto da sua utilização? O valor pedido em Portugal é exagerado? As regras de acesso são restritivas e demasiado burocráticas? Será que a utilização comercial das imagens das colecções e património edificado é, em si, um negócio rentável? Paga, pelo menos, os recursos que o trabalho de digitalização exige? Eu tenho uma opinião muito relutante sobre este ponto, julgo que não é, pelo menos o modelo de negócio actual, rentável ou capaz, pelo menos, de assegurar os custos com a digitalização do património. No entanto, não tenho uma ideia luminosa para resolver o “problema”! Este é um ponto que não deveria ser debatido (o debate previa apenas a utilização sem fins comerciais), mas foram vários os intervenientes a colocar este ponto em cima da mesa.
Por outro lado, e tendo em conta a discussão internacional sobre este assunto e a crescente disponibilização de imagens das colecções por parte de diversas instituições em “open access” (Getty, Rijksmuseum, etc.), em que ponto ficamos em relação à utilização das imagens das colecções e edifícios para uso privado? Ficamos confusos, a acreditar no que leio no despacho. Em primeiro lugar gostaria de perceber o que se entende por uso privado. Posso utilizar uma foto no “desktop” do meu computador? Posso usar essa foto para ilustrar um post meu aqui no Mouseion? Posso partilhar a foto nas redes sociais? E se lhe quiser colocar um comentário? Posso alterar e ainda assim utilizar essa imagem? A utilização, sem custos, mas ainda assim com autorização, apenas está prevista para os casos de trabalhos científicos e académicos, o que me parece ser um impedimento para a sua utilização, no entanto, alguns dos nossos museus/palácios têm as suas colecções (re)publicadas no Google Art (e bem) e a pergunta que se impõe é: o Google estará a infrigir as regras ao promover a partilha nas redes sociais daquelas imagens? Se partilhar via Art Project não preciso de pedir autorização?
São diversas questões que se levantam quando penso neste assunto e, como é óbvio, julgo que ninguém terá resposta pronta e eficiente para todas as questões, no entanto, e saltando uma questão importante que é a conservação dos bens culturais que me parece apenas uma questão de bom senso e não uma desculpa para proibir as fotografias, a maior questão que este tema levanta para mim relaciona-se com o controlo e avaliação da utilização das fotografias (uma tarefa quase impossível, segundo ouço dizer) de forma ilícita. Questão que se levanta para as políticas mais restritivas e para as mais abertas, mas que está facilitada, no meu entender, no segundo caso, dado que o controlo pode ser mais direccionado para meios que implicam maior qualidade das imagens.
Se eu tivesse a meu cargo a direcção de um museu faria tudo ao meu alcance para que a política de utilização de imagens das colecções e edifício desse museu fossem tão abertas quanto possível, tal como defende Nina Simon. Perderia certamente alguns euros, mas tenho a certeza que teria um retorno bem mais proveitoso na participação e envolvimento da comunidade no quotidiano do museu.
© imagem: Alexandre Matos (tive algum receio de utilizar imagens indevidamente 🙂 )
e tens a certeza que pediste autorização aos pais da criança para a utilização da imagem? 😉
agora a sério, isto faz-me lembrar a questão da “divulgação das coordenadas” dos sítios arqueológicos. é uma falsa questão. é virtualmente impossível controlar a circulação e divulgação de informação: se a NSA não o conseguiu, vão consegui-lo as instituições que tutelam o património cultural em portugal?! sabendo isto, não será melhor assumirem as próprias instituições um papel activo e interventivo no processo? quer a tutela ficar de fora ou ficar por dentro da partilha de informação nos museus?
tem-se sempre muito mais ganhos em abrir e partilhar do que em fechar e restringir. nós, que estudámos história, sabemos isso. os senhores do palácio da ajuda também deviam saber. ou será que não estudaram história…?
Acabei agora mesmo de reler o teu comentário (estava à procura de um link sobre as imagens) e ao que parece ainda vai valendo alguma coisa debater estes assuntos!