Há já algum tempo que a definição de museu de lá de casa está fixada. É o local onde o pai, ou melhor, para onde o pai trabalha. Além disso é o local onde vamos para aprender (ou pelo menos tentar), para nos divertir e para conhecer objectos e, através destes, a História, o nosso passado comum e, acima de tudo, pensar um pouco sobre os nossos dias.

Lá em casa, como imagino que em grande parte das casas por esse país fora, a definição de museu é algo que não é verdadeiramente importante. Perdoem-me os meus colegas de profissão, mas é assim que vemos as coisas. O que é realmente importante é o que são na realidade os museus que visitamos, as histórias que nos contam, a forma como nos fazem pensar em assuntos importantes, a ajuda que podem ser, para mim e para a prole, no desenvolvimento dos nossos conhecimento, espírito crítico e consciência social.

Japão

Sei, no entanto, que a definição de museu, tal como a definição de um outro termo qualquer, é importante em diversos casos, dos mais práticos, aos mais académicos, e merece a atenção de todos, em especial, dos que neles trabalham e a que a eles se dedicam de qualquer forma.

Uma nova definição e uma velha definição

o ICOM decidiu, na conferência trienal de 2016 em Milão, criar um grupo de trabalho para estudar e propor uma nova definição de museu. Deu-lhe um prazo de três anos, findos os quais seria levada uma definição nova a Kyoto, este ano, para ser votada em Assembleia Geral. O processo, liderado pela equipa de Jette Sandhall, foi aberto, inclusivo e teve o mérito de “ouvir” todos os que gostariam de propor uma nova definição. Foram feitos debates em quase todo o mundo, Portugal incluído, onde todos os que se interessavam pelo tema, poderam ser ouvidos e debater a necessidade, ou não, de mudar uma definição que carrega o peso da História e cuja necessidade de mudança, relembro, foi votada (se bem me lembro por grande maioria) favoravelmente em Milão.

A definição de museu (ainda actual) que se propunha substituir é:

O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.

A definição de museu proposta pela equipa de Jette Sandhall foi a seguinte (tradução da página do ICOM Portugal):

Os Museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detêm, em nome da sociedade, a custódia de artefactos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao património a todas as pessoas.

Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes; trabalham em parceria activa com e para comunidades diversas na recolha, conservação, investigação, interpretação, exposição e aprofundamento dos vários entendimentos do mundo, com o objectivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário.

Confrontados com esta proposta de definição, como seria de esperar, a discussão gerou-se. Desde a simples, talvez simplista demais, crítica a uma posição política/ideológica entrelaçada nas palavras da proposta, até às mais sectoriais, como a inexistência da palavra “educação”, chegando às mais processuais, onde se apontava a falta de tempo existente para a discussão desta nova proposta, foram muitos os críticos a este novo texto. E, pese embora a existência de apoio por parte de alguns comités à nova definição, era claro (bastava ter participado nas várias sessões em que o assunto se discutiu em Kyoto) que a proposta apresentada à votação não era consensual e que os comités (Nacionais e Internacionais) preferiam adiar a sua votação.

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Museu numa destilaria de Sake – Kyoto, Japão

Eu concordo, devo desde já dizer, com o adiamento da votação. Não porque ache que a proposta é “ideológica”, com alguma agenda escondida (certamente ingenuidade minha), ou não concorde com a visão expressa naquele texto sobre o que os museus devem perseguir, mas sim porque o acho mais do que uma definição de “museu” e, assim sendo, é importante (na discussão de uma definição) não esquecer a definição de “definição”:

de·fi·ni·ção
(latim definitio, -onis)
substantivo feminino

  1. Explicação clara e breve.
  2. Decisão em matéria duvidosa.
  3. [Retórica] Exposição dos diversos lados pelos quais se pode encarar um assunto.
    “definição”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/defini%C3%A7%C3%A3o [consultado em 13-09-2019].

Ora de forma clara e breve, não é assim que se descreve o que é um museu. Não arrisco dar aqui, porque acho que é um trabalho que deve ser feito em equipa, com base em leituras várias (que reconheço não ter feito e que mesmo que tivesse, não arriscaria numa interpretação a solo), a ouvir os profissionais, mas também quem nos visita e utiliza os nossos recursos (sejam eles investigadores, escolas, visitantes, políticos, etc.) de uma forma aberta, sem receios injustificados e com um processo tão inclusivo quanto possível.

Não me interpretem mal. Eu acho que o processo que o ICOM seguiu teve os seus méritos e as suas falhas, mas perguntem aos vossos filhos, aos vossos familiares, a amigos que não trabalhem em museus, ao senhor do pão e ao mecânico, quantos deles ouviram sequer que discutimos, nos últimos tempos, o que é a definição de museu? Sou capaz de apostar que poucos saberão, mas posso estar errado. Não seria interessante chamar a sociedade a esta discussão? Não teríamos aqui uma oportunidade para que nos olhassem com maior atenção? Uma atenção que poderia dar frutos no futuro, sabendo as pessoas o que é, na realidade, um museu?

Para alguns, bem sei, esta é uma discussão técnica. Não deve ser tida fora daqueles que conhecem o museu no seu âmago, as suas entranhas e a indiscutível necessidade da sua existência como instituições permanentes que têm como maior propósito levar aos seguintes, o que os anteriores nos deixaram. Entre esses, como é óbvio, também eu estou, mas não posso esquecer nunca que o que nos deixaram os nossos antepassados pode, aliás deve sempre, permitir que questionemos o nosso passado e presente e, desta forma, abrir horizontes para um futuro melhor. Não utilizar as colecções dos museus para nos questionarmos, é negar o que grande parte dessa enorme herança significa em termos da construção da sociedade ocidental, democrática e plural.

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Museu Nacional do Manga – Kyoto, Japão

Não arrisco, como disse atrás, uma nova definição, mas sei, com certeza, que museu quero para os mim e para os meus filhos. Quero um museu que me faça pensar, que me permita admirar, que me ajude a criar, que me faça chorar, que tenha locais para ler e conviver com amigos e família, que seja pro-activo e não reactivo, quero um museu aberto e inclusivo, quero um museu que me queira, que queira os meus e faça tudo o possível para os chamar a conhecer as colecções e a pensar com elas o passado e o presente.

Isto não tem nada a ver com a definição de museu. Tem a ver com aquilo que cada museu realmente é ou quer ser.