No início da pandemia, não sei bem se recordam, uma frase bonita cravou-se em desenhos de arco-íris feitos por crianças e que todos, inclusive lá por casa, colocamos na janela. Vai ficar tudo bem! era o que se dizia (e bem) numa altura em que fomos confrontados com uma situação de emergência dura e que obrigou a um confinamento duro e penoso, com consequências que ainda estamos por avaliar! Os museus, bem como muitas instituições na área da cultura, ficaram vazios e fechados, viram-se obrigados a mudar e procurar meios de estar com os seus públicos e de inovar, quase sem meios, para cumprir o seu propósito, no entanto, mesmo face a uma situação como a que vivemos nestes últimos anos, o que é que o sector utiliza ainda para avaliar os museus? Sim, adivinharam, o número de visitantes e o famigerado estudo da The Art Newspaper (que dá para jeito para fazer uma t-shirt catita com a frase “My museum have more visitors than yours!”) que tem ressonância por cá neste artigo do Expresso. Vai ficar… tudo na mesma! É o que é!

E porque acho que vai ficar… tudo na mesma!? É simples! Bater numa tecla que já era muito questionável antes da pandemia, e achar que podemos continuar, em pleno século XXI, a aferir a qualidade dos museus pelo número de visitantes, é parvo (desculpem mas não encontro termo mais simpático do que este). Eu sei que é uma forma simples, talvez a mais abrangente de o fazer. Não exige mais de nós, da comunidade de museus e dos seus profissionais, do que recolher os dados que nos pedem sobre a quantidade de visitantes que recebemos e para os jornais, sempre ávidos por mostrar estes números, é uma boa forma, como de resto são os “rankings” de forma geral, de ter uma notícia que obtém uma porrada de clicks e partilhas, sem questionar, por exemplo, porque é que não se encontram nestas listas museus que discutem temas pertinentes e actuais, como o racismo, as migrações, a descolonização, a equidade, a acessibilidade, ou, se preferirem, o papel dos que estão neste top 100 na discussão desses e de outros temas (a guerra seria um bom tema para se discutir, não só a da Ucrânia, mas todas), já que têm uma audiência tão vasta.

Vai ficar… tudo na mesma! É o que acho. Mantemos esta forma de avaliação, consequentemente de financiamento, e deixamos na penúria, porque não eram visitados em massa, um grande número de museus que cumprem um papel fundamental para a sua comunidade, com programação de proximidade, que funcionam como fóruns de partilha e discussão para muitas comunidades, que procuram aproximar gerações, que dão a conhecer o património local, que potenciam e suscitam a criatividade e a curiosidade, entre muitas outras actividades meritórias, porque continuamos, sem questionar seriamente o estado das coisas, a achar que o número de visitantes é que é.

E vai ficar… tudo na mesma… porque me parece que com a transformação digital que se prevê para os museus, passemos do número de visitantes (físico) para o número de clicks, interacções e partilhas, sem questionar também, o propósito e as formas como colocamos a informação das coleções, do património cultural online e de que forma podemos (e devemos) potenciar o esforço que os museus despendem nos processos de digitalização.

Podemos refletir, se quisermos, como dar a volta e usar este número a nosso favor, procurar perceber como estes estudos são feitos e o que privilegiam (as exposições temporárias, como nota bem o Luís Raposo no comentário ao Expresso) ou perceber o que motiva os acréscimos de visitantes (de que o José Soares Neves dá um bom exemplo com a pirâmide do Louvre também ao expresso) e intervir nesse sentido, entrando como o fizemos várias vezes, no percurso das grandes exposições internacionais ou construindo museus icónicos. Mas não seria melhor, mais eficiente para a maioria dos museus (mesmo estes do actual top 100), procurar novos modelos de avaliação, novos modelos de “rankings”, uma refundação da forma como nos vemos, como nos questionamos, pensar criticamente como queremos verdadeiramente ser avaliados e financiados (ou dar conta do financiamento que temos) para um novo século?

Ou vai ficar… tudo na mesma?