Sou um adepto confesso da Rede (Portuguesa de Museus) desde o seu início no longínquo ano de 2000. A ideia, que ainda vi discutida por dentro quando trabalhei no Museu de Aveiro, seria a de criar uma rede colaborativa de museus, uma rede de entreajuda, de participação e de trabalho entre museus de diversas tutelas, tipologias e dimensão que a ela quisessem aderir de forma voluntária. Uma ideia que só foi concretizada pelo importantíssimo contributo e trabalho da Clara Frayão Camacho, a quem não me canso de agradecer, e da sua equipa.
A RPM teve, ao longo destes 24 anos, altos e baixos, períodos de pujança e acerto, constratantes com outros de enfraquecimento, debilidade e desnorte. É a normal vida das instituições, bem sei. Mas, na minha opinião, esta volatilidade está diretamente ligada com o modelo de gestão que se criou para a RPM depois de um período inicial de atividade fulgurante, encaixando-a como um departamento/serviço dentro da mega estrutura centralizada da DGPC e não como um organismo autónomo do poder central que pudesse ter um papel mais ativo e livre daquilo que são as amarras das crises e das vontades políticas de ocasião.
Por isso, fiquei muito contente quando recebi o convite1 da RPM para estar presente no Encontro Anual da Rede Portuguesa de Museus (que se realizou no passado 21 de Março no Museu Marítimo de Ílhavo) deste ano e percebi que o tema seria esse mesmo: um novo modelo de gestão para a RPM. É uma discussão necessária e importante que reflecte já o que se esperava (ou eu esperava) de uma estrutura como a que foi criada para a tutela dos museus, a Museus e Monumentos de Portugal.
Este novo modelo e visão estratégica é fruto do trabalho do Grupo de Trabalho sobre a RPM criado pelo Despacho n.º 14658/2022 – Diário da República, 2ª Série, de 26 de Dezembro de 2022 (uma boa prenda de Natal, diria eu) que está expresso no Relatório Rede Portuguesa de Museus 2023 que pode ser consultado online.
Neste documento é apresentada a metodologia seguida pelo grupo, uma breve contextualização da RPM à data, os contributos dos museus da RPM para o futuro, a nova visão estratégica, o novo modelo de gestão preconizado (mais descentralizado e com repartição de competências e responsabilidades e, por fim, um conjunto de recomendações práticas que permitirão, na visão dos elementos do grupo, concretizar a mudança há muito esperada na RPM. Do modelo é importante destacar os três elementos preconizados para concretizar a gestão da RPM:
Assim, vem o GT/RPM propor o novo modelo de gestão para a RPM:
a) Órgão responsável pela execução da política museológica nacional – credenciação, formação, financiamento, comunicação, apoio técnico e monitorização;
b) Grupo Dinamizador da RPM – cooperação, qualificação, participação e otimização de recursos;
c) Núcleos de Apoio – regionais e temáticos – funções museológicas.
Relatório do Grupo de Trabalho sobre a Rede Portuguesa de Museus – 2023
Um modelo assente numa estrutura central, com responsabilidade nas questões de credenciação, formação financiamento, comunicação, apoio e monitorização, bem como com a execução da política museológica nacional (que é preciso pensar e deixar escrita por cada governo), um grupo que terá uma maior proximidade aos museus nas tarefas de cooperação, qualificação, participação e optimização de recursos e, por fim, um elemento já consagrado na Lei, há muito esperado, que reflecte a preocupação com a descentralização e com a atenção e proximidade que é devida a museus fora da grande urbe.
A este modelo junta-se um bem vindo convite à participação dos museus da RPM com a eleição de 3 representantes seus (de museus com diferentes tutelas) para, em cooperação com a RPM e com o seu grupo dinamizador. Uma forma de dar a palavra aos museus e aos seus representantes que me parece simples e bem conseguida. Julgo que assim se conseguirá dar uma voz mais activa aos museus e às suas tutelas na evolução das políticas para o sector. Bem a RPM e o GT neste ponto particular.
Nas medidas expressas nas recomendações do GT, divididas em 3 eixos – Transversalidade, Comunicação e Participação – e no novo modelo de funcionamento da RPM, gostaria de destacar uma medida que me parece interessante (e necessária) para cada eixo.
Transversalidade
Potenciar a articulação com outras áreas ministeriais que possibilitem fortalecer o posicionamento dos Museus no desenvolvimento do País.
Articular museus com educação, ciência, turismo e outras áreas é fazer desenvolver os museus e contribuir para áreas onde podemos e devemos ser imprescindíveis. O papel social dos museus deve sempre ser primordial no desenvolvimento da política museológica nacional.
Comunicação
Disponibilização do inventário online dos museus RPM, com destaque para os elementos de património móvel classificado como tesouro nacional neles existentes.
Esta era a escolha óbvia para quem me conhece. Aqui muito haverá a dizer e a preparar, mas é importante, caso se concretize, que isto não se mantenha assente numa política errada, que tem sido seguida há décadas, em torno da criação de um sistema centralizado de inventário para os museus nacionais que depois se quer impor aos outros museus da RPM (uma nota importante para dizer relembrar e declarar o meu interesse enquanto trabalhador numa empresa que disponibiliza sistemas concorrentes ao dos museus nacionais).
É importante sim ter publicado o inventário online dos museus da RPM, até para potenciar a participação em redes e projectos internacionais (a Europeana e a Brasiliana seriam bons exemplos para potenciar o acesso às nossas colecções). Mas para o fazer não devemos centrar a nossa política na criação de um sistema (despendendo recursos altos), sem cuidar de outras coisas mais importantes como as normas, os sistemas de intercâmbio de informação, as ligações necessárias entre outras áreas do MC como as Bibliotecas e os Arquivos e, uma falha considerável nos nossos sistemas de descrição, sem investir largamente na criação/tradução de tesauros que auxiliem a descrição, recuperação e acesso às colecções online dos museus portugueses (e assim ajudavam-se também outras instituições, como a Igreja ou as Universidades, a realizar esta tarefa). Este é um ponto em que muito mais haveria a dizer, mas deixarei para um outro texto.
Participação
Criação de estrutura de apoio à captação de financiamentos nacionais e internacionais, públicos e privados, mecenato, identificação de parceiros, instrução e gestão de processos.
Este é um dos pontos onde eu acho que nunca fomos muito bons. A captação de recursos é vital para os museus. Por mecenato, projetos e financiamentos nacionais, europeus ou internacionais, por parcerias, pelos meios novos que se possam encontrar, é fundamental que os museus portugueses procurem outras fontes de financiamento para além das suas tutelas ou de apoios pontuais. A criação de uma estrutura na RPM que possa se dedicar exclusivamente a isto, como de resto já vimos acontecer em algumas universidades, por exemplo, é uma boa recomendação e espero que se torne, em breve, numa boa notícia. Esta recomendação poderia potenciar a colaboração entre museus para o desenvolvimento de projectos comuns como o estudo de colecções, organização de reservas, conservação e restauro, digitalização, etc.
Novo Modelo de Funcionamento
Criação do “Observatório de Museus”.
Uma recomenação óbvia, mas ainda assim muito esquecida, que alerta para a necessidade da existência de dados sobre os museus portugueses que possam informar as políticas a seguir para o seu desenvolvimento.
O encontro em Ílhavo ainda me permitiu conhecer melhor o excelente trabalho do CISOC (um grande abraço à Clara Frayão Camacho por mais este contributo), as excelentes ferramentas que o Ibermuseos tem para a avaliação da acessibilidade e sustentabilidade dos museus (Ferramenta de Autodiagnóstico de Acessibilidade e o Guia de Autoavaliação de Sustentabilidade de Museus) e o excelente trabalho desenvolvido pela Esmeralda Paupério (FEUP) na gestão de riscos (que já conhecia, mas deu para rever a matéria dada).
O único momento do encontro que me desiludiu foi a apresentação do Matriz2, desculpem do Raíz, o sistema que sustituirá o existente (sobre o qual já me pronunciei um pouco acima). Uma apresentação pela qual todos esperavam, mas que se revelou curta e que concretiza, uma vez mais, um percurso que é errado e sem lógica em 2024.
Por último, resta-me desejar à RPM uma vida longa e que as recomendações do GT possam ser seguidas. Sei que o trabalho da Fátima Roque, da Dália Paulo, da Rita Jerónimo, da Isabel Pinto, do Álvaro Brito Moreira e do Manuel Pizarro foi de excelência (o relatório assim o demonstra), espero que a nova Ministra da Cultura, uma mulher dos museus, o possa executar na sua plenitude (ou na maioria pelo menos).
O vídeo do encontro está disponível no Youtube.
Um agradecimento pela “leitura” atenta e pela análise crítica, que é sempre bem-vinda e construtiva.
Nada que agradecer Fátima. Que o futuro ajude a concretizar a RPM!