Coloco o afastada entre aspas, porque confesso desconhecer os motivos do afastamento e porque nestas coisas das parangonas, os jornais tendem a cair numa completa falta de bom senso, mas no entanto a notícia é veiculada, mais ou menos, nestes termos no principal semanário português. Ver a edição online.
Em todo o caso foi com grande surpresa que recebi esta notícia. A Dr.ª Dalila Rodrigues, que não tenho o privilégio de conhecer pessoalmente, sempre me pareceu uma pessoa empreendedora. Recordo que pouco tempo depois de ter sido nomeada para directora do Museu Nacional de Arte Antiga teve a coragem de acolher uma rave numa instituição que é, tendencialmente, conservadora e muito fechada sobre si própria, ao contrário do que convém a um museu que se quer (eu pelo menos queria) ao nível dos grandes museus europeus e, porque não, mundiais.
Pelo que li no Expresso a ex-directora do MNAA por discordâncias em relação ao funcionamento do IMC (Instituto de Museus e Conservação) e por ter colocado condições para a sua continuação no cargo que se prendiam com a autonomia financeira do MNAA e pela articulação directa do Museu com o gabinete da Ministra da Cultura. Seria algo parecido com as condições que o Sr. Berardo impos para colocar a colecção no CCB? Não estão agora as Universidades e Faculdades autorizadas pelo Ministro da Ciência e Ensino Superior a constituir fundações para serem responsáveis pela própria gestão? Porque não aplicar o príncipio aos museus (não a todos, claro)? Mas se o governo acha que é uma boa política para as universidades, porque é que recusa a sua discussão no caso dos museus?
Uma vez mais digo que desconheço em profundidade este assunto e por isso não pensem nisto como uma posição definitiva. Até pode ser que amanhã, com mais informação, venha a contradizer algo que aqui escrevo… mas para isso virá o amanhã.
2 Agosto 2007
Quem se mete com o PS, leva?
Foi esta a sugestão, citando o famoso ‘homem do aparelho’ Jorge Coelho, feita por uma deputada do Bloco de Esquerda na Comissão de Educação do Parlamento, aquando da audição da ministra da educação, sobe o ‘caso Charrua’, o professor afastado por alegadamente ter dito uma piada de mau gosto sobre o Presidente do Conselho…
Agora o governo veio demitir aquela que é na Cultura o equivalente de Maria José Morgado na Justiça: Dalila Rodrigues, directora do Museu de Arte Antiga.
Da mesma forma que as acusações subiram em flecha e os arquivamentos desceram — num claro aumento de eficiência processual em sectores conhecidos como largamente corruptos — com Morgado, com Dalila Rodrigues o MNAA mais que duplicou o número de visitantes e deu um forte empurrão às receitas do museu.
Como refere o Expresso, ‘Depois de ontem à tarde a directora do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Dalila Rodrigues, ter inaugurado com êxito a exposição “Tapetes em Portugal”, a tutela chamou-a hoje de manhã para lhe comunicar que não seria convidada para nova comissão de serviço. “Sinto-me ofendida”, disse ao Expresso Dalila Rodrigues. “Este é simplesmente o afastamento de uma pessoa que expressou livremente o seu pensamento”, continua. A ex-directora do MNAA foi a primeira e única a discordar abertamente do actual modelo de gestão dos museus nacionais, para os quais defendia uma autonomia financeira. “O meu contributo era no plano das ideias e sinto-me tristíssima que neste país já ninguém possa expressar a sua opinião. De repente tornei-me incómoda”.
[…] A única razão invocada por Bairrão Oleiro para a não continuidade de Dalila Rodrigues à frente do MNAA foi a sua posição face ao modelo de gestão.
[…] A ex-directora do MNAA não deixa de levantar a mesma critica à tutela e acusa o Ministério da Cultura de uma “total incapacidade para encontrar um modelo de gestão adequado”.
Durante a sua gestão, iniciada em Setembro de 2004, o Museu Nacional de Arte Antiga duplicou o número de visitantes. Em 2003 passaram pelo museu das Janelas Verdes 71.973, em 2006 os visitantes foram 192.452. Pela mesma ordem de comparação, antes e depois da sua direcção, as receitas da instituição passaram de 250 mil euros, em 2003, para um milhão e 109 mil euros, em 2006.
“Os resultados são estes. Estão à vista de todos. Apesar de, para o dr. Oleiro, o meu tenha sido um bom trabalho de divulgação. Até dos tectos todos a cair e actualmente completamente restaurados se esqueceu”, adianta ainda e vai mais longe: “Em finais de Março deste ano, quando Paolo Pinamonti foi afastado do S. Carlos, alguém me avisou que a próxima a ser convidada a sair seria eu, não quis acreditar. Mas, de facto, ambos tínhamos discordado da tutela”, comenta ainda Dalila Rodrigues, que, já em casa, passou todo o dia de hoje a receber telefonemas de anónimos e amigos do museu que lhe quiseram manifestar todo o apoio. A onda de solidariedade pode mesmo vir a ser semelhante à que juntou várias individualidades em defesa do ex-director artístico do S. Carlos.
O Ministério da Cultura não comenta a decisão. Entretanto, já fez saber que em substituição de Dalila Rodrigues, cuja comissão de serviço terminaria em Novembro, dirigirá o MNAA Paulo Henriques, transitando do Museu do Azulejo’.
O DN, por sua vez, refere que ‘A historiadora é reconhecida, pelo meio artístico e cultural, como grande dinamizadora do mais importante dos museus portugueses. Organizou grandes exposições e eventos, como “De Fra Angelico a Bonnard- Colecção Rau” e as famosas festas da Noite dos Museus. Fez subir o número de visitantes de uma média de 75 mil para 192 mil (em 2006). E captou mecenato para actividades e obras de remodelação.
[…]
“Face à discordância profunda que Dalila Rodrigues manifestou em relação ao modelo de gestão, e como a nova lei orgânica [do IMC] não contempla as condições que colocou para ficar – autonomia financeira e dependência directa da ministra -, entendi que não se justificava propor nova comissão de serviço”, argumenta.
Dalila Rodrigues mostra-se ainda “indignada” por ter tido este ano apenas 360 mil dos 500 mil euros de mecenato que “angariou” junto do Millennium bcp. Bairrão Oleiro responde que o acordo foi discutido antes da chegada da directora do MNAA, que há 600 mil euros/ano para repartir, até 2008, com o Museu Soares dos Reis, e que “não há qualquer compromisso de afectação” de verbas.
O futuro director do MNAA, Paulo Henriques, considera “prematuro” avançar eixos programáticos sem ter “a percepção do terreno”. Aceitou o cargo por ser “estimulante”, mas escusa-se a comentar o afastamento de Dalila Rodrigues’.
Ou seja, nomeou-se um director que estava a desenvolver trabalho noutro museu [suponho que bem], de forma inopinada, sendo pelas suas declarações claro que não sabe o que vai fazer e qual a situação do MNAA, a mais importante galeria de arte em Portugal.
No SOL, lê-se ‘Dalila Rodrigues, acerca do seu afastamento, lembra um episódio recente: «Quando o Pinamonti foi demitido, a Clara Ferreira Alves, no Eixo do Mal, disse: ‘Só falta agora a Dalila Rodrigues ser demitida do Museu de Arte Antiga, porque trabalha, tem ideias e apresenta resultados’»’.
Lorenzetti recorda a nomeação de Dalila Rodrigues, em 30.9.2oo4:
‘A Ministra da Cultura nomeou a Doutora Dalila Rodrigues para Directora do Museu Nacional de Arte Antiga, em despacho assinado ontem. A Doutora Dalila Rodrigues substitui o Dr. José Luís Porfírio, que abandona o cargo por motivo de aposentação.
Dalila Rodrigues é directora do Museu Grão Vasco, desde Março de 2001, e Professora Coordenadora do Instituto Superior Politécnico de Viseu. Doutorada em História de Arte pela Universidade de Coimbra e investigadora especializada em História de Pintura Portuguesa, tem desenvolvido uma longa actividade docente e participado em diversos projectos de investigação, alguns deles nos EUA, com o apoio da Comissão Luso-Americana, e na Índia, com o apoio da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.
José Luís Porfírio dedicou mais de 30 anos ao Museu Nacional de Arte Antiga, onde exerceu a função de Conservador, antes de assumir a Direcção. Em reconhecimento do seu profissionalismo na salvaguarda e divulgação do património cultural português, assim como da sua elevada dedicação ao serviço público, a Ministra da Cultura deliberou atribuir-lhe a Medalha de Mérito Cultural. José Luís Porfírio foi nomeado Director do MNAA em Fevereiro de 1996, cargo que exerce até ao dia 30 de Setembro de 2004’.
Aquela que tem sido considerada como a mais competente e mediática [rara combinação] directora de museu em Portugal — e sei-o pela relação de patrocínio que tenho com o Museu, e nenhuma relação pessoal com Dalila Rodrigues — não só não recebe tal medalha, como é afastada do cargo.
Assim acontece a quem ousa ser competente neste país à beira-mar plantado.
Continuamos a ter elites políticas saloias, de secretaria, que afastam quem tem indiscutível qualidade. Apenas por ter uma opinião diversa quanto à gestão financeira do museu — opinião essa válida em museus de referência, sendo o Prado, aqui bem ao lado, um caso de sucesso — a directora do MNAA é afastada.
Não insultou, sequer, o primeiro-ministro. Nem criticou a tutela. Limita-se a ter um opinião diversa.
Mais claro não podia ser: estamos perante um caso de delito de opinião, bem mais evidente que os que andam a discutir-se um pouco por todo o país.
Mais do que a liberdade de expressão e sobretudo de pensamento, está em causa o futuro do nosso património cultural. Que uma vez perdido, nem com revoluções se recupera.
http://lorenzetti.blogspot.com/2007/08/quem-se-mete-com-o-ps-leva.html#links
Lorenzetti
http://lorenzetti.blogspot.com
dar opinioes tem um preço…
Lorenzetti… confesso que ainda não li tudo, mas aprovei o seu comentário para que a coisa possa ser discutida aqui.
R.filgueira… 🙂 Ainda quero acreditar que a posso dar de graça… agora o que fazem com ela 🙂
Muito obrigado. Pelo menos ‘aqui’ podemos trocar opiniões e nao nos exige’solidariedade política’. Perdão… institucional! 🙂
Aproveito para o saudar pelo blog. Num país onde os museus são tomados por muitas das «pessoas’ como uma ‘bela seca’ ou ‘coisas para os ricos gastarem dinheiro’, o New Mouseion é uma lufada de ar fresco. E como precisamos dela!