Há uma promessa que é sagrada nas diversas campanhas eleitorais desde que comecei a trabalhar em museus: 1% para a Cultura. Ora, a bem dizer, eu já comecei a trabalhar em museus, na área da cultura, no século passado, corria o belo ano de 1996. Vai daí, se a matemática não me falha, pelo menos há 26 anos que temos alguém a prometer 1% para a Cultura!
A despesa em Cultura em percentagem do PIB é continuadamente baixa, mesmo contando com o investimento em Cultura feito noutras esferas, como as Câmaras Municipais, aquilo que o Estado, ou seja todos nós, investimos em Cultura, está longe de ser o desejável num país onde os partidos todos apresentam frases pomposas sobre a nossa cultura como:
“Porque a cultura deve ser inclusiva, abrangente e envolvente, promoveremos políticas públicas orien- tadas para a acessibilidade e participação alarga- da de públicos e a sua ligação às instituições, às obras e aos criadores.”
Programa eleitoral do PS
“A cultura foi um dos setores mais afetados pela pandemia, com as medidas sanitárias a impedirem ou condicionarem fortemente ati- vidades ao longo do tempo.”
Programa eleitoral do BE
“A Cultura é um pilar da democracia. Exige uma política de forte responsabilidade e capacidade de acção pública. Requer a existência de um Ministério da Cultura digno desse nome, invertendo e rectificando a linha de esvaziamento e desresponsabilização da Administração Central.”
Programa eleitoral do PCP
“Entendemos a cultura na sua dimensão integradora, capaz de superar a divisão entre produtores e consumidores e de transbordar para além dos acanhados limites sociais das elites, como são elementos essenciais ao Homem para a compreensão do Outro (da riqueza da diversidade) e do Mundo”
Programa eleitoral do PSD
“Respeitar o nosso património. Reabilitar e conservar os edifícios de interesse nacional.”
Programa eleitoral do CDS
“A iniciativa liberal defende que a cultura faz parte de uma sociedade saudável, e que a preservação do património comum, a exploração de identidades comunitárias, e a criação artísticas têm de fazer parte da vida de pessoas livres.”
Programa eleitoral da Iniciativa liberal
“Para o PAN, Arte, Cultura e Educação são conceitos que não se devem separar, uma vez que ligam o mundo ideal ao real, mudando deste modo a nossa percepção sobre nós próprios e o que nos rodeia.”
Programa eleitoral do PAN
Sei bem que há outros sectores que têm maior prioridade na distribuição da nossa riqueza. A educação, a saúde, a área social, por exemplo, precisam cada vez mais da nossa atenção e de um forte investimento, quando percebemos, por causa desta pandemia, quão frágil pode ser o nosso sistema de saúde se necessitar de direcionar uma quantidade significativa de recursos para um só problema, quando percebemos os escassos recursos que temos nas escolas para garantir um acesso continuado e eficiente aos mais desprotegidos e a quantidade de pessoas afetadas, de uma ou outra forma, pelo resultado dos confinamentos necessários para evitar males maiores.
No entanto, a Cultura podia, devia, em minha opinião, ser um dos eixos estruturais de uma política para o futuro, de longo prazo, juntamente com a educação, a ciência e o meio ambiente. Para o ser, a visão dos partidos sobre ela precisa de ser mais abrangente. Temos que a deixar de enquadrar esta área como um sector individualizado e olhar para ela, sem pudores, como um eixo de desenvolvimento económico, social e científico que permita melhorar as condições de vida das pessoas através do seu próprio desenvolvimento e, consequentemente, do desenvolvimento do país.
Investir nestas áreas é garantir o futuro das gerações que nos seguem e o futuro do País. Alicerçar o futuro na educação, na ciência, no meio ambiente juntamente com a cultura representa uma mudança necessária e urgente, mas desconfio que ninguém a queira fazer. Não conseguimos cumprir ou fazer cumprir uma promessa antiga e mantemos este 1% para a Cultura como uma miragem que, pelo menos a mim, me parece inatingível nos próximos anos.
Enquanto não o fizermos os museus (e não só) definham.
Não há qualquer autonomia real na sua gestão, precisando sempre do apoio dos seus grupos de amigos e de autorizações estapafúrdias da Ajuda (que nome apropriado para a alojar o MC) para a compra do essencial. Não temos como definir planos estratégicos para o desenvolvimento do trabalho nos museus com as suas coleções e com os públicos. Não há trabalho em rede, porque aquilo que foi para a minha geração um farol de esperança, a Rede Portuguesa de Museus, hoje em dia é uma inexistência, desconsiderada até no programa do PS (e em grande parte dos outros partidos), que merecia uma atenção de todos nós para uma refundação mais participativa e ativa. Enquanto mantivermos o estado atual da situação, mantemos os museus a operar com equipas envelhecidas, sem rejuvenescimento, sem a passagem de testemunho essencial para o conhecimento sobre as coleções e a instituição, sem novas competências essenciais para enfrentar os desafios tecnológicos que agora se apresentam. Enquanto assim estivermos manteremos não só os museus, mas as bibliotecas, os arquivos, os teatros, as companhias de dança, as indústrias culturais, todo um sector refém de migalhas e incapacitado de procurar, pelos próprios meios, o financiamento necessário para o seu desenvolvimento. A revisão de uma lei de mecenato capaz e adaptada à nossa realidade é também outra das promessas continuadamente adiadas.
Nestas eleições, pela primeira vez em muito tempo, estou desiludido e sem vontade de votar em nenhum dos senhores do 1% para a Cultura. Dei-lhes, demos-lhes, todas as oportunidades de cumprir a promessa e não o fizeram. Irei votar, como sempre, mas pela primeira vez desde 1990, votarei sem qualquer convicção a não ser a de cumprir um direito que me foi entregue pelos que me antecederam e que não devo negligenciar.