A decisão de escolher um sistema de gestão de colecções (SGC) para um museu é, na minha opinião, um momento de enorme importância para instituições desta natureza pelas implicações que o investimento necessário nesta área acarreta.
Imaginem que um museu qualquer consegue colocar no seu orçamento a verba necessária para a aquisição (uma situação difícil para os museus portugueses nos dias que correm) de um SGC. A partir desse momento acontece normalmente o seguinte: a) o museu (se for um museu de tutela pública) abre um concurso e as empresas concorrentes apresentam as suas melhores propostas, ganhando normalmente a que melhor preço apresenta; b) o museu não está obrigado às regras públicas de contratação e escolhe o SGC por concurso, convite, pesquisa de mercado, etc. de acordo com o que entende ser a ferramenta mais apropriada às suas necessidades; c) escolhe uma empresa que desenvolva um SGC específico e paga a sua criação. Esta última opção, embora ainda existente tal como a opção de desenvolvimento interno com base em recursos próprios da instituição, vai sendo, felizmente, mais rara.
Se reflectirmos um pouco sobre o assunto, percebemos que este é um processo que se centra na premissa, errada no meu ponto de vista, de que os SGC são per si a solução (milagrosa) para essa tarefa primária e fundamental, commumente deixada para segundo plano, do inventário e gestão das colecções museológicas. Ou seja, o museu compra um SGC e tudo fica resolvido no que diz respeito ao aproveitamento do enorme potencial do património guardado nos museus.
O que nos coloca de novo no momento em que o museu tem, finalmente!, cabimento no orçamento para adquirir a ferramenta e é deveria confrontar-se com aquela que eu considero a questão fundamental no processo: o que o museu pretende alcançar com o inventário, documentação ou gestão das suas colecções? Ou, para ser mais explícito, quais os objectivos do projecto de documentação, que recursos (logísticos, financeiros e humanos) a instituição dispõe para o projecto a médio e longo prazo, quais os prazos necessários e possíveis para atingir esses objectivos, para que fins (educação, informação, acessibilidade, conservação, etc.) servirá o trabalho de documentação e gestão das colecções. A escolha do SGC deve ser feita após o museu conseguir responder a estas e outras questões.
Não quero com isto dizer que não haja museus em Portugal não pensam sobre estas questões. Há alguns que o fazem. Serralves, por exemplo, preparou a escolha do seu SGC com base no Collections Management Software Review – Criteria Checklist da CHIN (Canadian Information Heritage Network) e os responsáveis do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra falaram sobre os fundamentos da sua escolha num artigo publicado (página 1589) nas actas do Congresso Luso-Brasileiro da História das Ciências. Haverá certamente outros exemplos, no entanto, julgo não estar a ser injusto ao afirmar que esta reflexão (e a prática consequente) não é comum nos museus portugueses.
Poderia estar aqui a elencar, baseado no conhecimento que vou tendo da realidade portuguesa nesta área, algumas das causas desta questão, no entanto, prefiro apontar o caminho trilhado pelo Council of Museums and Galleries de Edinburgh, no processo de substituição do seu SGC antigo, no qual recorreu a um inquérito feito através da internet, dirigido a profissionais de museus e instituições museológicas, cujos relatório final está agora disponível on-line. Um verdadeiro “must read” para quem está neste momento no processo de escolha.
Na leitura deste relatório é imprescindível o ponto 5 (sem excluir qualquer dos pontos dele dependentes), onde se aborda a importância do SPECTRUM e das normas, tal como se refere por diversas vezes a necessidade do controlo terminológico, e os pontos chave referidos na conclusão do relatório obtidos com este estudo preparatório:
Escala da operação – definição de objectivos a médio e longo prazo, projectando no futuro o que poderá trazer a utilização de um SGC;
Sustentabilidade – prever a realização a longo prazo de um projecto desta natureza, tendo em conta os recursos que o mesmo acarreta em termos financeiros, logísticos e humanos;
Trabalho prévio do museu é essencial – a preparação do museu e da sua equipa para iniciar um projecto de inventário, documentação e gestão das colecções é fundamental. Seja na revisão da informação, na sua importação para um novo sistema, na forma como o sistema será usado, na escolha das funcionalidades necessárias ou na capacitação e motivação necessária em todas as áreas do museu em que o SGC venha a ser utilizado.
É um trabalho e uma abordagem interessante perante esta matéria, não vos parece? Acham ainda que se pode escolher um SGC com base apenas no seu preço? Fica aqui aberta a questão…
© imagem: daqui.
Excelente artículo, Alexandre. Sus criterios son muy claros. De hecho, si lo permites, utilizaré este texto como referencia en mis próximos talleres virtuales sobre Registro y Catalogación de colecciones con el Instituto Latinoamericano de Museos ILAM, dándote el crédito respectivo por tu autoría.
Un saludo cordial,
Fernando Almarza Rísquez
Fernando,
Eu é que agradeço os elogios ao artigo. Claro que o pode usar na formação… diga-me depois quais as opiniões sobre o artigo da parte dos seus alunos.