No meu dicionário a definição de cidade foi corrigida desde que aterrei em S. Paulo. A cidade é enorme, gigante mesmo. Uma escala que sai do que nos habituamos aqui em Portugal, mas que é compreensível, porque na realidade o Brasil é mais continente do que país e só a grande S. Paulo tem 17 milhões de habitantes, ou seja, mais 7 milhões do que esta velhinha nação europeia. Como todas as cidades grandes tem problemas à sua escala que nos são passados assim que contamos a algum amigo que vamos de viagem para lá, no entanto, e estando ciente desses problemas, garanto-vos que vale muito a pena conhecer São Paulo, muito mesmo!

Eu costumo dizer aos amigos que tenho sorte quando viajo. À excepção de uma estadia meio esquisita em Ceuta, sempre que viajei tive a oportunidade de conhecer locais e pessoas fabulosos. São Paulo não foi excepção. Não é uma cidade como o Rio de Janeiro, com uma beleza natural que nos faz acreditar em Deus, ou uma cidade como Londres, mais organizada, segura e de carácter europeu (com tudo de bom e mau que isso acarreta), mas é uma cidade cosmopolita, com vários pontos de interesse turístico (consegui ir a 4 museus, já lá vamos), com uma vida cultural muito interessante e carregada, sorte minha talvez, com gente do mais simpático e hospitaleiro que existe. Sim, meus caros, o paulista é simpático e sabe acolher!

São Paulo é um espelho enorme do que é actualmente o Brasil. Uma cidade cheia de potencial, em pleno desenvolvimento, com tudo para dar certo, e com tudo para dar errado também, com charme e com miséria, com alegria e com tristeza, com riqueza e pobreza, em que se acredita fielmente ou se condena à partida. O vídeo que encontrei noutro dia no Público retrata bem essa situação, aliás a série de reportagens que o Público tem vindo a publicar é um excelente trabalho de jornalismo, na minha opinião, e consegue reflectir bem o Brasil actual. O país onde a expressão mais usada é “se é assim agora, imagina na copa!” que reflecte a enorme preocupação do seu povo com o actual estado da sociedade e do Estado, reflectida num conjunto de manifestações de que temos conhecimento pelas notícias.

Eu estive lá a trabalho, tal como muitas das pessoas que vão lá. São Paulo é uma cidade de trabalho, como nos dizem diferentes taxistas (um meio de transporte usual e, da minha experiência, muito seguro ao contrário do que me pareceu no Rio de Janeiro quando lá estive) e como transparece da azáfama da cidade e das pessoas no dia a dia, no entanto, não faltam motivos para a visitarmos sem ser a trabalho. Museus, parques, centros culturais, locais de compras, o Mercadão, a Livraria Cultura (meu Deus, a livraria Cultura), restaurantes (pizzarias e churrascarias aos montes), padarias (portuguesas como manda a boa tradição), animação nocturna (que não aproveitei como devia), entre muitas outras coisas que não temos tempo de explorar em apenas uma semana.

Como seria de esperar centrei-me mais nos museus. Levava na lista de indispensáveis a Pinacoteca do Estado de S. Paulo e o Museu da Língua Portuguesa, duas referências e dois desejos antigos para visitar com alguma calma, mas consegui visitar ainda a exposição do David Bowie (sim a que é organizada pelo V&A) que está no Museu da Imagem e do Som e tive a oportunidade de ir à inauguração de uma exposição no Museu AfroBrasil (só deu para conhecer a belíssima arquitectura e as salas onde estava a exposição) que fica no não menos belo Parque do Ibirapuera (aqui e aqui informações sobre o Parque). Uma das coisas engraçadas que aprendi com paulistas meus amigos é que os museus são tratados em diminutivos, normalmente a sigla, ou seja fui à Pina, ao Afro e ao MIS (o Museu da Língua não me recordo de ter diminutivo).

IMG_2398A primeira visita foi ao MIS e à exposição do Bowie, assim recomendava a leitura do caderno de cultura da Folha de S. Paulo por causa da fila que normalmente se forma todas as manhãs para comprar bilhetes. Cheguei uma hora antes da abertura do museu, não porque sou um rapaz precavido, mas porque a hora mudou em S. Paulo no dia em que cheguei e embora eu pensasse que eram 11 da manhã, o relógio oficial do museu marcava umas gloriosas 10 (até nisto tive sorte). Uma hora de diferença que fez com que fosse o segundo da fila, atrás de um simpático médico de Belo Horizonte com quem tive uma boa conversa sobre o Brasil e sobre viagens. A exposição do Bowie é absolutamente fantástica (sou completamente imparcial na análise, porque sou fã desde adolescente). Um percurso coerente e bem montado sobre a sua vida, a música, os filmes, as parcerias, o estilo, a irreverência, etc. com recurso a tecnologia bem agradável e funcional que nos permitia ter som diferenciado (nos auscultadores que nos eram entregues na entrada) conforme o local onde nos posicionávamos no percurso ou mesmo numa determinada sala. Como aspectos negativos posso apontar apenas dois: a proibição de fotografar em toda a exposição (um assunto que discutimos aqui em Portugal ainda há pouco tempo) e o posicionamento de alguns elementos da exposição (dois bancos) que causaram quedas de dois visitantes, porque não estavam bem sinalizados e a exposição é, no MIS pelo menos, bastante escura.

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Assim que saí do MIS fui para a Pinacoteca. Recomendaram-me almoçar por lá, na cafetaria, e sabia que se me despachasse ainda conseguiria ver o Museu da Língua Portuguesa (basta atravessar a rua). A cafetaria, já agora, é muito agradável, tem uma parte ao ar livre com vista para o bonito Jardim da Luz (um nome que fica bem em qualquer lugar se formos benfiquistas) e com boa escolha em comida e bebida. A Pinacoteca é tudo o que eu estava à espera. Um museu centrado nas colecções de arte brasileira (pintura, escultura, desenho, etc) com boas condições, onde se conta de forma cronológica uma parte importante da história artística (e do ensino artístico) no Brasil demonstrando as influências externas e a especificidade da arte brasileira que resulta da sua própria cultura e contextos. Duas notas finais apenas para mencionar a contínua preocupação da Pina no desenvolvimento da sua colecção, de forma a representar a arte no Brasil (julgo que vai até à actualidade) e uma interessante exposição sobre a história da Pinacoteca que nos permite (pelo menos a visitantes menos informados como eu) ter um contexto interessante na posterior visita às galerias.

 

IMG_2388Num salto cheguei ao Museu da Língua Portuguesa, um museu muito conhecido por cá, se bem se recordam foi notícia em todo o lado quando inaugurou e trata, de forma bem interessante, o maior património que temos em comum com o Brasil, o Português. Naquele sábado a entrada foi gratuita, mas não sei se é comum ser assim todos os sábados (já sei sou um sortudo… até porque me esqueci do cartão do ICOM) ou se tratou de uma excepção. A juntar a esse facto tive a oportunidade de ver a exposição sobre o grande Cazuza (descrita aqui) e consegui, no mesmo dia, ouvir e ver a obra de dois grandes nomes da música, Bowie e Cazuza, claro! O museu fica numa antiga estação ferroviária (ainda em utilização pelo que percebi) que foi brilhantemente transformada para receber uma excelente exposição sobre a nossa língua na qual está ilustrada (bem) a sua origem e história até aos nossos dias, com destaque para as diferenças e aproximações entre os países que a usam. O enorme videowall do segundo piso é uma excelente amostra do que a tecnologia consegue fazer pela comunicação nos museus.

A seguinte visita a um museu aconteceu na sexta-feira seguinte, após uma semana de trabalho intenso e profícuo com as(os) amigas(os) que compõem a excelente equipa da Expomus. Fui ao Museu AfroBrasil, mas apenas para a inauguração da exposição “ENTRE DOIS MUNDOS – Arte Contemporânea Japão-Brasil” (a comunidade japonesa em S. Paulo é imensa). Uma visita breve que não permitiu ver o Museu no seu todo e que foi interrompida por um bom motivo: o jantar com amigos que estão a trabalhar connosco no projecto de tradução e adaptação do SPECTRUM no Brasil (sim… que o mundo não é só visitar museus, é também a sua documentação e o convívio que ela proporciona). 🙂

No último dia, antes do martírio que são as viagens de avião de longo curso (o pior das viagens), tive a oportunidade de ir à Livraria Cultura (uma Meca para quem gosta de livros), na Avenida Paulista, e, graças à generosidade de um casal amigo, de conhecer o Mercadão (Mercado Municipal de São Paulo) e de comer uma sande divinal de mortadela e queijo.

No meio de tudo isto, e de muito mais, esqueci-me que estava numa das cidades mais perigosas da América do Sul, esqueci-me que há assaltos a toda a hora em S. Paulo, esqueci-me de todos os avisos que nos dão antes destas viagens e aproveitei para conhecer o que pude.

Não posso deixar de agradecer aqui, por toda a simpatia com que me receberam e acompanharam, à Alessandra (muito obrigado por tudo, viu!), Bia, Renato, Roberta, Lia, Ana Maria, Maria Ignez e toda a equipa da Expomus, bem como às Julianas (as 3), ao Gabriel e ao André. Quando cá vierem espero corresponder à altura!