Vamos lá aos factos (ainda que os factos que podemos analisar têm já mais de 10 anos, sim é de 2013 a publicação “O Panorama Museológico em Portugal” (Neves, 2013), mas os dados são de 2009):
Em 2009 os museus inquiridos no referido estudo tinham 11,9% dos bens que compõem os seus acervos em base de dados (Neves, 2013:70), ainda que 24% dos museus tinham, segundo o mesmo estudo, “os seus inventários totalmente informatizados e 46% têm em curso essa tarefa” (Neves, 2013: 69), tendo nestes dois indicadores um crescimento de 10%, face a 2002. Recordo que em 2002, a percentagem de bens do acervo em base de dados era de 5,4% e também que o acréscimo nestes anos se deve em muito ao apoio do POC (Programa Operacional de Cultura) para os processos de digitalização nos museus e a um aumento temporário de recursos humanos e financeiros para esta tarefa.
Além disso, falta saber, porque eu não depreendo essa informação nos dados que temos disponíveis, exatamente que dados estão em base de dados. Teremos apenas registo/cadastro, inventário sumário ou um robusto inventário desenvolvido em base de dados? Certamente teremos uma mistura destas situações, como é possível concluir lendo o quadro do referido estudo (Neves, 2013: 70) apresentado na página 70 (quadro 3.32 – Modalidades de inventário por Ano), mas ainda assim estou certo que o inventário sumário será, para a maior parte dos museus, a realidade.
Ora se de 2002 para 2009 conseguimos duplicar a percentagem de bens do acervo em base de dados, estou certo que de 2009 até agora, 13 anos volvidos, podemos ser simpáticos na projecção e digamos que temos 30% (arriscaria dizer que não temos nem 20%) de bens do acervo em base de dados. Importa aqui referir que o total de bens do acervo indicados para 2009 era de 28.526.841 (em 567 museus com respostas válidas). Portanto, 30% dos bens do acervo dos museus que responderam ao estudo correspondem a 8 milhões e 550 mil itens (aproximadamente) se a matemática não me falha. Estamos perante, diria eu, um inventário grosso!
No entanto, o Sr. Ministro da Cultura, em 25 de Novembro de 2022, depois de continuados anos de sub-orçamentação do sector cultural, de uma razia continuada nos quadros dos museus nacionais, de continuados problemas por falta de recursos simples para o básico funcionamento das instituições, depois disto e muito mais, dizia, vem falar da necessidade de um “inventário fino” para responder a uma única questão, cuja importância não deve ser menorizada como tem sido até aqui (veja-se, por exemplo, este registo na TT, atualizado em 2022, para se perceber o quanto tempos que caminhar), quando na verdade o processo necessário de inventário, catálogo e da documentação das coleções dos museus nacionais tem sido colocado sistematicamente em espera, com prioridade e atenção igual a zero!
Sim, precisamos de um inventário, fino ou grosso, feito de outra forma, repensado, não centrado nos números e na quantidade de registos disponíveis na plataforma x ou y (embora seja um bom indicador) ou num instrumento qualquer, mas sim centrado na utilização das coleções, na utilização do património cultural na educação, na investigação, na divulgação e, porque não, na criação, ou melhor, como instrumento da criação artística para o futuro. Precisamos de um inventário, mas para o fazer são necessários recursos e, acima de tudo, uma estratégia e um planeamento para a próxima década. Uma estratégia que não se centre em criar um instrumento específico, mas sim em definir ou escolher normas a seguir (não precisamos de criar a roda), em criar ou traduzir bons vocabulários, em financiar um sistema de autoridades que possa ser usado pelos BAM (Bibliotecas, Arquivos, Museus) e a dotar os museus, as instituições de memória, de profissionais com as competências específicas para executar esse plano.
Esse inventário fino (ou grosso) serviria não só os museus nacionais, mas poderia ser uma bela ajuda para muitos museus por todo o país que, em piores condições, fazem um esforço enorme para documentar e gerir o património que têm à sua guarda, mas precisam, em cada um dos territórios, de escolher essas normas, de definir vocabulários, de partir pedra desde os alicerces em vez de partirem de um ponto comum.
Entretanto, sei que ninguém está muito preocupado com isto. É chato, não tem inauguração associada, demora anos, décadas, exige recursos financeiros, formação, etc. Mas sei também que não há outra forma de o fazermos. Um inventário (fino ou grosso) das coleções nacionais que potencie a criação, que nos permita olhar para a nossa história e questionar questões sérias como o colonialismo, por exemplo, ou que permita uma reflexão sobre o mundo actual diversa, inclusiva e baseada na ciência.
Arrogaria-me a dizer ao Sr. Ministro da Cultura que precisamos sim de um inventário fino, mas antes de mais, preocupe-se em dotar os museus que tutela das condições para que se faça um inventário geral e capaz das coleções que detêm (incluíndo a Coleção SEC) e, já agora, que o faça com uma estratégia com estes três planos: Normas, Formação e Pessoal!
*uma nota para o Expresso: miserável chamar na primeira página o destaque para esta notícia e dentro ter um parágrafo, repito, um parágrafo sobre o assunto!
Já há algum tempo que ando a pensar sobre os desafios que temos pela frente (os já visíveis e os que podemos prever) no âmbito da documentação em museus. A exploração deste tema é, a meu ver, importante ou mesmo essencial para que nos preparemos para o futuro, dotando os museus e os seus profissionais das ferramentas necessárias para agir quando confrontados com um desses desafios, mesmo que isso signifique estar quieto, sem acção – que por vezes é o mais avisado.
Esta exploração começou, de certa forma com o projecto Mu.SA e com a reflexão que fizemos para o projecto e para o desenvolvimento do percurso formativo aí criado, no entanto, há desafios técnicos e éticos que não se resumem só às competências a adquirir. Há políticas, procedimentos, avaliações, etc., sobre as quais precisamos de focar a nossa atenção e discutir abertamente como podemos, enquanto comunidade, enfrentar os novos desafios, presentes e futuros, que nos serão (ou estão a ser já, em muitos casos) colocados. No seminário que apresentarei com a Acesso Cultura é exatamente isso que pretendo discutir e trazer à liça! Descrevi-o assim:
A documentação em museus é uma das tarefas mais relevantes e necessárias face à transformação da sociedade e aos desafios que esta enfrenta com a transformação digital. Neste seminário abordamos os desafios que se colocam aos profissionais de informação e documentação nos museus face às questões técnicas, como a normalização, a evolução tecnológica, a massificação da procura e a diversidade de meios existentes e, da mesma forma, face às questões éticas como a acessibilidade, a inclusão, a equidade, a polifonia, o legado colonial e as minorias.
Espero estar à altura deste desafio e convido todos a juntarem-se a mim online (Zoom) no próximo dia 4 de Abril, das 18h às 21h. Todas as informações sobre o seminário estão disponíveis na página da Acesso Cultura.
Estamos de volta (finalmente) à estrada! Foram meses e meses e mais meses atrás do ecrã, em zoom, teams, meets, etc., mas finalmente começamos a sair e, com todos os cuidados, voltamos já esta semana a duas formações presenciais em Torres Vedras e em Bragança. Confesso que já há muito que não ficava contente por gastar gasolina (ainda por mais ao preço a que está), mas desta vez fiquei apesar do rombo no orçamento das despesas mensais!
Começamos esta semana, mas continuamos nas próximas com dois eventos muito interessantes. O primeiro, já no próximo dia 22, é o Workshop BAM! Precisamos de normas! Normas e modelos de dados em B(ibliotecas), A(rquivos) e M(useus). Sim, fixem o BAM! Vai colar e substituir a sigla inglesa GLAM! Este workshop trará a Lisboa, ao Goethe-Institut Portugal, a Monika Hagedorn-Saupe e o Axel Ermert do CIDOC para falarem sobre normas do CIDOC e da ligação entre este e a ISO, nomeadamente através de projectos como o CIDOC CRM, mas também a Ana Alvarez Lacambra e um conjunto de colegas e amigos que têm construído muito o que de bom se faz em Portugal na área da normalização em museus (modéstia à parte que também eu estarei lá).
É um evento a não perder! Mas para o qual se precisam de inscrever, ok?
Na semana seguinte, mais precisamente no dia 29 (tudo às sextas), estarei no Alentejo, mais precisamente em Almodôvar, no 5º Encontro da Rede de Museus do Baixo Alentejo sobre o tema “Os Bastidores dos Museus: Modelos e Práticas, para aprender com os amigos e colegas a sul e partilhar aqueles que serão os desafios do futuro para os museus na área da documentação (mais bastidor não há).
A forma de inscrição e programa do encontro estão indicados na imagem abaixo, mas para facilitar é só enviar e-mail para turismo@cm-amodovar.pt com nome, entidade e contactos a indicar a vontade de participar.
Duas semanas e dois eventos importantes onde terei a possibilidade de matar um pouco das saudades! Espero encontrar-vos por Lisboa ou por Almodôvar!
O grupo de trabalho DOMINO (DocumentandO Museu IberomericaNO) do CIDOC (ICOM International Committee for Documentation) promove um inquérito para entender a realidade da documentação do universo de museus de língua portuguesa e espanhola.
O conhecimento da realidade actual nos museus dos países iberoamericanos é essencial para este novo grupo de trabalho do CIDOC, porque nos permite definir uma estratégia e prioridades de actuação com base naquilo que são as dificuldades e problemas que os museus enfrentam numa realidade que é, à partida, diferente da que encontramos e conhecemos com mais detalhe nos museus anglo-saxónicos.
Assim, pede-se a todos os museus e profissionais de museus que respondam ao inquérito DOMINO abaixo disponibilizado (está em Português e Espanhol) para nos permitir consolidar esta rede de apoio à documentação em museus através de actividades e projectos que respondam aos problemas mais urgentes nesta área de especialização e território específico.
Os resultados preliminares serão apresentados durante a conferência anual do CIDOC em Tallinn (6-10 setembro 2021) e o relatório final será disponibilizado através dos canais de comunicação do CIDOC.
Tenho tido a sorte de acompanhar, desde 2003, um conjunto de iniciativas e projetos de documentação e digitalização do vastíssimo património que a Fundação Calouste Gulbenkian detém ou tem criado ao longo da sua existência. Desde esse ano, através da Sistemas do Futuro, temos mantido uma relação muito especial com a Fundação que culminou, este ano, com a publicação do catálogo digital da História das Exposições de Arte da Gulbenkian.
Exemplo de registo de exposição
O projeto deste catálogo digital (sobre o qual já havia falado aqui) nasceu em 2014, a partir de uma ideia da Helena de Freitas, que já nos tinha chamado para trabalhar no catálogo raisonné do Amadeo de Souza-Cardoso, e constitui-se como um “projeto de estudo, digitalização, inventariação e divulgação da memória expositiva da Fundação Calouste Gulbenkian no campo artístico” catalogando e documentando toda a informação relativa à programação realizada entre 1957 e 2016. Um projecto ambicioso, de larga escala, que envolveu, desde o seu começo, um conjunto diversificado de competências e especialidades que contribuiram durante os últimos 7a 8 anos para a edificação do enorme recurso que a Fundação coloca agora à nossa disposição.
Em boa verdade, este catálogo digital é, em primeiro lugar, uma nova fonte de informação e estudo para os historiadores de arte (a nível nacional e internacional), mas também um repositório de informação sobre a actividade da Fundação desde 1957 que possibilitará o aparecimento de novos estudos ou de novas perspetivas sobre alguns temas já abordados, mas sem o confronto com a sistematização e organização da informação agora disponível.
Uma nova e rica fonte de informação que é fruto da colaboração entre a FCG e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa com quem temos mantido através da Sistemas do Futuro, e desde há algum tempo, alguns outros projectos colaborativos para sistemas de informação sobre diferentes tipos de património imaterial, de entre os quais destaco o LX Conventos. Esta colaboração entre a FCG e a FCSH-UNL relativamente às exposições da FCG começa aliás com a tese de doutoramento da Leonor Oliveira e concretiza-se no projecto, também apoiado pela FCT, que nos transporta virtualmente até à Primeira Exposição de Artes Plásticas de 1957 conforme podemos ler neste resumo do projecto.
Para nós na Sistemas do Futuro foi um projecto muito importante e interessante. Permitiu-nos testar um conjunto de capacidades que sabíamos ter nos sistemas de informação que desenvolvemos e responder, sem comprometer a estrutura de informação normalizada, a todas as novas solicitações e exigências que a documentação das exposições e de outras categorias de informações nos colocaram ao longo das diversas fases do projecto. Além das questões de estrutura de informação, o desafio enorme de construir, em colaboração com os técnicos da Fundação, as ferramentas que permitem a publicação dos dados tal como os vemos, foi também um processo de grande aprendizagem e partilha de conhecimento que usaremos, estou certo, em ocasiões futuras.
Foi um processo longo e, por vezes, complexo. Há decisões que é necessário tomar, no que diz respeito à gestão de informação, que tem implicações futuras e ramificações difíceis de reverter. No entanto, estou certo que ganhamos aqui uma enorme experiência sobre a forma como é possível documentar e partilhar a informação das exposições organizadas por uma instituição como a Fundação.
É esta experiência que irei colocar ao serviço do CIDOC através da minha participação ativa no grupo de trabalho “Exhibition and Performance Documentation” que o Gabriel Bevilacqua Moore fundou e que tem dirigido nos últimos anos, que procura “investigar o papel central da documentação de exposições e performances em museus e organizações relacionadas, e lidar com questões relevantes da sua preservação, acesso e da pesquisa a longo prazo” (traduzido do original da apresentação do grupo de trabalho na página do CIDOC).
Relativamente ao Catálogo Digital das Exposições da Fundação Calouste Gulbenkian espero que o usem e aproveitem. É para isso que ele foi construído e disponibilizado e é por isso que não me canso de agradecer à Fundação, à FCSH e à FCT por o tornarem possível.
Juntamente com um conjunto de colegas e bons amigos, membros do Comité Internacional para a Documentação do ICOM (CIDOC), conseguimos aprovar, durante a conferência anual do CIDOC de 2018 em Creta, Grécia (ver aqui a história toda), a constituição de novo grupo de trabalho, a que chamamos recentemente DOMINO (DocumentandO Museu IberoamericaNO) com o objectivo de disseminar o trabalho do CIDOC pelos países e comunidades de línguas portuguesa e espanhola e, de forma mais abrangente, chegar a outros membros com um contexto cultural comum e, também, servir de ponte linguística para partilhar conhecimento especializado com a comunidade internacional de profissionais de museus e documentação.
CC BY 2.0 Adrià Ariste Santacreu
O DOMINO tem como plano desenvolver uma rede de especialistas e de boas práticas na área de documentação em museus através da identificação, desenvolvimento e/ou atualização de normas relevantes nas línguas acima referidas, procurando assim uma harmonização no desenvolvimento da documentação de coleções na comunidade ibero-americana. Procurará ser também um elemento de disseminação da especialização nesta área criando uma agenda comum de questões a ser abordada activamente pelas instituições nesta comunidade.
Alguns dos tópicos que guiarão as prioridades do grupo nos próximos anos serão:
Documentação de histórias e costumes tradicionais;
Documentação de itens digitais (born digital assets);
Documentação de coleções em pequenos museus rurais;
Políticas para apoiar a documentação de coleções;
Inventários nacionais e portais digitais;
Web semântica, Linked Data, dados abertos e iniciativas de dados abertos;
Experiências compartilhadas no uso de software livre para documentação de coleções e objetos.
O grupo foi formado, como poderão ler aqui, por um conjunto de colegas do CIDOC de Espanha, Brasil, Chile, México, Portugal entre outros países e terá na próxima conferência do CIDOC, a realizar online entre 7 e 10 de Dezembro próximo, o seu primeiro conjunto de atividades com um workshop, um painel de discussão e uma sessão do grupo de trabalho nas quais os interessados poderão participar de forma gratuita, sendo apenas necessário fazer o registo.
Aliás, a conferência do CIDOC deste ano, como muitas outras de comités internacionais do ICOM, será realizada online e a participação é completamente gratuita, sendo necessário, como habitualmente, o processo de registo através deste link. O programa e demais informações do CIDOC 2020 estão disponíveis em https://cidoc.mahgeneve.news/en/home/