Não há como descrever a sensação de perda quando vemos, em directo, através da redes sociais e da televisão, o incêndio na Catedral de Notre Dame de Paris.
Eu sei, agora todos nós sabemos, que a mais famosa catedral parisiense, não é exactamente uma catedral do século XII (tal qual a construíram então, pelo menos), mas sim o resultado de séculos de história, marcados fortemente pela intervenção de Viollet-le-Duc e Lassus que agora foi vemos reduzida (parcialmente) a cinzas neste grande incêndio. No entanto, todos a víamos como o local do nascimento do Gótico e a catedral de Quasimodo, celebrizada por Vitor Hugo, que era ponto obrigatório de passagem e paragem nas visitas a Paris.
Recordo-me, na primeira vez em Paris, em 2007, quando cheguei à fachada da catedral de pensar nas aulas de história de arte e da História da Arte do Janson e juntar cor à fotografia a preto e branco que ilustrava, de longe, o conjunto monumental. Ali estava ela, enorme, a alcançar os céus, como deve ser numa catedral, local de culto, celebração e de fé. Espanta-me sempre a beleza que a fé consegue produzir.
Naquela altura decorria uma celebração na catedral, não tenho a certeza se uma missa ou se outra qualquer cerimónia específica e nós ainda tinhamos muito que calcorrear em Paris, por isso entrei apenas por alguns instantes, tirei duas ou três fotografias e saí com o objectivo de ir à Shakespeare and Company. Foi a primeira e última vez que lá estive e que vi a Notre Dame. Estava certo que a reencontraria mais tarde, com mais tempo, para uma conversa mais demorada.
Não imaginava eu, e espero continuar a não imaginar com outros casos, que a Notre Dame sucumbiria num desastre como o de ontem. No entanto, já quando se deu o incêndio no Museu Nacional, sobre o qual o Gabriel escreveu aqui, é sempre nestes momentos que me assaltam as dúvidas sobre a nossa real capacidade de proteger e salvaguardar o património cultural que temos para passar à próxima geração. É sempre nestas alturas que pergunto a mim mesmo “então e se isto acontecesse na Torre dos Clérigos, na Batalha, no Convento de Cristo, em Alcobaça ou nos Jerónimos?” Será que conseguíamos travar uma tragédia destas? Ou pelo menos minimizar os prejuízos e danos causados? Temos nós planos de segurança para todos os nossos monumentos? Há meios que assegurem que todas as medidas de segurança estão activas no caso de se dar uma tragédia semelhante? E além disso, estão estes monumentos bem documentados para que, em caso de tragédia, a perda não ser total?
E o que fazer a seguir a uma perda desta magnitude? Reconstruir algo muito semelhante? Reproduzir o modelo anterior? Que métodos construtivos usar? Que materiais? Deixar a reconstrução de lado e pensar numa nova construção? Numa nova Notre Dame? Com que modelos? Quem a pensaria? Será certamente uma discussão acalorada nos próximos tempos em França, como prevê o João Pinharanda, mas não terá, estou certo também uma decisão de consenso alargado.
Obrigado pelo artigo. Em minha opinião está excelente.
Obrigado Miguel!
Caro Alexandre, saudo este teu artigo, bem como as belas fotos do antes e, ainda que dramatica, a da consumição… Sim, Viollet le Duc acrescentou alguma coisa e alguma reconstrução houve no pós-guerra, mas nunca como agora o símbolo maior de Paris e dessa Europa da Catedrais (não pude deixar de me lembrar do Grande Duby), foi tão danificada. Se fosse num país do Sul, onde se gasta o dinheiro “em copos e mulheres” (como disse o outro) não causaria admiração, nem no Brasil, com o Museu Nacional, pois que é noutro hemisfério. Mas na (outrora) tão civilizada França, para mais Paris, para mim (q sou do tempo da Cultura francesa) verdadeiro coração da Europa, parece ser um sinal dos tempos. Quando já não tivermos capacidade de preservar o legado cultural (e de o reconstruir no caso de desastre), chegámos ao fim de um tempo: o tempo q precede uma nova noite medieval. É este o teste da França, da Europa e do Ocidente, porque Notre Dame é mais do que ela.
Obrigado Nelson pelo comentário. Notre Dame é uma “senhora” forte e terá, sem qualquer dúvida, futuro, espero eu é que esse futuro não se faça de forma saudosista ou extremamente futurista, porque os extremos são de evitar!
Caro Alexandre, este é um daqueles casos em q a “modernidade” se deveria cingir aos materiais de (re)construção. De resto, seria de se respeitar a imagem integral do que era a catedral ao momento do desastre (incluindo os devaneios do Viollet le Duc, pois sabe-se q inventou estriges e gárgulas e não sei q mais, ao gosto romântico). É a minha opiniao, mas, lá como cá, o lobby dos arquitectos vai querer aproveitar a oportunidd para “criar” ali alguma novidade. A acontecer, que seja o mais minimal possível.
Eu não estou tão certo que deva ser assim, mas compreendo que seja se for essa a decisão informada dos responsáveis, mas confesso que a reconstrução, tal e qual, de um monumento que foi destruído por qualquer causa, faz com que se apague facilmente a história e não recupera o que se perdeu neste desastre… não sou, com o devido acompanhamento, contrário ao lobby dos arquitectos, aliás em França têm muito boa formação nesta área os arquitectos! 🙂
Bem, ainda bem que divergimos (pontualmente), já que “é da discussão que nasce a Luz” – creio que foi Heisenberg, o do princípio da incerteza, que o disse. Esperemos que a massa crítica francesa dite a melhor solução, pois Nôtre Dame merece.