Começo por um vídeo do Centro de Documentação do Museo Universitario de Arte Contemporanea da Universidade Autonoma do Mexico para falar sobre o CIDOC 2023 que decorreu, entre os passados dias 24 a 28, na Cidade do México. Começo por este poema visual, porque me senti completamente representado a ver e ouvir a imensidade do que é um arquivo de um museu e a quantidade de situações com que se deparam as pessoas que cuidam e tratam da documentação sobre as coleções nos museus. Divertido, como deveria ser sempre, mas muito direto e explícito sobre o tema, o vídeo lembra-me a necessidade do trabalho que o CIDOC, bem como outras instituições similares, produzem em benefício deste importante trabalho dos museus.
O CIDOC 2023 teve como tema “Frontiers of knowledge: Museums, Documentation and Linked data” e procurou explorar um conjunto diverso de assuntos ligados ao questionamento que precisamos de constantemente fazer para evoluir numa área em que a tecnologia é fundamental.
Normas, políticas, experiências, inteligência artificial, contextualização da informação, responsabilidade social da documentação nos museus, software, integração de dados, intercâmbio de metadados, metodologias de catalogação, documentação de património imaterial, tráfico ilícito de bens culturais, documentação em arqueologia (escavações), descolonização, bases de dados (e a sua obsolescência), procedimentos, ontologias, linguagens, preservação digital, etc. foram alguns dos tópicos que se abordaram ao longo destes dias, conforme poderão ver pelo programa da conferência.
Infelizmente não conseguimos, como de resto acontece em todas as conferências anuais do CIDOC, acompanhar todas as sessões (algumas decorrem paralelamente), mas de entre as que segui, gostaria de destacar algumas.
Em primeiro, a brilhante conferência de abertura do Dominic Oldman, do British Museum, intitulada “The social responsibility of documentation: Contextualizing data“. Nesta conferência Dominic Oldman leva-nos a reflectir sobre várias questões importantes na documentação em museus (e o seu futuro), começando desde logo sobre a atualização dos dados que detemos sobre as coleções nos museus (à luz do conhecimento que detemos agora), mas também sobre questões práticas que afetam este trabalho como a evolução da tecnologia (ou estagnação, como é o caso citado sobre as bases de dados, praticamente na mesma desde a sua criação) e das políticas definidas no sector para a inclusão de práticas e metodologias mais abertas, nas quais a participação, a colaboração, a reutilização e consequente criação sejam cada vez mais uma realidade. Deixo três imagens abaixo com ideias que nos deveriam fazer pensar a todos:
Nas comunicações das sessões, mais técnicas, destaco também as apresentações do Getty (Breaking Down Data Silos: The Getty Data Architecture) e do Rijksmuseum (The Future of Data Services at the Rijksmuseum) onde podemos ver, apesar da dimensão de ambas instituições, um conjunto de questões relacionadas com reutilização de dados, ontologias, tesauros, segurança, canais de distribuição de informação, entre outras, tratadas de forma a permitir que a informação gerada nos processos de documentação, possa ser utilizada pelas audiências (internas e externas) dos museus de forma integrada. São instituições de escala internacional, bem sei, mas as questões ali tratadas podem e devem ser alvo de uma reflexão em muitos dos nossos museus.
Uma outra apresentação de que gostei muito foi a do Theatro Municipal de São Paulo (Municipal Theater of São Paulo: Preliminary considerations on documents and research on costumes) sobre o trabalho de documentação feito num património ainda em utilização, figurinos em particular, que tenho tido a oportunidade de ir acompanhando há algum tempo através da Sistemas do Futuro. Os desafios que este tipo de património coloca são muitos e constantes e, por isso, recomendo sempre o trabalho e as metodologias que a equipa do Guilherme Lopes Vieira tem desenvolvido ali. É também uma oportunidade para aprendizagens através do Atlântico e, quem sabe, uma oportunidade de partilha entre este teatro e os dois com quem trabalhamos em Portugal que têm as mesmas questões básicas de documentação e conservação dos respectivos acervos.
No capítulo dos posters não posso deixar de mencionar o trabalho que a Anabela Magalhães, com a Alice Semedo e a Susana Medina, apresentou. Intitulado “Data recording model for Natural History Collection. Study case: Natural History and Science Museum of Porto University” o poster representa o trabalho de mestrado da Anabela sobre o mesmo tema, no qual é feito um mapeamento dos dados das coleções de história natural da Universidade do Porto utilizando como referência os requisitos de informação da norma Spectrum. Uma outra presença portuguesa no CIDOC que registo com muito agrado e um trabalho, de compatibilização da documentação dos museus portugueses com as normas que deveria ser estendido a um conjunto significativo de museus.
Ainda relativamente ao trabalho do CIDOC tivemos, nesta conferência, dois anúncios significativos. A publicação da versão 1.0 do EODEM (Exhibition Object Data Exchange Model) e a publicação “An Application Profile For Recording Intangible Cultural Heritage In Museums’ Collection Management Systems” da responsabilidade do grupo de trabalho de Património Imaterial do CIDOC que constitui um relatório sobre a metodologia, desenvolvimento e lições apreendidas num projeto intitulado “Plans for the Future: ICH Included (2019-2021)” desenvolvido na Flandres com a participação da comunidade do CIDOC. Um é uma nova norma de intercâmbio de dados entre sistemas de informação, o outro um início do trabalho de desenvolver uma nova norma, ou pelo menos boas práticas e recomendações, para a documentação do patrimonio imaterial no seio do CIDOC.
Um programa diversificado, com participações dos 4 cantos do mundo, com discussões sérias sobre o futuro da documentação em museus nas suas múltiplas perspectivas e funções foi o que tivemos neste CIDOC. Algumas dezenas de apresentações sobre inclusão, políticas, normas, técnicas, programação, metodologias, intercâmbio de dados, colaborações entre arquivos, bibliotecas e museus, etc. Tenho algumas centenas de páginas para ler e aí uma dezena de páginas de anotações sobre novidades ou atualizações que preciso de organizar nestas próximas semanas. No entanto, uma tristeza que me fica sempre destas participações no CIDOC (ou em outras conferências dos comités internacionais do ICOM): somos sempre muito poucos membros a participar, mesmo muito poucos, pese embora algumas bolsas que o ICOM Portugal e o CIDOC, através do Getty vão disponibilizando para estas participações. Acredito que esta situação possa mudar, mas acho que deveríamos reflectir um pouco sobre isto nas diversas instâncias do ICOM Portugal.
Além da participação, ou falta dela, deveríamos também reflectir sobre o que as nossas organizações de tutela “ouvem” ou retiram do que é feito nos comités internacionais e nacionais do ICOM. Em Portugal – todos sabem como sou crítico do estado da situação atual – relativamente à documentação de museus, o que temos é o mesmo que tínhamos há uma década, ou talvez há duas!
Museus nacionais com o processo de documentação das coleções cativo de uma falta de atualização do sistema que já não tem qualquer remédio, políticas inexistentes nesta área específica do trabalho em museus, ausência de pessoal qualificado nos museus para o desempenho desta tarefa (não me refiro obviamente aos conservadores das coleções), ausência, também, de formação atualizada para esta tarefa nas universidades portuguesas, arquivos e bibliotecas de muitos museus parados no tempo, ausência prolongada de uma política para a rede portuguesa de museus, ausência de política de divulgação cultural em rede (diferente das políticas para a RPM) a médio e longo prazo, uma mudança nos órgãos de gestão e tutela dos museus cujo diploma menciona 2 vezes a palavra inventário e 4 a palavra documentação (sendo que 3 deles para se referir ao Arquivo de Documentação Fotográfica) e poderíamos continuar por muitos outros aspectos que me preocupam no atual estado da documentação nos museus portugueses.
Muito a fazer neste capítulo, mas voltemos ao CIDOC.
Tal como noutros anos, este tivemos a oportunidade de conhecer a bela (e enorme) Cidade do México. A escala do “novo mundo” surpreende-me sempre. A Cidade do México, como Nova Iorque ou São Paulo, é uma mega urbe, muito distante do meu Porto ou da minha Espinho. Tudo numa escala gigante, mas ao mesmo tempo acolhedora e de gente extraordinariamente simpática. Sabendo como é o Pedro Ángeles, amigo de longa data nestas coisas do CIDOC, já não me devia admirar com a simpatia dos mexicanos, mas sentir este acolhimento ali foi magnífico.
Além das voltas em CDMX, conhecer a casa da Frida Kahlo e as ruínas de Teotihuacán foram, para mim, os pontos altos dos programas de visitas da conferência. Uma pequena amostra fica no álbum abaixo.
Por último, ainda que não menos importante, o anúncio do local do CIDOC 2024 (#cidoc2024) que será no Rijksmuseum, em Amsterdão, de 11 a 15 de Novembro de 2024 (um pouco mais tarde do que é habitual nas nossas conferências). Espero sinceramente que seja oportuno para uma participação mais activa da comunidade portuguesa. Vejo-vos lá?