Começo por dizer o que acho que qualquer pessoa de bom senso e com conhecimento da realidade dos museus portugueses pensa da municipalização do Museu (antes Regional) de Arqueologia D. Diogo de Sousa: é uma decisão incompreensível e estúpida! Tentarei explicar, em seguida, porquê.
Não é necessário escrever aqui um resumo da história da criação do museu ou mencionar a sua importância para a arqueologia portuguesa e para outros museus que o procuram como referência no estudo, restauro e conservação de coleções arqueológicas. Tudo foi escrito, de forma muito clara, no texto da petição que subscrevi intitulada “Em defesa do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa” e pelas vozes de colegas de museus e arqueólogos que têm dado o seu contributo sobre este assunto nos mais diversos canais.
No entanto, é necessário, aliás, essencial que se ouça a opinião de decisores políticos diretos neste processo – que não foram claramente ouvidos (aqui um outro caso) – e perceber que quando queremos resolver um problema, não o podemos passar sem mais para a responsabilidade de outrem, sem pensar nas consequências da nossa decisão.
Além de ouvir as instituições políticas interessadas, algo que me admira muito não ter sido feito (ler ironicamente), estranho muito que a decisão de municipalizar museus como o D. Diogo de Sousa (MDDS) não tenha sido apresentada à sua direção, à equipa do museu, desde logo, mas também às associações profissionais do sector e à academia, tendo em conta o perfil do museu e o seu reconhecido trabalho conjunto com a Universidade do Minho (já com décadas de boas experiências). Eu sei que não é necessário que o façam, mas parece-me que este tipo de decisões já deveriam ser mais participadas em Portugal. Se queremos municipalizar para chegar perto das pessoas, comecemos a chegar perto das pessoas chamando-as para participar numa decisão tão sensível como a de alterar a tutela do museu.
Um outro aspecto que me parece ter sido completamente negligenciado foi a avaliação de situações semelhantes. Já temos experiência de municipalização de outros museus que tiveram em tempos um caráter regional, um caso bastante conhecido é o do Museu de Aveiro. Se temos estes casos, não seria avisado procurar ter uma avaliação dessa mudança de tutela relativamente a alguns indicadores a definir (equipa, público, gestão das coleções, etc.), antes de pensar em municipalizar mais um museu com estas características? Há essa avaliação e não é conhecida? Posso ser eu que ando distraído, mas parece-me que não há. Não havendo, corremos o risco de tomar uma decisão desinformada.
Eu tive a oportunidade de estagiar no MDDS e de ter aprendido muito sobre museus, arqueologia, documentação e gestão de coleções com o Mário Brito, o Manuel Santos e com a Isabel Silva. Sei bem a importância que o Museu tem para Braga, para o Norte de Portugal e para o país no seu todo. Sei a importância que tem a nível da Arqueologia portuguesa e do conhecimento da nossa história enquanto território e país. Sei também que um museu municipal, por muito que o Município faça, tem responsabilidades diretas com a sua comunidade em primeiro lugar e não se lhe pode pedir/exigir o que se pode a um museu nacional ou regional. Por isso mesmo, acho irresponsável esta incompreensível decisão tomada nos corredores da Ajuda.
Já escrevi neste cantinho sobre municipalização de museus. Aliás, escrevi noutro sítio, repeti aqui dez anos depois. Entretanto, já passam doze sobre o texto original. A questão não é nova, portanto.
As palavras que usamos são importantes porque com elas vêm conceitos e, neste caso, juízos de valor: a gestão de um museu por uma autarquia é coisa que mete medo, os museus nacionais estão numa posição hierarquicamente superior aos regionais e municipais. É isto, não é?
Eu atrevo-me a dizer que não devia ser.
Não vou discutir vícios e virtudes da gestão que os municípios portugueses fazem dos museus, em particular, e do património cultural, em geral. Para isso serviu o referido texto que aqui escrevi e outros na defunta revista Praxis Archeologica[1]. Vou antes chamar a atenção para esta coisa de considerarmos sempre que de um lado estão “os bons” (a administração central) e do outro estão “os maus” (a administração regional e local). Esta distinção nunca contribuiu para o fortalecimento da administração pública portuguesa. A gestão pela desconfiança, legislar e restruturar assumindo que “os outros” são uns malandros à espera de rédea solta para libertar toda a sua maldade, é das coisas mais perniciosas que temos na função pública. Também existe na horizontal, entre diferentes organismos da administração central com competências ou ações complementares e entre municípios que partilham recursos ou têm territórios confinantes.
O principal problema dos museus portugueses não é a gestão municipal: é a má gestão. E insistir num discurso que deixa transparecer que os temos que “salvar” pela integração na administração central é contraproducente e autofágico.
Os diferentes níveis de administração não são concorrentes nem se definem hierarquicamente. Os executivos municipais não são uma espécie de réplica pequenina do governo central. Ou não deviam ser. Se calhar é mais por aí que devíamos ir na discussão: faz sentido descentralizar para apenas replicar funções do Estado à escala de 308 unidades municipais? Ou faz mais sentido descentralizar para distribuir competências diferentes que podem ser melhor geridas a nível local? E, já agora, isto de dividir o território em bocadinhos tão pequenos é mesmo útil?
A municipalização dos museus é uma questão que afeta o quotidiano de muitos profissionais nesta área e por isso é natural que muitos de nós estejam preocupados. No entanto, é apenas uma parte de um tema mais amplo que, enquanto cidadãos, devíamos exigir que se discutisse de uma forma consequente: a reforma da administração local e regional do nosso território, adequada à dinâmica socioeconómica e à demografia.
[1] Sim, o link não funciona, é propositado; também podíamos discutir vícios e virtudes do conhecimento produzido no âmbito de associações mas… não temos tempo
Maria José de Almeida
Maria José de Almeida é licenciada História, variante Arqueologia, pela Universidade de Lisboa, estando a terminar o curso de doutoramento na mesma universidade.
Até 2016 trabalhou nos municípios de Santarém e Cascais, desenvolvendo ações de arqueologia preventiva e gestão de coleções de bens arqueológicos. Foi responsável pela implementação do Sistema de Informação dos Museus de Cascais e coordenou a integração do mesmo na plataforma de Sistema de Informação Geográfica da autarquia. Fez parte dos corpos gerentes da Associação Profissional de Arqueólogos (APA) desde 2002, tendo sendo presidente da direção no triénio 2007-2009. É membro do Grupo de Trabalho Sistemas de Informação em Museus da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD).
Atualmente integra a equipa da Direção de Serviços de Inovação e Administração Eletrónica da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).
Este texto foi escrito em Março de 2005. Destinava-se à divulgação na imprensa local, coisa que não aconteceu por razões várias, foi reformulado numa carta aberta ao presidente da câmara de Elvas que não teve nem resposta nem consequência. Era eu, à data, co-signatária de um projecto de investigação sobre a ocupação rural romana do concelho de Elvas.
Dez anos depois, a câmara de Elvas tem abertos ao público (segundo informação disponibilizada no site do município) quatro museus: Museu Militar de Elvas, Museu de fotografia João Carpinteiro, Museu Militar Forte de Santa Luzia e o Museu de Arte Contemporânea. Com algum esforço de pesquisa consegue-se saber que está prevista a criação de um museu de Arqueologia e Etnografia no edifício da antiga manutenção militar, com contratos já celebrados em 2014 para os projetos de arquitectura e especialidades. Espera-se assim que algumas das coleções do antigo Museu António Tomás Pires voltem brevemente aos olhos do público.
Apesar desta nota de esperança, no momento em que se municipalizam museus até agora afectos à administração central, lembrei-me deste texto e achei que era útil divulgá-lo. Para memória, espera-se, passada.
Como se extingue (discretamente) um Museu
O “Museu Archeologico de Elvas” foi fundado em 1880. Faz parte de um conjunto de museus de âmbito regional e local criados naquela que já foi chamada a “Idade de Ouro da Arqueologia Portuguesa”. Resultam dos programas de investigação pessoal de figuras destacadas da sociedade de então que elegem a arqueologia e o “estudo das antigualhas” como terreno de afirmação de uma certa ideia de progresso, alicerçada na construção de uma identidade local.
A longa história destes museus conduzi-os a situações muito diferentes em termos de enquadramento institucional e são várias as instituições que hoje deles são herdeiras. O “Museu Archeologico de Elvas” transformou-se em Museu Municipal porque o seu fundador, António Tomaz Pires, além de professor, era também Escrivão e Secretário da Câmara. Tivesse a iniciativa da criação do museu pertencido a Victorino d’Almada, destacado “archeologo” elvense seu contemporâneo e sargento-mor do 2º Regimento de Artilharia da cidade, talvez hoje fosse o Ministério da Defesa o responsável pela gestão deste equipamento.
Acontece que é a Câmara Municipal de Elvas a herdeira deste museu. E acontece também que, discretamente, é a Câmara Municipal que o está a extinguir.
O museu encontra-se instalado desde a sua fundação no antigo colégio jesuíta de Santiago, partilhando esse espaço com a Biblioteca Municipal. A convivência de museus e bibliotecas é tão antiga quanto a existência destas instituições em Portugal e o caso de Elvas é apenas um entre as muitas Bibliotecas-Museus criadas na mesma época. Com o tempo tem havido uma progressiva separação entre bibliotecas e museus e, mais uma vez, o caso de Elvas não é excepcional. Neste âmbito decidiu, em boa hora, a autarquia elvense promover a reabilitação da biblioteca e iniciar um processo de candidatura à integração na Rede de Leitura Pública Nacional.
Este processo implica naturalmente profundas obras no edifício e, para cumprir o programa definido pelo Instituto Português da Biblioteca e do Livro (IPLB), o museu, pura e simplesmente, não cabe.
Este facto em si não constitui nenhum problema, tanto mais que o acervo do Museu Municipal António Tomaz Pires há muito que reclamava novas e melhores condições de exposição e armazenamento. Aproveitar a reabilitação da biblioteca para a reabertura do museu noutro espaço mais adequado seria até uma boa oportunidade.
O que constitui um problema grave é que, passados dois anos da intenção expressa da autarquia na remodelação da biblioteca (que implicaria sempre, por razões físicas, a saída do museu do espaço do Colégio de Santiago) e 8 meses do encerramento do museu ao público, não haja qualquer definição sobre o destino a dar ao acervo museológico de que a Câmara Municipal é herdeira.
É certo que também não houve qualquer formalização da extinção do museu. Aliás, discretamente, essa questão tem sido evitada e qualquer inquérito de rua efectuado na cidade revelaria que a maioria dos elvenses está convencida que o edifício está encerrado para obras mas que reabrirá como biblioteca e museu, como sempre foi. Contudo, basta uma leitura rápida da memória descritiva do projecto de reabilitação do edifício, divulgada em versão resumida na imprensa local, para perceber que não é assim.
Em declarações à mesma imprensa local, o presidente da Câmara de Elvas afirmou que o Museu António Tomaz Pires “era um conjunto de espólios que iam desde a arte sacra até à arte africana. Isto não é uma unidade museológica dos nossos dias. Hoje as pessoas exigem mais qualidade, ou seja, museus temáticos e interactivos. Por isso, daqui por dois ou três anos Elvas não tem um Museu Municipal, mas sim cerca de cinco temáticos.” (Linhas de Elvas 21/08/2004).
Com tão boa notícia, impõe-se a pergunta: para quando, a criação do museu temático de arqueologia de Elvas?
(e, já agora, onde será instalado? e que recursos vai ter para a sua gestão e dinamização?)
É que, no acervo que vai “da arte sacra à arte africana” do extinto museu, há um significativo conjunto de espólio arqueológico que é capaz de atrair uns quantos visitantes.
Acho que ainda existe uma coisa chamada “Circuito Arqueológico das Antas de Elvas”. Não sei se estão disponíveis as estatísticas de participantes mas, sejam muitos ou poucos, talvez alguns gostassem de complementar a observação dos monumentos funerários com a visita a um museu temático onde encontrassem os objectos que acompanharam há cinco mil anos os mortos que aí foram enterrados. O Museo Nacional de Arte Romano em Mérida tem um número anual de visitantes portugueses que justificaram a edição em português do seu roteiro. Se estes visitantes rumam a Espanha para ver um museu de arqueologia dedicado à época romana, são bem capazes de ter vontade parar em Elvas para ver uma colecção de epigrafia ou uma exposição relativa às necrópoles da mesma época que foram encontradas na região.
É capaz. Mas neste momento não sabemos, porque essas colecções estão “devidamente arrumadas e embaladas dentro de caixas”, para continuar a usar as palavras do presidente da câmara, na já citada reportagem do Linhas de Elvas.
Falo das colecções de arqueologia porque são as que melhor conheço. Talvez especialistas em arte sacra ou em arte africana possam dizer coisas semelhantes sobre outras áreas temáticas do extinto museu. Mas invoco as artes do meu ofício para chamar a atenção da enorme responsabilidade que tem qualquer instituição que recebe como herança um museu como era o Museu Municipal António Tomaz Pires.
Aparentemente, não estando integrada esta unidade museológica na Rede Portuguesa de Museus e sendo a sua tutela exclusivamente municipal, a autarquia pode decidir como bem entender sobre o espólio do museu. Da mesma maneira que decide sobre quaisquer bens móveis que pertencem ao seu património, sejam mesas, candeeiros, computadores ou ferramentas. Estando a legislação portuguesa relativa ao património cultural cheia de buracos causados pela falta de regulamentação, parece que pode.
Mas, será que deve?…
Maria José de Almeida
Maria José de Almeida é licenciada História, variante Arqueologia, pela Universidade de Lisboa, tendo obtido o grau de mestre em Arqueologia Romana na Universidade de Coimbra. Actualmente integra o programa de Doutoramento em Arqueologia e Pré-história da Universidade de Lisboa, na especialidade de Arqueologia. É autora de vários artigos publicados sobre a temática da ocupação romana no território de Augusta Emerita. Entre 1996 e 2002 trabalhou no município de Santarém, desenvolvendo acções de arqueologia urbana em núcleos históricos. Foi responsável pela primeira fase da Carta Arqueológica de Santarém e pela organização da Reserva Municipal de Bens Arqueológicos. Foi comissária da exposição temporária De Scallabis a Santarém (MNA, 2002). Desde 2003 exerce funções na Câmara Municipal de Cascais, onde implementou o Sistema de Informação dos Museus de Cascais e coordenou a elaboração do respectivo Manual de Procedimentos. Ainda em Cascais, dirigiu o Gabinete de Arqueologia e, actualmente, desempenha funções na Divisão de Ordenamento do Território, tendo coordenado a integração do referido sistema de informação com a plataforma SIG da autarquia. Integrou os corpos gerentes da Associação Profissional de Arqueólogos (APA) desde 2002, tendo sendo presidente da direcção no triénio 2007-2009.
É oficial! A partir do próximo dia 1 de Agosto teremos um museu do extinto IMC (Instituto dos Museus e Conservação) tutelado por uma Câmara Municipal. A notícia não é nova e já há algum tempo o assunto era comentado em diversos meios (redes sociais, conferências, encontros, jornais, etc.) e a tutela da Cultura já tinha assumido que seguiria esta linha de actuação em todos os casos onde houvesse demonstração de interesse por parte das autarquias.
Em causa está o Museu de Aveiro, frequentemente chamado Museu de Santa Joana em Aveiro, muito por causa da ligação umbilical que os aveirenses, cagaréus ou ceboleiros, têm com a a santa padroeira da terra, a filha de Afonso V, Princesa Santa Joana que está sepultada no coro baixo do antigo Convento de Jesus, actual Museu de Aveiro. Devo dizer, antes de mais, que a minha relação com este museu poderá prejudicar a minha objectividade na análise desta questão, mas tentarei, acima de tudo, transmitir as minhas reflexões sobre o tema (municipalização dos museus) sem particularizar mais do que o necessário.
A dança das tutelas
Em Portugal sofremos de uma forte necessidade de alterar as coisas. Fazemos estas alterações de forma constante, e grave, em diversos sectores. Na educação fazemos reformas de ano para ano, na saúde é tão constante que eu fico perdido sem saber o que chamar ao Centro de Saúde da minha área de residência, o sistema fiscal muda de tal forma que de ano para ano temos que fazer uma especialização em fiscalidade para perceber que impostos devemos pagar, quando devemos pagar e por que meios os devemos pagar.
A Cultura não é, infelizmente, excepção. Desde que trabalho em museus (1996) já tivemos a tutelar os museus e a política museológica nacional o IPM (até 1992 existia o IPPC), o IMC e agora a DGPC. Mudamos, em menos de 25 anos, de uma política que centralizava todo o património histórico e cultural numa só tutela, para políticas definidas para cada área específica (IMC, IPPAR, IPA, etc.), e depois voltamos ao local de partida. Fizemos esta mudança apenas, em meu entender, por motivos financeiros e sem qualquer avaliação ao trabalho realizado no modelo prévio. Seria aquilo que poderíamos chamar de política do cofre cheio ou cofre vazio. Estando cheio criamos novos organismos, mais específicos, estando vazio, toca a encolher o estado, porque é gordo e tem colesterol, mas nem sequer vemos se é colesterol bom ou mau. Corta-se e pronto!
Nesta dança de tutelas, motivada agora por questões financeiras, o estado central encontrou o pretexto ideal para desagregar o conjunto de museus que era tutelado pelo IMC: a descentralização! Um dos chavões políticos mais caros para o bolso dos contribuintes e dos que menos resultados tem dado, se verificarmos, a título de exemplo, a autonomia limitada das direcções destes museus. Nessa tentativa de descentralização entendeu-se que seria melhor que alguns museus, deveriam ser tutelados pelas Direcções Regionais de Cultura (um organismo descentralizado que depende directamente da Secretaria de Estado da Cultura) tendo em conta o carácter menos significativo desses museus. A justificação dada era exactamente essa: esta alteração organizativa “Permite que nos concentremos nos museus mais significativos“.
Nem sequer entrarei aqui na velha questão da geografia associada aos museus “mais significativos”. É um facto com que vivo bem, devo dizer. Mas contesto veementemente a classificação arranjada para justificar esta mudança tutelar. E contesto, da mesma maneira, uma mudança em que a tutela se mantinha (todos se mantinham dependentes da SEC), mas que introduzia critérios de gestão, programa, políticas, etc. distintos de acordo com os interesses, políticas e perspectivas de cada Direcção Regional de Cultura, sem que um organismo mais especializado na área do património cultural (que tem como obrigação definir e implementar a política museológica nacional) tivesse uma palavra a dizer, pelo menos formalmente, no que diz respeito a museus dependentes do estado central.
A minha posição nesta matéria não é, devo dizer, contra uma reorganização administrativa dos museus e das suas tutelas. Devo dizer até que é/era bastante favorável a essa reorganização do “tecido museológico português”, no entanto, não me acredito que esta possa/deva ser feita de forma fechada, sem a participação de directores, profissionais, associações do sector, tutelas (estado central, direcções regionais, autarquias, empresas, associações, fundações, etc.) e sem uma discussão participada pelo maior número de cidadãos interessados nesta matéria.
A municipalização dos museus
As autarquias não são o mal da nação! Aliás eu sou um defensor acérrimo do papel das autarquias actualmente e do papel importantíssimo que desempenharam ao longo da História do país. Conheço várias que têm feito um trabalho notável na área e de cabeça poderia citar os casos de Penafiel, Santa Maria da Feira, Portimão, Seixal, Vila Franca de Xira, Ílhavo, entre alguns outros como exemplos internacionais de sucesso. Vejo com naturalidade o desejo dos autarcas e das populações de determinado concelho de criar museus e instituições que preservem e promovam a sua história, tradições e cultura. Vejo-o ainda com mais naturalidade se esse desejo se incluir num plano maior de desenvolvimento do território, no qual o museu é uma das peças, juntamente com a oferta turística, as condições de alojamento, a preocupação com a educação, etc. Portanto não vejam neste meu texto, qualquer opinião menos favorável aos museus municipais ou à tutela municipal dos museus, certo?
Pese embora essa minha opinião favorável sobre as autarquias, não posso estar de acordo com o processo de municipalização dos anteriores museus tutelados pelo IMC e procurarei, de seguida, explicar as minhas razões de forma sucinta.
Em primeiro lugar a minha discordância tem a ver com o caracter e propósito de diversos museus que poderão vir a passar pelo mesmo que acontece em Aveiro. O Museu de Aveiro e as suas colecções, bem como o Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa (que não sei se poderá passar por este processo também), ou mesmo os museus da Guarda e de Lamego têm nas colecções bem mais do que uma representação do território concelhio em que se situam. No caso de Braga, se bem me recordo, as suas colecções integram um conjunto de bens arqueológicos de todo o norte do país. Ora imaginem que, apenas por casmurrice, que uma das autarquias do norte do país não concordasse com que a gestão de património arqueológico encontrado no seu território fosse feita por uma autarquia vizinha. Não teria direito a pedir a restituição desse espólio? Quem fala de arqueologia poderia falar sobre outro tipo de património. Esse caracter regional, nalguns casos mesmo nacional, do museu e das suas colecções é um dos obstáculos que encontro neste processo.
Um segundo ponto tem que ver com uma “canibalização” dos museus já tutelados pelas autarquias interessadas neste processo. Em Aveiro, por exemplo, o que acontece à restante rede museológica do concelho? O Museu da Cidade de Aveiro fica em que ponto, como se posiciona, agora que entra na rede o Museu de Aveiro? Dir-me-ão que são museus distintos, que um não é um museu da cidade, mas isso leva-nos ao caracter do museu e sobre essa questão falei no parágrafo anterior. São diferentes sim, mas por isso é que eu acho que dificilmente podem ter a mesma tutela, mantendo as características actuais. Haverá casos, como as Caldas da Rainha ou a Nazaré, em que a questão não se colocará da mesma forma, mas não os conheço tão bem para afirmar que uma tutela municipal possa ser viável. No entanto, julgo que o Museu José Malhoa ou a Casa-Museu Anastácio Gonçalves teriam a ganhar se estivessem sob uma mesma tutela, não vos parece? Ainda que fosse a Direcção Regional de Cultura…
Por último, a minha discordância com esta alteração de tutelas, prende-se com a falta de visão estratégica de médio e longo prazo para os museus. Não é mal de que o país padeça só com este governo, antes pelo contrário, mas este governo e a reacção à crise económica contribuiu para um desinvestimento total no sector dos museus e, consequentemente, para uma delapidação do bom trabalho que a Rede Portuguesa de Museus fez (e poderia estar a fazer).
Apenas como nota final, esperando que seja apenas uma nota final, notem que a reunião da Câmara Municipal de Aveiro na qual se aprovou, por votação, a delegação de competências no município, não contou com a presença do vereador da cultura de Aveiro tal como é noticiado aqui. Será de nos preocuparmos?