Nos próximos dias 22 e 23 de Abril decorrerá online a conferência internacional Arte, Museus e Culturas Digitais, uma organização do MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa que tem como principal objectivo, nas palavras da organização, “debater o modo como as tecnologias digitais têm contribuído para a criação de novos territórios e motivado diferentes inovações na produção artística, nas práticas curatoriais e nos espaços museológicos” através de um debate entre diversas perspectivas e promovendo a discussão de trabalhos de investigação recentes, ou ainda em curso, em diversos países e diferentes contextos.
Confesso que já escolhi algumas comunicações que não quero perder, entre elas a keynote do Ross Parry e do Vince Dziekan – Critical Digital: Museums and their Postdigital Circumstance, que nos trará, estou certo, muito alimento para uma reflexão mais cuidada sobre o futuro dos museus. Eu irei moderar uma das sessões, sobre Interactive Digital Interfaces and Exhibition Design, e confesso que estou muito curioso por ouvir as três comunicações dessa sessão e aprender um pouco mais sobre um assunto que se relaciona, cada vez mais, com a utilização da informação das coleções no espaço expositivo. No entanto, é muito fácil encontrar no programa outros motivos para se inscreverem nesta conferência.
Todas as informações sobre o evento encontram-se no website da conferência e os procedimentos de inscrição estão disponíveis aqui.
Ando preguiçoso para escrever. Aliás, não é bem preguiça, são um conjunto de tarefas que me ocupam largo tempo e afectam a capacidade de pensar em museus para além do horário de trabalho. No entanto, hoje ao ler este artigo, partilhado pelo Luís Raposo no Facebook há uns tempos atrás, lembrei-me que queria escrever sobre a última visita que fiz com as crianças a dois museus da capital do Reino. Museus e crianças, uma seca valente ou uma oportunidade!?
O pretexto para visitar Lisboa, nas férias com os pais, foi a promessa de uma ida ao estádio para ver o Glorioso. Dessa “visita” poderei falar um pouco numa outra oportunidade, mas devo dizer que a concorrência é muito forte se pensarmos que isto é uma luta entre “outros entretenimentos” (leia-se bola ou parques aquáticos, por exemplo) e museus. A ida ao museu ficou para a manhã seguinte à bola e escolhemos, por sugestão minha, que queria há muito lá ir, o MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. Se não agradasse, teríamos sempre um passeio à beira Tejo com a luz fabulosa de um dia de verão.
Entradas e atendimento
Não vejam este texto como uma descrição da visita ao museu. O foco será a experiência com os meus pequenos, mas não posso deixar de expressar o meu contentamento por dois motivos:
os membros do ICOM são isentos de pagamento no MAAT (o que nem sempre acontece em museus privados);
os pequenos não pagam até aos 12 anos!
Além disso não fui corrido com um “ICOM? O que é isso?” como me aconteceu no início do ano numa outra visita a um outro museu português. Além dos descontos que tivemos, é importante salientar também a simpatia da menina que estava na recepção e a eficiência com que nos recebeu e respondeu às nossas questões sobre o museu e a visita integrada aos dois edifícios (a Central Tejo pode também ser visitada e nós optámos por o fazer).
O MAAT
Uma primeira nota. A famosa onda sobre o Tejo é bonita! Eu e a família gostamos dela, do “rooftop” e da ligação ao rio. A entrada no museu foi divertida. Demos de caras, na galeria oval, com a exposição de Tomás Saraceno e confesso, sem qualquer participação nossa, deixamos as crianças disfrutar o jogo de sombras e luz, as dimensões das obras, a sua disposição, as cores, as suas sombras. Passamos a sala só presos nas brincadeiras e na curiosidade que manifestaram. Certamente seria bom ter alguém, que não eu, a tentar explicar-lhes a exposição, mas para quê? Pergunto eu! Será necessário ou imperativo que lhes expliquemos. Não terão tempo para outras leituras? Não é o contacto com a arte essencial, mesmo sem compreensão imediata?
Exposição MAAT
Após a brincadeira seguimos para a exposição seguinte: Eco-visionários. Aqui a loiça foi outra. Muitos destes conceitos sobre ecologia e a noção do nosso impacto no mundo são ideias que abordamos em casa e na escola. A exposição é muito interessante do ponto de vista criativo e da forma como é desenhada, com um ritmo cativante e que fez com que crianças de 10 e 7 anos a percorressem com quase o mesmo interesse que o pai e a mãe. Uma única nota para a dificuldade que tem uma criança de 7 anos a ler legendas dos vídeos que estavam a passar!
Por fim, chegamos à Pan African Unity Mural de Ângela Ferreira, presente no Project Room e que lhes estimulou os sentidos pela cor. Julgo que foi onde demoramos menos tempo, mas nesta altura já eles (e a mãe) se queixavam do frio nas instalações do museu. Eu estava confortável, mas na realidade estava fresco o ambiente e fez-me lembrar a discussão entre o confronto das obras e o nosso que algumas vezes temos com colegas da conservação.
Acabada a visita ao novo MAAT, seguimos para a “velha” Central Tejo. Já lá não ia há muitos anos e para mim foi um regresso feliz, devo dizer.
A Central Tejo
Interior Central Tejo
É um dos museus de Lisboa que sempre gostei. Não o disse à família antes da visita para não influenciar ninguém. A oportunidade do bilhete único para os dois museus da EDP deu o mote e lá fomos. A visita faz-se entrando para a enorme sala das caldeiras que estava naqueles dias com uma instalação (com luzes e sons) que não foi muito do agrado do meu filho mais velho. O barulho era perturbador para ele. Eu confesso que gostei, mas tivemos que fazer um esforço para tornar a situação confortável para os meus filhos.
A Central Tejo não precisa de muito para nos cativar. A cada momento imaginamos o que fariam as pessoas que lá trabalhavam, as dificuldades que passavam, os conhecimentos que necessitavam de ter, a capacidade física (em alguns casos), a resistência e, por outro lado, as doenças que uma instalação daquelas provocou, certamente, em muitos dos seus trabalhadores. No entanto, seria bom ter mais alguma informação para ler, ver, consultar de alguma forma sobre o edifício, as máquinas, as salas, etc. junto a cada sala/máquina/objecto. Sei que o temos, em animações multimédia, mas numa parte específica da Central Tejo e, não queria pedir muito, mas se pudesse ter a mesma informação numa aplicação, seria excelente e poderia ter um maior grau de interactividade do que um ecrã com um vídeo animado a passar em loop. Fica a sugestão.
A varanda sobre o Tejo
Para finalizar a visita subimos à nova varanda sobre o Tejo. A cobertura do MAAT é, sinceramente, um local fabuloso para quem gosta da Luz de Lisboa. É admirável como aquela zona de Lisboa foi transformada e como é usufruida por turistas e lisboetas (os que ainda podem lá viver). Nós lá tiramos a selfie familiar, a foto da ponte e Cristo Rei e seguimos para o almoço satisfeitos.
E então, são seca ou não?
Os meus filhos gostaram. Tenho a noção que, enquanto pais, fazemos o que podemos para introduzir nos seus hábitos algumas actividades culturais como visitas a museus, monumentos, etc., idas a concertos, ao teatro, entre outros. Sabemos também que podiamos, se calhar devíamos, fazer mais, mas há também um espaço que deve ser, desde cedo, deles, vindo da sua cabeça, uma decisão própria, um pedido expresso para uma dessas actividades! E esse pedido já o conseguimos de ambos.
Sei bem que não há fórmulas mágicas. Uma resposta específica não serve para resolver todos os problemas desta natureza. No entanto, julgo que o esforço de aproximação entre crianças e museus/teatros/bibliotecas/concertos/”you name it” deve partir, na maioria, da relação familiar. O museu pode e deve fazer a sua parte. Tornar-se atractivo e pensar nos diversos públicos na sua programação, mas também não o podemos julgar por todos os males e resistências que tem no público infanto-juvenil.
Uma outra análise que também seria interessante fazer, prende-se com a forma como os museus são apresentados à maioria das crianças nas visitas escolares. Eu tenho uma breve, muito pouco fundada opinião sobre o assunto, que decorre da experiência de há alguns anos atrás no Museu de Aveiro e da experiência que vou tendo como pai que autoriza os pequenos nas visitas escolares, mas gostava de ler/ouvir alguém mais conhecedor do que eu! Alguém para um texto no speaker’s corner?
Por fim, importa dizer que das visitas que temos feito com eles, não me parece que os museus sejam uma seca para os meus filhos. Em alguns deles temos diversão, noutros reflexão, noutros ainda fascinação, mas na grande maioria deles aprendemos! Nem que seja uma pequena curiosidade revelada pelo mais insignificante dos objectos. E é isso que na realidade importa.
No próximo dia 18, vai decorrer, no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Encontro Internacional +Digital Future: Competences for the Cultural Sector, no âmbito do Projecto Mu.SA – Museum Sector Alliance (http://www.project-musa.eu/) no qual o ICOM Portugal é um dos parceiros portugueses juntamente com a Universidade do Porto e a Mapa das Ideias.
Este projecto procura criar um conjunto de ferramentas de formação para debelar a carência de competências digitais nos profissionais de museus que foram identificadas em outros projectos europeus como o eCultSkills. É um projecto ambicioso e participam nele um conjunto de instituições portuguesas, italianas, gregas e belgas que procuram desenvolver o programa para um MOOC e outro tipo de formações que serão testadas nos diferentes países.
A conferência que terá lugar no Porto, já no próximo dia 18, terá como convidadas a Conxa Rodà (do Museu Nacional de Arte da Catalunha), a Ana Álvarez Lacambra (do Museu Thyssen), o Francisco Barbedo (da DGLAB), o Luís Sebastian (do Museu de Lamego), a Panagiota Polymeropoulou (da Hellenic Open University) e o Ricardo Queirós (do Politécnico do Porto) que nos darão uma perspectiva internacional sobre este assunto e sobre o que podemos fazer para melhorar as capacidades técnicas dos profissionais de museus. O programa está já disponível e parece-nos que despertará o interesse de muitos colegas e amigos.
Todos os interessados na conferência podem inscrever-se desde já através do site do Encontro. Espero ver todos por lá! Se precisarem de alguma informação adicional sobre o Encontro, entrem em contacto com a organização através dos contactos disponíveis no site da conferência.
“Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”
Nietzsche, Friedrich, Além do Bem e do Mal – Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 31. 3ª edição. Editora Escala, 2011.
Li pela primeira vez esta frase de Nietzsche, acreditem ou não, num livro da Marvel chamado “Guerra Infinita” (vai ter direito a filme no próximo ano) publicado há muitos anos atrás e recordo-a sempre que vejo alguém combater um problema, com um outro problema ou criando um problema ainda maior. É, ou melhor tem sido, o que acontece com a migração e os migrantes actualmente. Olhamos de forma indignada para a monstruosidade que causa a migração em massa, mas a inércia que temos face a este problema tem um potencial enorme para nos transformar em monstros. Não me tomem à letra. Eu sei que é uma questão complexa, mas sinceramente não deveríamos fazer mais para resolver isto?
Não se cansem que eu próprio respondo. Devíamos!
E foi isso mesmo que a Acesso Cultura fez com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Uma publicação intitulada A Inclusão de Migrantes e Refugiados: O Papel das Organizações Culturais que pretende ser uma ferramenta de apoio para que as instituições culturais (museus e não só) possam ter um papel activo no esforço para a inclusão das pessoas que se vêem obrigadas a migrar ou forçadas a procurar asilo fora e longe dos seus países. Um documento que contém entrevistas, recomendações, contactos úteis, referências bibliográficas sobre o tema, etc. que nos ajudam na procura das respostas às questões iniciais: Por onde começar? O que é preciso saber? O que fazer e como?.
À Maria Vlachou vai daqui um enorme obrigado por este excelente trabalho. Obrigado esse que estendo à Ana Carvalho, à Ana Braga e ao Hugo Sousa e a todos os envolvidos neste excelente contributo.
A publicação pode (e deve) ser descarregada aqui (em Português e Inglês).
É um assunto recorrente, como quase todos os estruturais na Cultura, nos museus nacionais: que modelo de gestão podemos adoptar para melhor a performance dos museus?
Sinceramente, sem ter de consultar algum do histórico que vou guardando de notícias, recordo-me de ler sobre o assunto sempre que mudamos de governo (para o bem ou para o mal), sempre que há uma polémica na nomeação/exoneração de um dirigente ou sempre que se fala dos exíguos orçamentos para a Cultura e das maravilhosas intenções de todos os responsáveis políticos de chegarmos ao mítico 1%!
By Fulviusbsas (personal archive) [GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html) or CC-BY-SA-3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)], via Wikimedia Commons
A discussão sobre o(s) modelo(s) de gestão é agora trazida à ribalta pelas declarações do novo Ministro da Cultura sobre o caso específico do Museu Nacional de Arte Antiga. Segundo Castro Mendes está a ser pensado um novo estatuto jurídico, que no futuro poderá ser alargado aos restantes museus, com o objectivo de libertar a direcção do museu dos constrangimentos impostos pela pesada máquina burocrática do Estado, excluindo a possibilidade de uma concessão a privados como uma das opções em estudo.
No imediato li e ouvi a reacção de diversos colegas e personalidades sobre este anúncio e gostaria de destacar, pela densidade e contexto, as reflexões de Nuno Vassalo e Silva (um brilhante texto com argumentos muito importantes que devem ser observados), de Maria Isabel Roque (com um contexto internacional interessante e alertando para a necessidade de uma análise mais global sobre esta matéria), de Raquel Henriques da Silva (com bons argumentos sobre uma decisão que se arrasta há tempos e que é mais do que merecida pelo MNAA), de Luís Raposo (a lembrar que não é um caso único o MNAA e não deve ser visto assim), de Maria Vlachou (onde elenca uma série de questões muito importantes para a discussão criada) e, por fim, este interessante texto de Foteini Vlachou. No entanto, e percebendo toda a complexidade deste exercício de procura de um novo estatuto ou modelo, não consigo ficar descansado quando me dizem que está a ser pensado um novo modelo/estatuto, mas em boa verdade esse modelo não é discutido de forma aberta e clara em diversos fóruns públicos.
Imagino, ou melhor, espero sinceramente que esta discussão esteja a ser discutida entre a tutela e o museu, que sejam até convidados alguns especialistas para discutir um novo modelo, que exista de todas as partes a melhor das intenções, mas, por experiência, sei que o modelo de gestão só será tornado público quando tiver uma forma definitiva e, frequentemente, “difícil de alterar”. A municipalização de vários museus anteriormente geridos pelo estado central (concorde-se ou não com esta passagem) foi, em grande parte, assim conseguida.
Acreditem que compreendo o constante apelo da direcção e equipa do MNAA por um novo modelo que lhe permita gerir a instituição sem as restrições impostas pela condição actual. É justo que o peçam e é justo haja uma reflexão sobre o assunto. Mas será justo que essa reflexão seja feita apenas para o MNAA? E o Soares dos Reis e o Machado de Castro? E os restantes museus nacionais? Ficam sujeitos às restrições actuais (suas e do MNAA), porque não são o primeiro dos museus portugueses? Não me parece justo, bem como também não me parece comparável a situação portuguesa, com a Inglesa, Francesa ou Espanhola, na qual se pretende equivaler o MNAA com o British, Louvre ou Prado, porque a realidade e o contexto são diferentes e o MNAA não é um museu enciclopédico, as suas colecções têm um âmbito específico.
É um museu extraordinariamente importante em Portugal, mas integrado numa rede de museus nacionais que tem o mérito da complementariedade. É exactamente este ponto, em meu entender, que justifica uma discussão sobre modelos de gestão para os museus portugueses e não apenas para um deles.
Que novo modelo?
Mas então que novo modelo procuramos? Não é, segundo recordo das palavras do Ministro da Cultura, uma “privatização” da gestão e também não se trata do modelo fundação (aliás o modelo fundação é, se seguido o exemplo do Côa, algo a que devemos fugir com muita convicção). Será um modelo completamente novo, baseado numa “entidade cuja natureza jurídica está a ser estudada” com “maior autonomia administrativa e financeira” e que permitirá “o mecenato, mas de maneira nenhuma será uma concessão a privados”, ou seja, um modelo difícil de encontrar, mas que obedecendo a estas condições terá, em minha opinião, sérias possibilidades de ser um enorme sucesso. Aguardemos pois então por este novo estatuto, no entanto, algumas coisas que julgo devem merecer a atenção de quem o está a equacionar:
Quadro de pessoal: que condições terá o museu para se dotar dos recursos humanos necessários ao cumprimento da sua missão? Será capaz de renovar a equipa? Nos mesmos termos da contratação pública? Com as mesmas exigências? Quem avalia e define qual é, ou deve ser, a constituição da equipa? Se discutido isoladamente o novo estatuto do MNAA, será que técnicos de outros museus poderão concorrer a novos lugares? E será que o quadro de pessoal será aberto a pessoas sem vínculo à função pública? permitirá este novo estatuto uma maior empregabilidade no sector museológico? Esta questão é contemplada na discussão?
Desenvolvimento da colecção: Que dotação será dada pelo Estado para aquisições para a colecção? Qual será o enquadramento legal para novas incorporações? Que meios terá o museu para assegurar a gestão da colecção e como é que o novo estatuto irá lidar com essa questão?
Avaliação: de que forma será feita a avaliação do novo modelo/estatuto jurídico? Se este falhar como irá o Estado intervir na questão? Se a avaliação suscitar questões relevantes que implicam alterações ao modelo/estatuto, como as concretizar?
Estas são apenas algumas questões que gostaria de lançar para debate, mas julgo que o tema (interessante e vasto) não pode, ou pelo menos não deve, ser tratado em portas fechadas. Muitas mais questões poderiam ser levantadas e observadas através da discussão de modelos implementados em países como o Brasil ou Itália, entre outros. Não creio que tenhamos essa possibilidade, mas este debate deveria ser aberto e amplo para bem dos museus e do sector museológico português.