Da crise

Da crise

Não é novidade para alguns dos meus leitores a minha posição crítica em relação à ausência de uma política museológica (e outras) em Portugal que seja maior do que a legislatura e não mude consoante a cor política de cada governo. Já o afirmei, ainda que por outras palavras, aqui e aqui.

No entanto, as notícias (no Público e no I) que nos chegam sobre a Rede Portuguesa de Museus suscitam, em todos os que se preocupam com os museus em Portugal, uma apreensão sobre o futuro de um sector que é frequentemente tratado como o parente pobre da área cultural.

Pese embora o seu início não ter sido, no meu entender, o mais apropriado (recordo que os museus do Estado entraram na RPM sem a avaliação devida), a Rede Portuguesa de Museus conseguiu ser um projecto capaz, inteligente, estruturado para o sector, tendo conseguido, por mérito próprio, a capacitação de vários museus por todo o país e promovido, durante esse processo, uma significativa melhoria no panorama museológico nacional. Um papel importante que não devia ser posto em causa neste período de transição, mas que o está a ser efectivamente. Se aqui juntarmos a demora da transição, os problemas com nomeações e reconduções, a desorçamentação do sector, etc. temos motivos para bem mais que uma simples apreensão.

Programa do XIX Governo para a Cultura

Programa do XIX Governo para a Cultura

A alteração de estatuto (perda de estatuto segundo a opinião de alguns) da Cultura no XIX Governo de Portugal aguçou-me a curiosidade sobre o programa de governo para os próximos 4 anos nesta área. Seria assim tão limitado? Algo escrito apenas para cumprir o propósito de a Cultura não passar esquecida num documento com esta importância? Qual seria o peso da Cultura em termos relativos no novo formato? E, finalmente o mais importante, que ideias, estratégias, medidas estavam ali mencionadas?

Estas dúvidas foram similares às que tive quando da tomada de posse do anterior governo e que me fizeram ler o então programa do XVIII Governo Constitucional. Se precisarem de recordar ou ler pela primeira vez podem encontrar o dito aqui. Eu precisei de recordar e devo dizer (pese embora ter sido um governo com mandato reduzido pelas circunstâncias que todos conhecemos) que dois anos depois a Cultura (uma aposta de então, se bem se recordam das palavras de José Sócrates) não teve o papel prometido pelo governo socialista. Poderão ter todas as justificações circunstanciais, mas realmente a prioridade prometida não foi de todo cumprida.

Comparando os dois programas de governo as diferenças são notórias. No anterior propunha-se o investimento e reforço do orçamento da Cultura, no actual propõe-se uma avaliação e redefinição do papel do Estado na Cultura. Nada de novo tendo em consideração uma e outra família política. O focus de um e outro centra-se em alguns eixos (obrigatórios de resto). A saber: Língua (adicionem aqui o Livro e rede de bibliotecas, etc.), Património, Artes e Indústrias criativas e Culturais. No entanto as diferenças na estratégia e medidas são também notórias.

Vejamos a questão do Património (leia-se Museus) que é a que mais me interessa particularmente. Sobre o tema está inscrito no Programa de Governo o seguinte:

Representando a herança comum de todos os portugueses, o Património tangível e o Património intangível são simultaneamente um importante factor de identidade nacional, referências fundamentais na educação dos portugueses e elementos de enorme potencial para a nossa economia. Daí a necessidade de assumir a manutenção responsável e a valorização dos museus e monumentos nacionais, a promover com as Autarquias, as Escolas e a Sociedade Civil, reconhecendo um contributo que não se esgota na sua contemplação e fruição.

No difícil período que atravessamos o governo abordará a rede nacional de Museus não numa perspectiva de criação de novas estruturas mas no sentido de optimizar os recursos existentes, valorizando a conservação, a investigação e a interacção com o público. No prazo de um ano, o Governo apresentará a sua proposta para uma nova estratégia da Rede de Museus.

Num prazo de seis meses, o Governo estudará a revisão do regime de gratuitidade dos museus, diminuindo o período da sua aplicação. Ao mesmo tempo, irá promover a discussão sobre os seus horários de funcionamento.

[…]

No prazo de dois anos, a Secretaria de Estado da Cultura apresentará o primeiro inventário-base do Património Imaterial Português.

São algumas ideias básicas que espero ver desenvolvidas e concretizadas na nova lei orgânica (prometida para daqui a 90 dias) da Secretaria de Estado para poder reflectir mais sobre elas. No entanto, posso já dizer que me agrada a ideia de uma maior participação e envolvimento das Autarquias, Escolas e Sociedade Civil na defesa, manutenção e valorização dos museus e monumentos. Se bem pensado a actual intenção do IMC em descentralizar a gestão de alguns museus é bem meritória, no entanto, não julgo que a manutenção dos quadros de pessoal e de uma certa dependência ao organismo central seja possível concretizar. Se alguém assumir a responsabilidade de gestão de um Museu, imaginemos o caso de uma autarquia, quererá, tenho a certeza disso, poder pedir responsabilidades e atribuir mérito a pessoas que façam parte das suas equipas e sobre as quais tenham responsabilidade hierárquica.

Outro aspecto importante a salientar é a abertura da discussão em torno da estratégia da Rede Portuguesa de Museus, da gratuidade dos museus e também dos horários de abertura dos museus. Junto-os num ponto apenas, porque julgo serem indissociáveis da discussão maior e importante que é a estratégia da RPM e, consequentemente, da estratégica política a seguir na museologia. Aqui, meus caros, é onde devemos concentrar toda a nossa atenção e esforços no sentido de avaliar a proposta do governo e depois discutir e apresentar as melhores propostas enquanto agentes no sector. Uma nova estratégia (que já agora não tinha nada a ver com construção de museus, mas sim com certificação da qualidade dos museus existentes e deve manter esse eixo estratégico) que possa contemplar vários aspectos e imprimir à RPM um papel bem mais abrangente do que aquele que tem hoje em dia em termos de fiscalização, atribuição de fundos, certificação de qualidade, reconhecimento e creditação de forma independente e transparente de profissionais, empresas e produtos no panorama museológico nacional.

O último ponto referido em cima levantou-me a seguinte questão: Como se vai fazer o “primeiro inventário-base do Património Imaterial Português” de acordo com o que foi apresentado publicamente no Museu Nacional de Arte Antiga no passado dia 1.

Dúvidas e algumas certezas (mais dúvidas) no entanto espero sinceramente que este governo possa ser bem sucedido nesta área. O anterior bem disse que o iria ser e podemos assistir a uma constante diminuição dos recursos disponíveis. Este assume a intenção de redefinir e restruturar, começando pelo topo, e a falta de meios, falta saber se é agora que podemos “fazer mais com muito menos”!