by Alexandre Matos | Mar 7, 2012 | Debate, Museus
No próximo dia 21 de Março faz 6 anos que o Museu da Língua Portuguesa de S. Paulo foi inaugurado. Recordo que o facto (o projecto era pouco conhecido para a maioria dos cidadãos portugueses) teve um impacto enorme em toda a comunicação social lusófona (e não só) e foi, desde logo, colado à questão, não sei se deverei dizer imbróglio, do acordo ortográfico, assumindo-se o museu como uma ferramenta política de divulgação e promoção do Português como verdadeira língua internacional (reconhecida nas instituições internacionais como a ONU).
Hoje dei de caras, na arrumação dos “papéis” digitais com um link para um artigo do New York Times que fala exactamente sobre algumas questões com que a nossa língua (o nosso maior e mais vivo património) se debate na sua afirmação.
É engraçado notar como se mantém actual o artigo.
by Alexandre Matos | Mar 2, 2012 | Debate, Museus
Ainda trabalhava no Museu de Aveiro quando pela primeira vez ouvi falar sobre a Rede Portuguesa de Museus. Estávamos nos idos de 1999 ou de 1998, em pleno apogeu de desenvolvimento do país e ainda sobre o efeito desse grande evento que foi a Expo 98.
Recordo ainda a reunião, em que acompanhei, com outro colega, a Isabel Pereira, à altura directora do Museu de Aveiro e uma das pessoas que mais me ensinou sobre a profissão, no Museu Nacional de Arte Antiga, onde foi discutido o conceito de rede e o envolvimento dos museus tutelados pelo Instituto Português de Museus na mesma. O entusiasmo com o processo e as expectativas que criei para o futuro dos museus portugueses, com a criação de uma entidade do género que pudesse servir de regulador de qualidade e ter um papel interventivo (politicamente e economicamente falando) na definição de um rumo e políticas a longo prazo para o sector, foi enorme. Enorme ao ponto de me parecer uma questão menos importante, hoje reconheço que foi um erro grande (embora justificável), a entrada dos museus tutelados pelo IPM de forma directa para a RPM. Lembro-me que algumas pessoas criticaram essa medida na altura, com o argumento do exemplo que deveria ser dado, mas o facto histórico é que entraram de forma directa e só depois foram alvo de avaliações e melhoramentos.
No entanto, sempre fui totalmente favorável à existência da RPM. Crítico em relação a algumas questões (a da certificação do software de gestão de colecções e a pouca importância dada à documentação dos museus no processo de certificação, por exemplo), mas sempre favorável à sua existência e reconhecedor do mérito e importância que tem no panorama museológico nacional. Acho mesmo que se pode afirmar que para a museologia e museus portugueses podemos dizer que existe um Antes da RPM e um Depois da RPM. Sobre isto já tinha falado aqui e não há muito tempo.
Tecido o merecido elogio, que é estendido a todos os colaboradores da rede (porque foram eles que construíram a RPM como ela é/foi) como não poderia deixar de ser, é tempo agora de pensar o futuro da mesma. É certo (será?) que a RPM é parte integrante do programa do governo (convém recordar que muita coisa também fez parte de programas de governos anteriores, não é?). A determinado ponto escreve-se no referido documento:
No prazo de um ano, o Governo apresentará a sua proposta para uma nova estratégia da Rede de Museus.
Eu sei que o prazo ainda não acabou. Julgo não estar errado quando digo que temos apenas 8 meses deste governo, mas apenas como indicador tínhamos 90 dias para a definição da nova orgânica da SEC e só agora começamos a vislumbrar a formatação que o governo pretende para a administração central em relação ao Património com a nova DGP (que junta IGESPAR, IMC e DRCLVT). No entanto, a discussão que se deveria fazer sobre a nova estratégia para a RPM não é conhecida, não é pública e aberta a todos aqueles que serão influenciados (pessoas e instituições) pela nova estratégia. Teremos na mesma uma entidade dependente do poder central? Será pensado um outro modelo em que diferentes sectores e tutelas ligados aos museus poderão ter um papel mais activo? Será fruto de uma política museológica nacional pensada para o longo prazo e com um compromisso abrangente das diferentes forças políticas? Terá uma preocupação em chamar a comunidade museológica para si, como agora acontece? Terá um papel maior na atribuição de verbas de fundos comunitários aos museus? Terá em si preocupações com outras redes como a (anunciada e não concretizada) rede de conservação? Poderá tonar-se maior do que é e estabelecer-se como um organismo mais independente, certificador, regulador, que possa ter meios para promover a qualidade em todas as diferentes vertentes do trabalho museal?
Há um sem número de questões que se levantam e que seria importante começar a debater. No entanto, os sinais que vemos não são os melhores. Se a RPM é, para os actuais responsáveis, uma aposta de futuro, como se compreende a demissão não continuidade de uma equipa cujo o mérito é reconhecido pela maioria das pessoas que conhecem o seu trabalho? Como se pode tomar uma decisão destas, justificando com questões processuais, sem antes definir a estratégia a seguir? E anunciar em seguida que aquelas pessoas podem e até deviam ser integradas no quadro do IMC?
Esta discussão deveria ser pública e alargada e deveria dar origem a uma estratégia tão consensual quanto possível para que a sua implementação possa ser estável e não estar dependente da deriva que cada governo posterior possa ter sobre este aspecto. Sabendo que é algo raro em Portugal era bom que os museus e a sua Rede pudessem ser o exemplo de algo com continuidade e estruturante no país.
by Alexandre Matos | Mar 1, 2012 | Debate
Para descanso de consciência uma prévia declaração de interesses torna-se obrigatória. Trabalho na empresa Sistemas do Futuro e sou parte de uma equipa que trabalha, desde 1996, a desenvolver software (bom e testado em quase duas centenas de clientes) de gestão e documentação de património cultural (móvel, imóvel e imaterial) e natural que é a base de muitos dos repositórios digitais de colecções de museus e outras instituições que têm a seu cuidado a nossa herança patrimonial.
Posto isso, vamos ao que motivou o clique no adicionar mais um post aqui no Mouseion.
Hoje tive conhecimento da newsletter onde a empresa BOND, actual detentora do software Matriz e concorrente da Sistemas do Futuro, divulga a versão 3.0 do software desenvolvida em parceria com o extinto Instituto de Museus e Conservação, fruto de aquilo a que um responsável do referido instituto designou como uma parceria público-privada de sucesso e sem peso no erário público.
A determinado ponto deste documento é dito “As suas características absolutamente inovadoras – em termos conceptuais, tecnológicos e de operabilidade –, bem como o facto de ser o único sistema no seu género em Língua Portuguesa desenvolvido em conformidade com a Norma ISO 21127:2006, concorrem para que o Matriz 3.0 se constitua como um sistema de informação de vanguarda a nível nacional.” e esta informação peca por estar errada por duas ordens de razão: a primeira tem a ver com o facto de tal afirmação só poder ser verdade se houvesse alguma entidade que certificasse a utilização da referida norma por qualquer sistema de gestão e documentação de património e indicasse apenas o Matriz como único software certificado no mercado lusófono (caso não conheçam a norma, poderão consultar o site do CIDOC CRM onde se encontra toda a informação sobre aquela norma); a segunda, decorrente da primeira, tem a ver com o simples facto de haver no mercado pelo menos dois sistemas que seguem, ou dizem seguir, as orientações da referida norma: os desenvolvidos pela Sistemas do Futuro (que tem inclusivamente um dos seus colaboradores a desenvolver um projecto de doutoramento em museologia sobre aquela norma) e o Index Rerum (segundo podemos perceber no site sobre este software usado pelos museus da Universidade do Porto).
Em todo o caso é estranho que o software de referência do IMC, publicitado inclusivamente no próprio domínio do IMC, se diga o único que responde a uma norma que tem como princípio fundamental a interoperabilidade entre sistemas através da promoção de uma semântica comum e depois necessite de cobrar pela migração das bases de dados do IMC que usavam, pasme-se, uma versão anterior do mesmo sistema.
Não quero no entanto que me interpretem mal. O referido software estará em conformidade com a ISO21127:2006 se assim o afirmam. O que não podem afirmar é que os restantes não estão.
Em todo o caso estas questões poderiam (deveriam) ser evitadas se houvesse da parte da Rede Portuguesa de Museus* uma avaliação dos sistemas, semelhante à que a Canadian Heritage Information Network faz, usando uma lista de critérios que pudessem dar uma classificação objectiva a cada um dos sistemas e assim certificar a sua utilização e a sua compra pelos museus interessados.
* infelizmente ferida de morte com as últimas e incompreensíveis decisões sobre a excelente equipa, mas sobre isso falarei num outro post.
by Alexandre Matos | Fev 17, 2012 | Debate
A crise acarreta riscos para o património cultural para os quais nem sempre estamos alerta. Será porque a maior parte de nós não tem a consciência do que pode acontecer, dos riscos que o património corre, das cedências que o tempo de crise, supostamente, obriga, enfim uma infindável lista de situações que são agravadas com o facto da nossa primeira preocupação (e segunda, e terceira, quarta, etc) ser a situação económica e financeira de cada um, do país e da UE.
Por isso hoje preocupo-me com esta notícia e felicito o Secretariado dos Bens Culturais da Igreja por esta esperando que cada um de nós possa estar atento (profissionais da área e público em geral) para os perigos a que a nossa enorme herança cultural (e aqui falo como um Grego, ou como um europeu solidário com aqueles que representam a fundação da nossa cultura num momento extremamente difícil) está sujeita.
by Alexandre Matos | Fev 7, 2012 | Debate, Museus
Não é novidade para alguns dos meus leitores a minha posição crítica em relação à ausência de uma política museológica (e outras) em Portugal que seja maior do que a legislatura e não mude consoante a cor política de cada governo. Já o afirmei, ainda que por outras palavras, aqui e aqui.
No entanto, as notícias (no Público e no I) que nos chegam sobre a Rede Portuguesa de Museus suscitam, em todos os que se preocupam com os museus em Portugal, uma apreensão sobre o futuro de um sector que é frequentemente tratado como o parente pobre da área cultural.
Pese embora o seu início não ter sido, no meu entender, o mais apropriado (recordo que os museus do Estado entraram na RPM sem a avaliação devida), a Rede Portuguesa de Museus conseguiu ser um projecto capaz, inteligente, estruturado para o sector, tendo conseguido, por mérito próprio, a capacitação de vários museus por todo o país e promovido, durante esse processo, uma significativa melhoria no panorama museológico nacional. Um papel importante que não devia ser posto em causa neste período de transição, mas que o está a ser efectivamente. Se aqui juntarmos a demora da transição, os problemas com nomeações e reconduções, a desorçamentação do sector, etc. temos motivos para bem mais que uma simples apreensão.
by Alexandre Matos | Dez 22, 2011 | Debate
Não saberão todos os meus amigos e leitores, mas eu sou um Espinhense de gema. Nasci, fui criado e vivi os meus primeiros 32 anos na (antiga) Rainha da Costa Verde, cidade banhada pelo Atlântico, pequena, a 20 km do Porto (aproximadamente), encaixada entre os enormes concelhos de Vila Nova de Gaia, Santa Maria da Feira e Ovar. Cidade que se orgulha(va?) da sua organização quadricular em ruas paralelas e perpendiculares ao mar, às quais se deram números, em vez dos (muitas vezes imerecidos) nomes habituais na maior parte das cidades portuguesas. Esses ficaram para os liceus, escolas, pavilhões, estádios, bibliotecas e outros edifícios (aos quais já vamos) e para a parte norte da esplanda que recebeu o nome de dois famosos atletas da terra, mas que toda a gente conhece por esplanada e pronto.
À minha terra chega-se pela rua 19, 24, 62 ou 20 e podemos facilmente perceber para onde queremos ir se soubermos que as ruas paralelas ao mar são números par e as perpendiculares são números ímpar. Se soubermos em que rua estamos e a próxima com que se cruza, é muito simples sabermos o caminho a tomar.
Espinho tem tudo para ser uma cidade com um nível de vida excelente. Tem tudo ao pé, a proximidade ao Porto ajuda nas falhas e não é um simples dormitório. No entanto, é com tristeza que tenho visto, ao longo de muitos anos a sua degradação acentuar-se. São ruas estragadas, edifícios públicos e privados a degradarem-se, comércio a fechar, a frente marítima sempre na mesma (e em parte para pior), a infeliz requalificação do recinto da feira, a construção do tribunal naquele local, a envolvente do Centro Multiusos, enfim são vários os pontos que podemos verificar que demonstram a crise que a cidade vive. Por outro lado também podemos ver os números e verificar que Espinho tem perdido habitantes ao longo dos últimos anos (eu sou um deles e conheço bastantes mais) e está a ficar uma cidade envelhecida.
Podem os meus amigos dizer (quem conhece) que não tivemos uma boa Câmara durante muito tempo, podem dizer que também não temos agora ou que agora temos mas leva tempo a recuperar o que se perdeu. Podem até dizer que é um processo normal, mas, na minha opinião, a justificação é simples e abrange não só a cidade como todo o país. O principal factor que nos leva a este ponto é a ausência completa e absurda (continuada ao que vou vendo) de uma estratégia, de um rumo, de um caminho a seguir que perdure para além de cada mandato municipal e esteja acima de mesquinhos interesses pessoais e partidários.
Claro está que esse rumo exige planeamento e capacidade de execução. É certo. Mas se nem a perspectiva do rumo temos, como o podemos planear? É, a meu ver, angustiante!
Serve este pequeno intróito para vos falar de (mais) uma chaga que podemos ver na nossa cidade sempre que entramos pela rua 19 (é sempre o meu caminho de entrada) e estamos quase a chegar ao tribunal: o Palacete Rosa Pena.
Este palacete é um dos edifícios emblemáticos de Espinho. Confesso que desconheço a sua história, mas penso ter lido algures que foi mandado construir por emigrantes brasileiros (os brasileiros de Torna Viagem) na década de 30 do século passado e é sempre apontado como um excelente edifício de arquitectura da época (confesso que os meus conhecimentos não me permitem afirmar nada com grande certeza sobre o edifício). A dada altura foi utilizado como escola e é dessa altura que eu guardo as melhores memórias do Palacete Rosa Pena. Tinha aulas de educação física (num pequeno ginásio que foi construído atrás e entretanto demolido), de Religião e moral e penso que de uma ou outra disciplina. Hoje o Rosa Pena está assim:
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© Ruin’Arte
E o assim pode ser visto por dentro e por fora no interessante projecto que é o Ruin’Arte da autoria do Gastão Brito e Silva que vai pondo a descoberto a forma miserável e triste como cuidamos da nossa Memória Colectiva.
Sobre o Palacete Rosa Pena queria apenas dizer que a Câmara Municipal de Espinho podia fazer melhor. Podia ter usado este edifício para o Museu da Cidade, em vez de o colocar no FACE, por exemplo. Percebo que o edifício que é propriedade de privados seja valioso e que os seus proprietários queiram ser compensados pelo seu valor (um quarteirão em Espinho é um valor astronómico a avaliar pelo que se pede por um T3 no centro da cidade), mas será que não haveria forma de os conseguir compensar e acrescentar à cidade um pouco da sua memória? Não podiam ser os proprietários compensados com outro(s) terreno(s) ou de outra forma justa? É válido que se possa deixar degradar um edifício destes a ponto de cair e assim não estarmos sujeitos às questões de protecção do património!?
Que me dizem vocês?