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Tipos de Documentação em Museus
O prometido é devido, já lha dizia o grande Rui Veloso na canção. Ora assim sendo, aqui vai o segundo post desta nova vida do Mouseion. Desta feitasobre os diferentes tipos de documentação que devemos encontrar nos museus sobre as suas coleções.
A documentação em museus é um processo abrangente e multifacetado que vai muito além do simples inventário ou cadastro de objetos. Para garantir a gestão eficiente das coleções, os museus utilizam diversos tipos de documentação. No post desta semana, exploraremos os principais tipos de documentação e como eles se complementam.
Inventário e/ou cadastro
Não há como começar por outro tipo de documentação. É uma lista exaustiva de todos, repito, todos os objetos que estão à guarda do museus em determinado momento. Desde que haja uma responsabilidade legal sobre determinado objeto, o museu terá que saber dar resposta a questões muito simples que devem fazer parte de qualquer inventário ou cadastro (o nome é indiferente e podem escolher o que melhor vos aprouver). As questões a que deve saber responder com este tipo de documentação são:
O que é? Onde está? Como é? Como está? De quem é?
Para o fazer o museu precisa de ter uma lista (um excel desta vida, senhores) com informação do número de identificação do objeto (número de inventário, número de cadastro, número de entrada, etc.), informação sobre a localização do objeto atualizada e credível, informação sobre as suas características fisícas (dimensões, materiais, informação intrínseca ao objeto, como marcas específicas e importantes para a sua identificação), informação sobre o estado de conservação e informação sobre a instituição que detém a propriedade do mesmo.
Ajuda imenso, claro está, ter o número de inventário no excel, mas não esquecer de o marcar no objeto, ok? E já agora, uma fotografia. Hoje em dia são baratas, simples de usar e como o código-postal, são “meio caminho andado”!
Depois deste (que deve ser condição obrigatória para uma instituição se chamar museu ou poder guardar património cultural, partimos para outros patamares.
Documentação de aquisição ou incorporação
Deve ser feita quando um objeto entra na coleção de um museu, ou melhor, no processo de entrada de um objeto num museu. Sempre. No entanto, e como bem sabemos, há museus que têm uma enorme lista de pendências para resolver sobre a documentação de incorporação das coleções existentes e por isso é necessário criar procedimentos para o que entra de novo e procedimentos e planos para o que já existe, mas a instituição não tem como provar a sua posse. Os procedimentos de aquisição e documentação retrospectiva podem ser encontrados na norma spectrum (ide e lede) que a versão 4 chega e está já em Português), mas é necessário procurar planear a recuperação das pendências e ter em conta que para as novas incorporações não nos esquecemos de guardar informação sobre:
• a origem do objeto (proveniência anterior)
• a data de aquisição/incorporação
• as condições de aquisição/incorporação, ou seja a descrição do tipo e incporação (compra, doação, escavação arqueológica, entre outros) e informação associada
• a documentação legal, como contratos ou termos de doação
Provar a posse das suas coleções é quase tão importante como o inventário, em termos de documentação! Não existindo informação sobre a incorporação das coleções, o museu sujeita-se a ter pedidos de herdeiros para devolução de objetos ou manter objetos com origem duvidosa na sua posse, para citar apenas dois exemplos.
Catalogação
A catalogação é o processo de organização da informação de uma coleção para a criação do seu catálogo. É o processo mais demorado e exigente da documentação em museus, na minha opinião. Procura combinar e organizar a informação intrínseca e extrínseca sobre cada objeto e sobre as entidades, eventos, documentos e procedimentos a ele associados. É essencial para permitir a construção de um sistema de conhecimento sobre cada coleção que possa ser utilizado para a gestão da coleção, para a criação de narrativas pelo museu, para a organização de exposições, entre muitas outras actividades museológicas.
São aqui registadas de forma detalhada informações como:
• Descrição física (tamanho, material, técnica)
• Autores e outras entidades relacionadas
• Função ou uso
• Datação e período histórico
• Local de origem
• Proveniências (as anteriores à de incorporação)
• Informação de contexto (arqueológico, produção, etc.)
• Fotografias do objeto
• Entre muitas outras informações que dependem do tipo de coleção
A catalogação implica atualização constante e, consequentemente, manutenção de histórico de informações e registos. É um instrumento fundamental para utilizar as coleções e para as colocar ao serviço dos profissinais de museus e da comunidade.
Documentação de conservação
A documentação sobre os processos de conservação (preventiva e curativa) e a informação sobre o estado de conservação das coleções é outro tipo de documentação que importa acautelar e planear cuidadosamente. Não o fazer é deixar ao acaso a manutenção e preservação do património cultural que guardamos nos nossos museus. Deve ser sempre encarada como prioritária nos planos de documentação e nas políticas ao de documentação estabelecidas pelos museus.
Um bom sistema de informação num museu tem sempre acautelada a documentação da actual condição física e funcional dos objetos e mantém um histórico de informação sobre a evolução do estado desde que um objeto é incorporado. O registo de todas as intervenções de restauro é também fundamental. Assim a documentação de conservação deve incluir:
• Condição atual do objeto (e histórico de estados)
• Intervenções de conservação realizadas (limpeza, restauro, etc.)
• Recomendações para armazenamento e exposição
Esses registros ajudam a monitorizar mudanças na condição do objeto ao longo do tempo e a tomar decisões que permitam uma eficaz gestão de riscos.
Documentação de utilização das coleções
É um tipo de documentação frequentemente inexistente e que provoca, na minha opinião, um vazio de conhecimento pouco reconhecido. A documentação de utilização das coleções diz respeito à gestão da informação gerada quando um objeto ou grupo de objetos são utilizados, por exemplo quando um objeto é utilizado numa exposição, num estudo científico, numa publicação ou num outro evento, é gerado um conjunto de informação que devemos guardar e organizar. Este tipo de documentação providência dados relativos a:
• Temas e narrativas de exposições ou outros eventos (palestras, aulas, visitas guiadas, etc.)
• Local e duração das mesmas
• Condições de iluminação e clima no espaço expositivo
• Créditos e acordos de empréstimo, no caso de exposições temporárias
• Referências bibliográficas
• Análises físicas (que podem ser destrutivas em alguns casos)
• Outras informações relacionadas com os eventos de utilização das coleções
Documentação jurídica
A documentação jurídica implica tudo aquilo que o museu deve registar e manter atualizado (incluindo aqui também a prova de posse legal de um objeto) que permita garantir que o museu esteja em conformidade com as leis e regulamentos. Este tipo de documentação cuida de registar e gerir informação sobre:
• Títulos de propriedade
• Direitos de autor, de propriedade intelectual, de imagem, etc.
• Acordos de empréstimo e transferência
• Certificados de exportação/importação de peças
Documentação digital
Todas anteriores tipologias de documentação podem ser digitais (eu diria devem ser ou usar ferramentas digitais), mas atualmente temos também um conjunto de informação digital que os museus devem gerir com regras específicas. A própria base de dados ou o sistema de gestão de informação digital usado deve ser documentado (facilita de sobremaneira atualizações ou migrações), mas objetos digitais como fotografias ou digitalizações dos objetos, representações 3D dos mesmos, obras de arte digitais, entre outros exemplos são alguns dos desafios que enfrentamos atualmente.
Além disso, documentar em formato digital tem um conjunto de vantagens que os sistemas analógicos não permitem.
A documentação digital permite e possibilita:
• Armazenar grandes volumes de dados
• Documentar objetos digitais
• Acesso remoto às informações
• Integração com plataformas online, permitindo que o público explore as coleções
A importância da integração
Os diferentes tipos de documentação não devem existir isoladamente. Sao engrenagens de um sistema complexo, mas fundamental para o museu atual. Formam aquilo que é um sistema de gestão e informação de coleções. Um sistema integrado que permite aos museus gerir as suas coleções, o seu arquivo e o seu centro de documentação de forma eficiente, transparente e acessível.
A documentação é o instrumento da verdade. Se os museus são das instituições mais confiáveis relativamente à informação e conhecimento que produzem e divulgam, em muito se deve a ela e aos sistemas de informação que os museus tem vindo a construir ao longo da sua história.
No próximo post abordarei a história da documentação em museus e como ela evoluiu ao longo do tempo.
Continue a acompanhar o Mouseion para mergulhar ainda mais no fascinante universo da documentação museológica.