Sou um adepto confesso da Rede (Portuguesa de Museus) desde o seu início no longínquo ano de 2000. A ideia, que ainda vi discutida por dentro quando trabalhei no Museu de Aveiro, seria a de criar uma rede colaborativa de museus, uma rede de entreajuda, de participação e de trabalho entre museus de diversas tutelas, tipologias e dimensão que a ela quisessem aderir de forma voluntária. Uma ideia que só foi concretizada pelo importantíssimo contributo e trabalho da Clara Frayão Camacho, a quem não me canso de agradecer, e da sua equipa.
A RPM teve, ao longo destes 24 anos, altos e baixos, períodos de pujança e acerto, constratantes com outros de enfraquecimento, debilidade e desnorte. É a normal vida das instituições, bem sei. Mas, na minha opinião, esta volatilidade está diretamente ligada com o modelo de gestão que se criou para a RPM depois de um período inicial de atividade fulgurante, encaixando-a como um departamento/serviço dentro da mega estrutura centralizada da DGPC e não como um organismo autónomo do poder central que pudesse ter um papel mais ativo e livre daquilo que são as amarras das crises e das vontades políticas de ocasião.
Por isso, fiquei muito contente quando recebi o convite1 da RPM para estar presente no Encontro Anual da Rede Portuguesa de Museus (que se realizou no passado 21 de Março no Museu Marítimo de Ílhavo) deste ano e percebi que o tema seria esse mesmo: um novo modelo de gestão para a RPM. É uma discussão necessária e importante que reflecte já o que se esperava (ou eu esperava) de uma estrutura como a que foi criada para a tutela dos museus, a Museus e Monumentos de Portugal.
Este novo modelo e visão estratégica é fruto do trabalho do Grupo de Trabalho sobre a RPM criado pelo Despacho n.º 14658/2022 – Diário da República, 2ª Série, de 26 de Dezembro de 2022 (uma boa prenda de Natal, diria eu) que está expresso no Relatório Rede Portuguesa de Museus 2023 que pode ser consultado online.
Neste documento é apresentada a metodologia seguida pelo grupo, uma breve contextualização da RPM à data, os contributos dos museus da RPM para o futuro, a nova visão estratégica, o novo modelo de gestão preconizado (mais descentralizado e com repartição de competências e responsabilidades e, por fim, um conjunto de recomendações práticas que permitirão, na visão dos elementos do grupo, concretizar a mudança há muito esperada na RPM. Do modelo é importante destacar os três elementos preconizados para concretizar a gestão da RPM:
Assim, vem o GT/RPM propor o novo modelo de gestão para a RPM:
a) Órgão responsável pela execução da política museológica nacional – credenciação, formação, financiamento, comunicação, apoio técnico e monitorização;
b) Grupo Dinamizador da RPM – cooperação, qualificação, participação e otimização de recursos;
c) Núcleos de Apoio – regionais e temáticos – funções museológicas.
Um modelo assente numa estrutura central, com responsabilidade nas questões de credenciação, formação financiamento, comunicação, apoio e monitorização, bem como com a execução da política museológica nacional (que é preciso pensar e deixar escrita por cada governo), um grupo que terá uma maior proximidade aos museus nas tarefas de cooperação, qualificação, participação e optimização de recursos e, por fim, um elemento já consagrado na Lei, há muito esperado, que reflecte a preocupação com a descentralização e com a atenção e proximidade que é devida a museus fora da grande urbe.
A este modelo junta-se um bem vindo convite à participação dos museus da RPM com a eleição de 3 representantes seus (de museus com diferentes tutelas) para, em cooperação com a RPM e com o seu grupo dinamizador. Uma forma de dar a palavra aos museus e aos seus representantes que me parece simples e bem conseguida. Julgo que assim se conseguirá dar uma voz mais activa aos museus e às suas tutelas na evolução das políticas para o sector. Bem a RPM e o GT neste ponto particular.
Nas medidas expressas nas recomendações do GT, divididas em 3 eixos – Transversalidade, Comunicação e Participação – e no novo modelo de funcionamento da RPM, gostaria de destacar uma medida que me parece interessante (e necessária) para cada eixo.
Transversalidade
Potenciar a articulação com outras áreas ministeriais que possibilitem fortalecer o posicionamento dos Museus no desenvolvimento do País.
Articular museus com educação, ciência, turismo e outras áreas é fazer desenvolver os museus e contribuir para áreas onde podemos e devemos ser imprescindíveis. O papel social dos museus deve sempre ser primordial no desenvolvimento da política museológica nacional.
Comunicação
Disponibilização do inventário online dos museus RPM, com destaque para os elementos de património móvel classificado como tesouro nacional neles existentes.
Esta era a escolha óbvia para quem me conhece. Aqui muito haverá a dizer e a preparar, mas é importante, caso se concretize, que isto não se mantenha assente numa política errada, que tem sido seguida há décadas, em torno da criação de um sistema centralizado de inventário para os museus nacionais que depois se quer impor aos outros museus da RPM (uma nota importante para dizer relembrar e declarar o meu interesse enquanto trabalhador numa empresa que disponibiliza sistemas concorrentes ao dos museus nacionais).
É importante sim ter publicado o inventário online dos museus da RPM, até para potenciar a participação em redes e projectos internacionais (a Europeana e a Brasiliana seriam bons exemplos para potenciar o acesso às nossas colecções). Mas para o fazer não devemos centrar a nossa política na criação de um sistema (despendendo recursos altos), sem cuidar de outras coisas mais importantes como as normas, os sistemas de intercâmbio de informação, as ligações necessárias entre outras áreas do MC como as Bibliotecas e os Arquivos e, uma falha considerável nos nossos sistemas de descrição, sem investir largamente na criação/tradução de tesauros que auxiliem a descrição, recuperação e acesso às colecções online dos museus portugueses (e assim ajudavam-se também outras instituições, como a Igreja ou as Universidades, a realizar esta tarefa). Este é um ponto em que muito mais haveria a dizer, mas deixarei para um outro texto.
Participação
Criação de estrutura de apoio à captação de financiamentos nacionais e internacionais, públicos e privados, mecenato, identificação de parceiros, instrução e gestão de processos.
Este é um dos pontos onde eu acho que nunca fomos muito bons. A captação de recursos é vital para os museus. Por mecenato, projetos e financiamentos nacionais, europeus ou internacionais, por parcerias, pelos meios novos que se possam encontrar, é fundamental que os museus portugueses procurem outras fontes de financiamento para além das suas tutelas ou de apoios pontuais. A criação de uma estrutura na RPM que possa se dedicar exclusivamente a isto, como de resto já vimos acontecer em algumas universidades, por exemplo, é uma boa recomendação e espero que se torne, em breve, numa boa notícia. Esta recomendação poderia potenciar a colaboração entre museus para o desenvolvimento de projectos comuns como o estudo de colecções, organização de reservas, conservação e restauro, digitalização, etc.
Novo Modelo de Funcionamento
Criação do “Observatório de Museus”.
Uma recomenação óbvia, mas ainda assim muito esquecida, que alerta para a necessidade da existência de dados sobre os museus portugueses que possam informar as políticas a seguir para o seu desenvolvimento.
O encontro em Ílhavo ainda me permitiu conhecer melhor o excelente trabalho do CISOC (um grande abraço à Clara Frayão Camacho por mais este contributo), as excelentes ferramentas que o Ibermuseos tem para a avaliação da acessibilidade e sustentabilidade dos museus (Ferramenta de Autodiagnóstico de Acessibilidade e o Guia de Autoavaliação de Sustentabilidade de Museus) e o excelente trabalho desenvolvido pela Esmeralda Paupério (FEUP) na gestão de riscos (que já conhecia, mas deu para rever a matéria dada).
O único momento do encontro que me desiludiu foi a apresentação do Matriz2, desculpem do Raíz, o sistema que sustituirá o existente (sobre o qual já me pronunciei um pouco acima). Uma apresentação pela qual todos esperavam, mas que se revelou curta e que concretiza, uma vez mais, um percurso que é errado e sem lógica em 2024.
Por último, resta-me desejar à RPM uma vida longa e que as recomendações do GT possam ser seguidas. Sei que o trabalho da Fátima Roque, da Dália Paulo, da Rita Jerónimo, da Isabel Pinto, do Álvaro Brito Moreira e do Manuel Pizarro foi de excelência (o relatório assim o demonstra), espero que a nova Ministra da Cultura, uma mulher dos museus, o possa executar na sua plenitude (ou na maioria pelo menos).
um agradecimento devido à Fátima Roque pelo convite e continuado cuidado. ↩︎
uma nota apenas para mandar um abraço solidário à Diana Fragoso que se sentiu indisposta na apresentação e para lhe desejar o maior sucesso nas suas novas funções na MMdP. ↩︎
Começo por um vídeo do Centro de Documentação do Museo Universitario de Arte Contemporanea da Universidade Autonoma do Mexico para falar sobre o CIDOC 2023 que decorreu, entre os passados dias 24 a 28, na Cidade do México. Começo por este poema visual, porque me senti completamente representado a ver e ouvir a imensidade do que é um arquivo de um museu e a quantidade de situações com que se deparam as pessoas que cuidam e tratam da documentação sobre as coleções nos museus. Divertido, como deveria ser sempre, mas muito direto e explícito sobre o tema, o vídeo lembra-me a necessidade do trabalho que o CIDOC, bem como outras instituições similares, produzem em benefício deste importante trabalho dos museus.
Visopoema Arkheia Centro de Documentação – MUAC
O CIDOC 2023 teve como tema “Frontiers of knowledge: Museums, Documentation and Linked data” e procurou explorar um conjunto diverso de assuntos ligados ao questionamento que precisamos de constantemente fazer para evoluir numa área em que a tecnologia é fundamental.
Normas, políticas, experiências, inteligência artificial, contextualização da informação, responsabilidade social da documentação nos museus, software, integração de dados, intercâmbio de metadados, metodologias de catalogação, documentação de património imaterial, tráfico ilícito de bens culturais, documentação em arqueologia (escavações), descolonização, bases de dados (e a sua obsolescência), procedimentos, ontologias, linguagens, preservação digital, etc. foram alguns dos tópicos que se abordaram ao longo destes dias, conforme poderão ver pelo programa da conferência.
Infelizmente não conseguimos, como de resto acontece em todas as conferências anuais do CIDOC, acompanhar todas as sessões (algumas decorrem paralelamente), mas de entre as que segui, gostaria de destacar algumas.
Em primeiro, a brilhante conferência de abertura do Dominic Oldman, do British Museum, intitulada “The social responsibility of documentation: Contextualizing data“. Nesta conferência Dominic Oldman leva-nos a reflectir sobre várias questões importantes na documentação em museus (e o seu futuro), começando desde logo sobre a atualização dos dados que detemos sobre as coleções nos museus (à luz do conhecimento que detemos agora), mas também sobre questões práticas que afetam este trabalho como a evolução da tecnologia (ou estagnação, como é o caso citado sobre as bases de dados, praticamente na mesma desde a sua criação) e das políticas definidas no sector para a inclusão de práticas e metodologias mais abertas, nas quais a participação, a colaboração, a reutilização e consequente criação sejam cada vez mais uma realidade. Deixo três imagens abaixo com ideias que nos deveriam fazer pensar a todos:
Nas comunicações das sessões, mais técnicas, destaco também as apresentações do Getty (Breaking Down Data Silos: The Getty Data Architecture) e do Rijksmuseum (The Future of Data Services at the Rijksmuseum) onde podemos ver, apesar da dimensão de ambas instituições, um conjunto de questões relacionadas com reutilização de dados, ontologias, tesauros, segurança, canais de distribuição de informação, entre outras, tratadas de forma a permitir que a informação gerada nos processos de documentação, possa ser utilizada pelas audiências (internas e externas) dos museus de forma integrada. São instituições de escala internacional, bem sei, mas as questões ali tratadas podem e devem ser alvo de uma reflexão em muitos dos nossos museus.
Uma outra apresentação de que gostei muito foi a do Theatro Municipal de São Paulo (Municipal Theater of São Paulo: Preliminary considerations on documents and research on costumes) sobre o trabalho de documentação feito num património ainda em utilização, figurinos em particular, que tenho tido a oportunidade de ir acompanhando há algum tempo através da Sistemas do Futuro. Os desafios que este tipo de património coloca são muitos e constantes e, por isso, recomendo sempre o trabalho e as metodologias que a equipa do Guilherme Lopes Vieira tem desenvolvido ali. É também uma oportunidade para aprendizagens através do Atlântico e, quem sabe, uma oportunidade de partilha entre este teatro e os dois com quem trabalhamos em Portugal que têm as mesmas questões básicas de documentação e conservação dos respectivos acervos.
No capítulo dos posters não posso deixar de mencionar o trabalho que a Anabela Magalhães, com a Alice Semedo e a Susana Medina, apresentou. Intitulado “Data recording model for Natural History Collection. Study case: Natural History and Science Museum of Porto University” o poster representa o trabalho de mestrado da Anabela sobre o mesmo tema, no qual é feito um mapeamento dos dados das coleções de história natural da Universidade do Porto utilizando como referência os requisitos de informação da norma Spectrum. Uma outra presença portuguesa no CIDOC que registo com muito agrado e um trabalho, de compatibilização da documentação dos museus portugueses com as normas que deveria ser estendido a um conjunto significativo de museus.
Ainda relativamente ao trabalho do CIDOC tivemos, nesta conferência, dois anúncios significativos. A publicação da versão 1.0 do EODEM (Exhibition Object Data Exchange Model) e a publicação “An Application Profile For Recording Intangible Cultural Heritage In Museums’ Collection Management Systems” da responsabilidade do grupo de trabalho de Património Imaterial do CIDOC que constitui um relatório sobre a metodologia, desenvolvimento e lições apreendidas num projeto intitulado “Plans for the Future: ICH Included (2019-2021)” desenvolvido na Flandres com a participação da comunidade do CIDOC. Um é uma nova norma de intercâmbio de dados entre sistemas de informação, o outro um início do trabalho de desenvolver uma nova norma, ou pelo menos boas práticas e recomendações, para a documentação do patrimonio imaterial no seio do CIDOC.
Um programa diversificado, com participações dos 4 cantos do mundo, com discussões sérias sobre o futuro da documentação em museus nas suas múltiplas perspectivas e funções foi o que tivemos neste CIDOC. Algumas dezenas de apresentações sobre inclusão, políticas, normas, técnicas, programação, metodologias, intercâmbio de dados, colaborações entre arquivos, bibliotecas e museus, etc. Tenho algumas centenas de páginas para ler e aí uma dezena de páginas de anotações sobre novidades ou atualizações que preciso de organizar nestas próximas semanas. No entanto, uma tristeza que me fica sempre destas participações no CIDOC (ou em outras conferências dos comités internacionais do ICOM): somos sempre muito poucos membros a participar, mesmo muito poucos, pese embora algumas bolsas que o ICOM Portugal e o CIDOC, através do Getty vão disponibilizando para estas participações. Acredito que esta situação possa mudar, mas acho que deveríamos reflectir um pouco sobre isto nas diversas instâncias do ICOM Portugal.
Além da participação, ou falta dela, deveríamos também reflectir sobre o que as nossas organizações de tutela “ouvem” ou retiram do que é feito nos comités internacionais e nacionais do ICOM. Em Portugal – todos sabem como sou crítico do estado da situação atual – relativamente à documentação de museus, o que temos é o mesmo que tínhamos há uma década, ou talvez há duas!
Museus nacionais com o processo de documentação das coleções cativo de uma falta de atualização do sistema que já não tem qualquer remédio, políticas inexistentes nesta área específica do trabalho em museus, ausência de pessoal qualificado nos museus para o desempenho desta tarefa (não me refiro obviamente aos conservadores das coleções), ausência, também, de formação atualizada para esta tarefa nas universidades portuguesas, arquivos e bibliotecas de muitos museus parados no tempo, ausência prolongada de uma política para a rede portuguesa de museus, ausência de política de divulgação cultural em rede (diferente das políticas para a RPM) a médio e longo prazo, uma mudança nos órgãos de gestão e tutela dos museus cujo diploma menciona 2 vezes a palavra inventário e 4 a palavra documentação (sendo que 3 deles para se referir ao Arquivo de Documentação Fotográfica) e poderíamos continuar por muitos outros aspectos que me preocupam no atual estado da documentação nos museus portugueses.
Muito a fazer neste capítulo, mas voltemos ao CIDOC.
Tal como noutros anos, este tivemos a oportunidade de conhecer a bela (e enorme) Cidade do México. A escala do “novo mundo” surpreende-me sempre. A Cidade do México, como Nova Iorque ou São Paulo, é uma mega urbe, muito distante do meu Porto ou da minha Espinho. Tudo numa escala gigante, mas ao mesmo tempo acolhedora e de gente extraordinariamente simpática. Sabendo como é o Pedro Ángeles, amigo de longa data nestas coisas do CIDOC, já não me devia admirar com a simpatia dos mexicanos, mas sentir este acolhimento ali foi magnífico.
Além das voltas em CDMX, conhecer a casa da Frida Kahlo e as ruínas de Teotihuacán foram, para mim, os pontos altos dos programas de visitas da conferência. Uma pequena amostra fica no álbum abaixo.
Por último, ainda que não menos importante, o anúncio do local do CIDOC 2024 (#cidoc2024) que será no Rijksmuseum, em Amsterdão, de 11 a 15 de Novembro de 2024 (um pouco mais tarde do que é habitual nas nossas conferências). Espero sinceramente que seja oportuno para uma participação mais activa da comunidade portuguesa. Vejo-vos lá?
Finalmente chegaram os dias do CIDOC 2021 e estivemos reunidos fisicamente em Tallinn (Estónia) e online com amigos, colegas, profissionais de museus que se interessam sobre os diferentes temas que cabem dentro da área da documentação de museus na semana passada. O CIDOC 2021 tinha como mote: “Symbiosis of Tradition and Digital Technology”, ou seja, a Simbiose entre a Tradição e a Tecnologia Digital e na realidade foi exatamente isso que aconteceu. Em diversos momentos da conferência anual do comité internacional para a Documentação do ICOM, conhecemos e aprendemos muito sobre a interação das tradições documentais nos museus, com as mais recentes inovações tecnológicas que temos ao nosso dispor. Fizemos isto, devo dizer sem grande modéstia, de forma exemplar com os nossos colegas da Estónia.
CIDOC 2021 – Sala da conferência
Uma conferência de um nível superior, foi o que aconteceu neste CIDOC 2021. Felizmente, para o provar, teremos em breve os vídeos de toda a conferência disponíveis no canal Youtube do melhor comité internacional do ICOM, mas tentarei neste breve texto mostrar o porquê desta minha afirmação (e poderão vocês comprovar com os abstracts da conferência).
O CIDOC é um dos muitos comités internacionais do ICOM que se especializam em diversas áreas relacionadas com museus. No nosso caso, tratamos de documentação em museus. Desde as coleções, à informação de gestão, passando pela informação sobre as exposições ou outras utilizações das coleções, até aos mais ínfimos dados gerados pelas diversas equipas dos museus no seu trabalho diário, tudo para nós é importante e absolutamente necessário registar por diversos motivos que explicamos de forma clara na nossa Declaração de Princípios de Documentação em Museus que podem ser consultados no site do CIDOC em Português.
Maarjamäe CastleEstonian Film Museum
Nesta conferência de 2021, realizada em Maio de 2022 por causa da pandemia da COVID-19, pretendíamos recuperar a tradição das nossas reuniões anuais presenciais, após uma muito bem sucedida reunião completamente virtual organizada e realizada em 2020 com os nossos colegas de Genebra (CIDOC 2020), e juntar a isso os benefícios das conferências virtuais (principalmente acesso e abrangência geográfica). Nesse sentido, um primeiro agradecimento vai para o comité local do CIDOC 2021, ou seja, todos os profissionais e organizações que tornaram possível a concretização da conferência e para a qualidade técnica dos meios que tivemos ao dispor localmente e que permitiram a transmissão online e participação nas sessões de colegas de diversos pontos do globo. Dito isto, vamos ao programa.
Começamos Domingo, dia 22, com um dia dedicado aos grupos de trabalho. Documentation standards, LIDO, CRM, Information Centres, DOMINO e Intangible Cultural heritage foram os grupos que se reuniram neste primeiro dia (que na verdade é pré-conferência). Embora todos estes grupos sejam importantes para nós, gostaria de destacar as sessões de dois grupos de trabalho: Documentation standards e DOMINO.
O primeiro lançou a primeira versão beta pública do EODEM – Exhibition Object Data Exchange Model, uma nova norma, que se propõe a criar as condições técnicas para transmitir a informação de objetos que são emprestados para uma exposição entre os diferentes sistemas utilizados pelas instituições que emprestam e recebem objetos para exposição. Isso mesmo, leram bem é uma ferramenta que permitirá enviar os dados dos objetos por e-mail e importar esses mesmos dados, com um click apenas, para o nosso sistema e, assim, acabar com intermináveis “copia e cola” quando recebemos os dados das obras enviados por outros museus. Simples e eficaz, assim se espera, e mas um importante contributo do CIDOC para o sector.
O segundo voltou a reunir-se para abordar um conjunto de questões relacionadas com a documentação em museus no contexto ibero-americano e foi mais uma oportunidade de aproximação do trabalho do CIDOC a países de língua espanhola e portuguesa, dando continuidade ao trabalho que temos feito neste recente grupo de trabalho. A reunião serviu para preparar o futuro próximo e para avaliar o que até ao momento conseguimos realizar e que apresentamos, pela voz da Trilce Navarrete, nesta conferência de 2021.
CIDOC 2021 – dia 1 – Planning and implementing strategies
Após este dia de trabalho pré-conferência, iniciamos o CIDOC 2021, na segunda-feira, dia 23 de Maio, com a sessão de abertura habitual, seguida de duas sessões paralelas (que terei a oportunidade de rever e ver pela primeira vez nos vídeos) relacionadas com o tema do dia “Planning and implementing strategies“. Eu fiquei na sala do Estonian Film Museum e segui atentamente a apresentação do Mika Nyman que procurou reflectir sobre o controlo dos dados e as debilidades de museus com o avanço da tecnologia e apresentar uma abordagem “low-tech” que lhes permita conectar “os recursos digitais existentes com narrativas e publicá-los numa plataforma de baixa tecnologia que esteja em conformidade com a preservação de longo prazo e restaure o controle dos recursos digitais aos museus” e as seguintes comunicações da Myrto Koukouli, da Béatrice Gauvain e da Lara Corona.
Estonian Film Museum main hall
Uma sobre SKOS para dummies (uma apresentação de uma ferramenta notável de criação de thesauri) onde nos foi apresentada uma ferramenta muito interessante para a organização do conhecimento de forma standard e compatível com a web semântica, mas que pode ser utilizada por qualquer pessoa que o pretenda fazer em qualquer área do conhecimento. O trabalho da Myrto e dos seus colegas é algo que aconselho a seguirem aqui. Outra com uma importante reflexão sobre o papel dos conservadores/curadores no que diz respeito ao emergente perfil de “digital curator” e às implicações de gerir e apresentar informação credível, reutilizável, acessível, aberta, etc. no vasto e complexo mundo digital em que vivemos e as competências que tal situação implica. A terceira com dados extensos, ainda que por vezes me parecessem carecer de maior justificação, que a autoria indicou que irá publicar brevemente, sobre objetos em reserva ou não acessíveis ao público e a importância da sua digitalização para incrementar o seu acesso.
Neste mesmo dia, na sessão paralela, três outras apresentações dignas de nota, mas que ainda não tive a oportunidade de ver, sobre três tópicos distintos, mas unidos pelos desafios digitais que em todos os casos são colocados. Confesso-me curioso, devo dizer, pela apresentação com o título “inDICEs: Self-Assessment and Monitoring of Digital Transitions in the Museum” apresentada por Fred Truyen e Rasa Bočytė porque me interesso por ferramentas de avaliação (como a Rumo da Juliana, por exemplo) que permitam aos museus avaliar e melhorar os seus processos. Aguardo, neste e noutros casos, os vídeos que serão publicados em breve destas sessões.
Após o almoço, uma keynote imperdível da Jill Cousins, sim ela mesma, uma das fundadoras da Europeana, agora diretora do The Hunt Museum, sobre as três plataformas em que o museu moderno deve operar: física, virtual e humana, e a forma como devemos atuar para criar uma “relação simbiótica” entre as três que permita a implementação de uma estratégia de crescimento, potencialmente alcançável, desde que se operem mudanças de nos padrões de trabalho e na forma como pensamos o museu.
Depois quatro apresentações, divididas em duas sessões paralelas, com a apresentação da Trilce Navarrete sobre o trabalho que o DOMINO fez relativamente ao estado da documentação nos museus ibero-americanos, com uma apresentação do Eko Saputra sobre documentação e promoção dos caminhos artísticos e turistícos associados às cerâmicas de Castelli, em Itália, com uma outra do Dominic Oldman (e outros colegas) sobre a utilização do ResearchSpace para aproximar o intervalo entre os sistemas de informação nos museus e o conhecimento gerado pela comunidade e, finalmente, uma da Camila A. da Silva sobre os termos de contexto brasileiro que existem nos vocabulários do Getty sobre os quais está a trabalhar no seu estágio no Getty Vocabulary Program.
A seguir a terceira sessão do dia. Duas apresentações, de caracter distinto, do Stephen Stead e da Adele Barbato. A do Stephen versou sobre a metodologia que o CIDOC definiu para a gestão colaborativa da documentação que produz e armazena. Uma apresentação que possibilitou dar nota de um modelo de funcionamento útil, que pode ser seguido por museus também, mas que é uma aplicação prática de vários anos a pensar e reflectir sobre modelos de trabalho e metodologias. A da Adele Barbato, intitulada “Using Anti-Racist Change Management Techniques in Digital Transformation at the Fine Arts Museums of San Francisco” sobre a experiência da instituição de São Francisco na inclusão de premissas antiracistas para o processo de transformação digital que se iniciou antes da pandemia e a transformação que isso implicou em toda a instituição e nomeadamente nos processos de documentação das coleções do museu. Esta aconselho vivamente a ver quando publicada.
O fim do dia chegou com a sessão, realizada uma vez mais, sobre o contexto dos museus da Ásia e dos problemas e desafios que se enfrentam naquele contexto geopolítico. Não pude, infelizmente, seguir esta sessão, mas irei certamente ver quando estiver disponível.
CIDOC 2021 – dia 2 – Future of documentation
24 de Maio. Dia feliz a festejar, ainda que à distância, o 94º aniversário do meu pai. Começamos a manhã com duas sessões paralelas (para mal dos nossos pecados estas sessões paralelas fazem com que seja impossível seguir uma e outra). Eu estive, como não podia deixar de ser, na sessão especial da norma Spectrum a apresentar o que já foi feito, até ao momento, no trabalho de tradução da versão 5 da norma pela equipa do SPECTRUM PT (falarei sobre este projeto num outro texto, mas agora estamos a navegar mais rapidamente). Na sessão, apresentada pelo Gordon Mckenna, tivemos o contributo do CEO da Collections Trust, Kevin Gosling e uma apresentação da Sophie Walker sobre gestão de activos digitais (coleções digitais se assim quiserem) intitulada “A Toolkit for managing digital collections: Developing an approach to managing and documenting acquired digital collection objects” que adota os mesmos pressupostos e semelhantes procedimentos que a norma Spectrum, facilitando desta forma às equipas dos museus a integração da gestão destas novas coleções.
Sessão do Spectrum – Collections Trust
A seguir tivemos, ainda que à distância, o contributo do Jonathan Ward e do Gregg Garcia, do Getty Vocabulary Program, com a atualização sobre o trabalho importantíssimo dos thesauri e vocabulários do Getty que são, como todos sabemos (ou devíamos saber), uma importante ferramenta ao dispor de todas as instituições que gerem informação sobre património cultural. Para quem não conhece (ainda) os vocabulários do Getty são um total de cinco, todos multilíngua, usados como terminologias estruturadas para catalogar e indexar arte e objetos culturais em todo o mundo, acessíveis livremente para download e para utilização como “linked open data” (LOD). Nesta sessão tivemos uma atualização sobre os diferentes contributos mais recentes para os vocabulários e uma apresentação do site de LOD e da implementação do Linked.Art para serializações de JSON.
Ao mesmo tempo, na sessão paralela, tivemos uma vez mais a utilização do Researchspace desta vez para a documentação de representações digitais para a arquitectura, pela voz da amiga e colega italiana Elisabetta Caterina Giovannini do Politécnico de Turim, uma (disseram-me) excelente apresentação do colega Vahur Puik, da Estónia, sobre a experiência 10 anos de uma plataforma crowdsource de descrição de fotografias (Ajapaik) e uma reflexão sobre os passos seguintes, seguida da apresentação de Ali Rangchian e Soosan Amanollahi, da Semnan University e da apresentação de Cheeyun Kwon, da Hongik University, sobre a utilização dos arquivos digitais como fonte de inspiração para a produção artística. Infelizmente não retive qualquer informação destas últimas, mas espero ter a oportunidade de as ver depois.
Após o almoço, mais três sessões tiveram lugar. Não as irei descrever todas, porque não tive oportunidade de as seguir, como compreenderão, mas destaco, pela qualidade a apresentação da Erin Walter (daqui a nada perceberão porquê), sobre documentação de performances artísticas, a brilhante (como já é costume) apresentação do Mike Jones, que já tinha estado connosco na conferência “Rethinking museum practices: decolonizing collections“, sobre o desenvolvimento de sistemas de documentação polivocais no contexto australiano, intitulada “Rainstones, rivers, and relationality: developing polyvocal collections documentation“. Se não conhecem o trabalho do Mike, aconselho vivamente a leitura do livro que foi editado pela Routledge sobre o seu trabalho de doutoramento “Artefacts, Archives, and Documentation in the Relational Museum” que podem encontrar, bem como muito mais do que ele vai publicando e fazendo aqui.
Claro que a outra sessão, relacionada com a utilização do CIDOC CRM foi também muito interessante. Segui, sem grande atenção, na plataforma que tínhamos disponível na conferência (Worksup), mas estas terei que ver com calma e atenção mais tarde. Matérias densas, bastante técnicas que exigem uma caneta, bloco de notas e pesquisa para conseguir extrair tudo o que é importante.
Da terceira sessão destaco a comunicação da Carlotta Capurro, da Utrecht University, intitulada “Metadata politics: Europeana Data Model and the Europeanisation of Heritage Institutions” e aconselho vivamente que a vejam quando publicado o vídeo (subscrevam o canal de Youtube do CIDOC para serem notificados). Uma abordagem muito interessante sobre o estudo que conduziu relativamente ao Europeana Data Model e como os metadados podem ser instrumentos muito importantes para a definição de políticas a nível europeu.
Após esta terceira sessão realizaram-se reuniões dos seguintes grupos de trabalho do CIDOC: Documentation Standards (com uma introdução ao OEDEM que já mencionei acima), Linked Art e Lido (sessão conjunta dos dois grupos de trabalho por causa da integração da estrutura do LIDO no Linked.Art e futuras colaborações entre os grupos), Museum Process Implementation e Exhibition and Performance Documentation, que este vosso amigo agora coordena, depois do nosso amigo Gabriel Bevilacqua Moore ter iniciado o grupo e conduzido o trabalho desde 2015.
Falarei, noutro texto, sobre este grupo de trabalho com algum pormenor. No entanto, nesta sessão procuramos dar um impulso ao grupo fazendo uma breve apresentação dos trabalhos feitos até agora e explicando quais serão os objectivos principais do grupo de trabalho e de que forma tentaremos concretizar esses objectivos com três linhas de atuação para as quais procuramos reunir os colegas que já trabalhavam com o Gabriel e juntar a estes mais alguns.
CIDOC 2021 – dia 3 – A wonderland of digital technology
Dia 25, terceiro dia do CIDOC em Tallinn. Um verdadeiro “país das maravilhas” da tecnologia digital aplicada aos museus e à documentação das suas coleções foi o que se viu nesta edição do CIDOC.
Desde a apresentação do museum4punkt0 (um projecto alemão sobre ferramentas digitais e as suas aplicações aos museus na Alemanha (recomendo muito), que infelizmente só tem disponível a informação em alemão, passando pela excelente comunicação da Agnes Aljas sobre a utilização de coleções digitais para criar conexões e proximidade com o público do Museu Nacional da Estónia (já agora, vale mesmo muito a visita a Tartu para o conhecer), até à brilhante keynote do professor Indrek Ibrus, da Tallinn University, intitulada “Web 3.0, culture and heritage“, tivemos um dia submergidos por uma quantidade enorme de diferentes perspectivas da utilização das tecnologias digitais para melhorar a qualidade dos serviços prestados pelos museus.
Uma apresentação que gostei muito foi a do Stephen Stead em conjunto com o JonathanWhitson Cloud sobre Big Data nos museus usando o caso do Museu e Jardins Horniman, em Londres, onde trabalha o Jonathan. O Stephen introduziu o tema, de forma bastante divertida, mas sempre sábia e o Jonathan mostrou-nos como uma “pequena” instituição, como o Horniman, tem centenas de dados que pode (e deve) explorar para melhor a forma como é gerida a instituição, as suas coleções, a gestão das coleções e todas as outras atividades comuns. O caso de estudo foi centrado numa exposição em particular e utilizaram instrumentos de inteligência artificial para identificar conexões e relações entre informação dispersa entre diversos bancos de informação que foram depois utilizados na construção de ferramentas de divulgação para a exposição.
Stephen Stead a apresentar a comunicação sobre Big Data
A qualidade não ficou apenas por estas que aqui destaco. Tivemos também a Erin Canning a apresentar “Connecting diverse humanities datasets with CIDOC-CRM” e a mostrar de forma simples e eficiente o potencial de utilização de uma norma de intercâmbio de informação tão “poderosa” como o CRM e ainda outras que poderão ser mais interessantes para alguns de vós.
O dia acabou, já tarde, com o painel do DOMINO que contou com uma apresentação principal da Marcela Covarrubias intitulada “Documentation, archives, and exhibition design” e com a participação dos comités nacionais ICOM Argentina, ICOM Brasil, ICOM Chile, ICOM Guatemala, ICOM México, ICOM Portugal, ICOM Espanha e do comité internacional ICEE (Exhibitions Exchange) com o objectivo de discutir as estratégias de apoio à interligação entre o design expositivo e a documentação.
CIDOC 2021 – dia 4 – Cultural heritage in the time of crisis
E finalmente, último dia do CIDOC 2021.
Como é tradição a manhã foi dedicada à Assembleia Geral do CIDOC para os habituais relatórios de atividades dos grupos de trabalho, da direção e dos elementos específicos do comité, como o responsável pela associação “CIDOC Summer School” e do responsável pela ligação com outras instituições como a ISO (International Organization for Standardization).
Após o almoço uma keynote imperdível de Aparna Tandon (Senior Programme Leader, First Aid and Resilience for Cultural Heritage in Times of Crisis | Sustaining Digital Heritage – Programmes Unit do ICCROM) intitulada “Safeguarding Heritage in a Digital Domain in Times of Conflict“. Imperdível porque oportuna, dadas as actuais circunstâncias, e porque nos mostra o quão frágil é, continua a ser, a forma como nos preparamos para uma eventualidade trágica de uma guerra, um conflito, um desastre natural ou qualquer outra crise em que o património cultural da humanidade seja também ameaçado. Sei que vários colegas, em Portugal e não só, têm trabalhado neste sentido, mas julgo que deveríamos fazer um esforço maior para trazer estas iniciativas para um público mais vasto que pode colaborar com os profissionais em situações desta natureza. Foi um abre-olhos para mim, devo dizer.
Apresentação de Aparna Tandon
Depois duas iniciativas para salvaguardar o património digital da Ucrânia. A Saving Ukrainian Cultural Heritage Online (SUCHO): An Archiving Race Against Time, apresentada por Andreas Segeberg e a The 4CH EU project and the SUM (Save the Ukraine Monuments) initiative, apresentada pelo Prof. Franco Niccolucci que demonstram esforços notáveis do meio académico e de voluntários para ajudar a salvaguardar tudo o que seria possível e restituir essa informação à Ucrânia após cessar a invasão Russa.
Esta sessão teve como objectivo discutir um tema que nos deve preocupar, infelizmente, cada vez mais. Nos últimos anos têm sido imensos os casos em que para além da tragédia humana, a principal obviamente, assistimos também à tragédia da perda cultural na tentativa de derrubar os valores que as diferentes culturas agredidas (sem qualquer distinção entre elas) têm como basilares na sua identidade. Não podemos ficar sossegados com as perseguições, conflitos, invasões, guerras, etc. como muitos não ficaram sossegados quando ameaçaram a nossa liberdade e o nosso modo de vida em situações dramáticas que ocorreram há não muito tempo.
No final, houve um painel de encerramento sobre o tema (que acabou por ser uma oportunidade para a participação de muitos de nós) que se alongou para outras questões com a participação de Trilce Navarrete, Gordon McKenna, Indrek Ibrus, Aparna Tandon (online) e Manvi Seth (online).
E assim preenchemos uma semana intensa, de reencontro, com aquela sensação boa de voltarmos a estar entre os nossos, ente os que têm as mesmas preocupações e procuram, mesmo que algumas vezes conta enormes dificuldades e sem sucesso, melhorar normas, procedimentos, metodologias e tecnologia para facilitar a importante tarefa que cabe ao sector da documentação em museus: providenciar conhecimento (e acesso a ele) sobre o património cultural que preservamos.
CIDOC 2021 – todos os dias – eventos sociais
Não seria uma conferência do CIDOC se não tivéssemos uma carregada agenda social onde todos os participantes (pelo menos os que estiveram fisicamente presentes em Tallinn) pudessem ter a oportunidade de conhecer alguns dos museus da cidade que nos acolheu e, ao mesmo tempo, a possibilidade de conhecerem entre si. É uma constante do CIDOC que eu agradeço muito. Para mim foram fundamentais as conversas que tive na primeira vez em que participei no CIDOC, em 2007, em Atenas, e as amizades que desde então construi nesta importante rede de profissionais.
A abertura é total, conhecemos pessoas de realidades distintas, com os mesmos problemas, com questões semelhantes, com formas de as resolver ou que estão interessadas em encontrar formas de as resolver. Recordo que foi em Atenas que discuti, pela primeira vez, com o Gordon Mckenna e com o Nick Poole a possibilidade de traduzir a norma Spectrum para Português. Em Sibiu conheci o Gabriel Moore, essencial para a minha participação activa no trabalho do comité, no Chile, em Santiago, aprendi com a Lina Nagel e com o pessoal do Getty sobre a essência dos thesauri e desde a primeira vez que ouvi o Stephen Stead a falar sobre o CRM muitas dúvidas e questões que tinha sobre a norma começaram-se a dissipar. São tantos e tantos os casos que não posso aqui mencionar todos.
Destas conversas nascem projectos e parcerias super interessantes e capazes de resolver questões importantes para a comunidade, mas também continuamos a conhecer os museus e a cultura dos locais que nos recebem. Em Tallinn estivemos no Maarjamäe Palace, no Estonian Maritime Museum (Fat Margaret), no Estonian Open Air Museum (eu infelizmente não pude), no Vabamu Museum of Occupations and Freedom (completamente comovido com a luta pela liberdade) e no Kalamaja Museum and garden (maravilhoso projecto) e trouxemos, eu trouxe, pelo menos, mais conhecimento de uma realidade distante, mas ao mesmo tempo próxima.
Estonian Maritime Museum – Fat MargaretDuo Ruut – https://www.duoruut.ee
Além destes eventos, tivemos sempre a pós festa, no Hell Hunt, porque depois de uns dias no paraíso a aprender sobre documentação, precisamos todos de moderar com uma breve procura pelo inferno!
CIDOC 2021 – o que fica?
Uma conferência das melhores em que já participei! Qualidade dos oradores e das apresentações. Tema bem escolhido. Local das sessões com muita qualidade e com todos os meios técnicos necessários. O comité organizador local super competente e onde fiz boas amizades. A gravação das sessões para memória futura. A possibilidade de participação para quem não podia viajar e estar fisicamente connosco.
Fica, em resumo, uma enorme saudade desta conferência e a quantidade de novas questões que várias apresentações me suscitaram. Fica também o desafio de estar à altura de substituir o Gabriel no grupo de trabalho sobre documentação de exposições e performances. Fico, certamente, mais rico!
Tallinn City Hall
E, por fim, fica também uma breve história sobre uma excelente experência do que a UE nos trouxe de bom. Cheguei a Tallinn no último voo desde Frankfurt. Era quase 1 da manhã de dia 22. A Lufthansa tinha-se encarregue de voar atrasada do Porto para Frankfurt e não houve tempo de mudar a bagagem de um para o outro avião. Assim que soube disso, e a Lufthansa foi muito competente em tratar do assunto, pensei… ainda bem que trouxe os meus comprimidos comigo (hipertenso me declaro), mas na realidade tinham ficado em casa. No dia seguinte vou à farmácia, pergunto se têm aqueles medicamentos, sou informado que preciso de prescrição médica e mostro a receita passada pelo SNS (através da app). Códigos lidos, receita confirmada, medicamentos vendidos! Sistemas a comunicar entre Tallinn e Lisboa à conta deste projecto fabuloso da União Europeia.
Repensar as práticas museológicas tendo em conta o processo de descolonização das coleções e dos museus é uma preocupação que está, cada vez mais presente, na comunidade de profissionais de museus a nível internacional. Nesse sentido, o CIDOC, o COMCOL e o ICOM Brasil, em parceria com o MAM Rio e com o apoio do Itaú Cultural organizam uma série de palestras online que pretende discutir, sobre diferentes perspectivas e abordagens, este tema.
Nesta série as instituições organizadores procuram reflectir criticamente sobre as práticas de coleta e gestão de coleções.
O que significa descolonizar ao reconhecer os diferentes contextos internacionalmente? Como abordar este tema de forma ativa tendo como ponto focal os direitos humanos e a justiça patrimonial? Numa perspectiva solidária, a organização pretende explorar, partilhar e recriar estratégias e a prática face às exigências contemporâneas colocadas ao desenvolvimento e gestão das colecções.
A conferência Rethinking museum practices: decolonizing collections está dividida num programa de cinco dias (2,5 horas por dia apenas), sendo cada dia dedicado a um tópico específico. As datas e tópicos são:
26 de novembro: Repensando a restituição e repatriação;
30 de novembro: Repensando a pesquisa de proveniências e a partilha da informação e do conhecimento;
3 de dezembro: Repensando a aquisição e desincorporação/baixa;
7 de dezembro: Repensando a catalogação, classificação e presença digital;
10 de dezembro: Sessão de encerramento – Repensando a transparência e a responsabilidade institucional.
Os temas das cinco sessões serão abordados por um leque diversificado de oradores que estão diretamente envolvidos na sua vida, investigação ou trabalho com o tema principal da série, ou seja, a descolonização das colecções do museu.
A conferência contará com um ouvinte crítico, durante as cinco sessões, que analisará as apresentações e discussões de forma crítica que pretende dar o mote para a continuação da discussão através da publicação de um livro sobre este tema em 2022.
As informações sobre a conferência Rethinking museum practices: decolonizing collections estão disponíveis online através do site do CIDOC. Em breve estará disponível o programa, as informações dos palestrantes e demais informações sobre o processo de registo. O evento é apenas online e é gratuito.
Nos próximos dias 22 e 23 de Abril decorrerá online a conferência internacional Arte, Museus e Culturas Digitais, uma organização do MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa que tem como principal objectivo, nas palavras da organização, “debater o modo como as tecnologias digitais têm contribuído para a criação de novos territórios e motivado diferentes inovações na produção artística, nas práticas curatoriais e nos espaços museológicos” através de um debate entre diversas perspectivas e promovendo a discussão de trabalhos de investigação recentes, ou ainda em curso, em diversos países e diferentes contextos.
Confesso que já escolhi algumas comunicações que não quero perder, entre elas a keynote do Ross Parry e do Vince Dziekan – Critical Digital: Museums and their Postdigital Circumstance, que nos trará, estou certo, muito alimento para uma reflexão mais cuidada sobre o futuro dos museus. Eu irei moderar uma das sessões, sobre Interactive Digital Interfaces and Exhibition Design, e confesso que estou muito curioso por ouvir as três comunicações dessa sessão e aprender um pouco mais sobre um assunto que se relaciona, cada vez mais, com a utilização da informação das coleções no espaço expositivo. No entanto, é muito fácil encontrar no programa outros motivos para se inscreverem nesta conferência.
Todas as informações sobre o evento encontram-se no website da conferência e os procedimentos de inscrição estão disponíveis aqui.
No próximo dia 18, vai decorrer, no Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Encontro Internacional +Digital Future: Competences for the Cultural Sector, no âmbito do Projecto Mu.SA – Museum Sector Alliance (http://www.project-musa.eu/) no qual o ICOM Portugal é um dos parceiros portugueses juntamente com a Universidade do Porto e a Mapa das Ideias.
Este projecto procura criar um conjunto de ferramentas de formação para debelar a carência de competências digitais nos profissionais de museus que foram identificadas em outros projectos europeus como o eCultSkills. É um projecto ambicioso e participam nele um conjunto de instituições portuguesas, italianas, gregas e belgas que procuram desenvolver o programa para um MOOC e outro tipo de formações que serão testadas nos diferentes países.
A conferência que terá lugar no Porto, já no próximo dia 18, terá como convidadas a Conxa Rodà (do Museu Nacional de Arte da Catalunha), a Ana Álvarez Lacambra (do Museu Thyssen), o Francisco Barbedo (da DGLAB), o Luís Sebastian (do Museu de Lamego), a Panagiota Polymeropoulou (da Hellenic Open University) e o Ricardo Queirós (do Politécnico do Porto) que nos darão uma perspectiva internacional sobre este assunto e sobre o que podemos fazer para melhorar as capacidades técnicas dos profissionais de museus. O programa está já disponível e parece-nos que despertará o interesse de muitos colegas e amigos.
Todos os interessados na conferência podem inscrever-se desde já através do site do Encontro. Espero ver todos por lá! Se precisarem de alguma informação adicional sobre o Encontro, entrem em contacto com a organização através dos contactos disponíveis no site da conferência.