Transformação, transição ou integração digital

Transformação, transição ou integração digital

Vivemos tempos de mudança, de adaptação, de alterações a diversos níveis na forma como vivemos. A tecnologia tem sido, de forma agravada nos últimos anos, o factor de aceleração dessa mudança. Transformação, transição ou integração digital (expressão bem cunhada pela Helena Barranha no debate) são algumas das expressões que vamos ouvindo como identificação deste fenómeno que é a inclusão da tecnologia para melhorar, alterar, refazer as soluções, métodos, modelos, etc. utilizados tradicionalmente no trabalho em museus. Foi este fenómeno que o ICOM Portugal pretendeu debater no passado dia 20.

Não foi a expressão que debatemos a convite do ICOM Portugal, mas sim as recomendações do eixo temático “Transformação Digital” do relatório final do Grupo de Projeto Museus no Futuro que foi criado pelo MC para reflectir sobre o futuro dos museus portugueses, ou melhor, sobre o futuro dos museus e palácios dependentes do estado central (leia-se DGPC e DRC). A quem não o fez ainda, aconselho a leitura atenta e crítica, porque certamente irão encontrar muito em que pensar, mesmo que não trabalhem numa das instituições visadas no relatório.

Para a conferência o ICOM Portugal convidou-me a mim, para a grata tarefa de moderação, à Ana Carvalho1 e à Helena Barranha2 como representante da equipa que acompanhou a Clara Camacho na realização do estudo e relatório e como especialista e investigadora na área, respectivamente. A escolha da Ana e da Helena não podia ter sido mais acertada, confesso. É bem conhecido o trabalho de ambas na área dos museus (e da sua relação com o universo digital) e a reflexão que têm desenvolvido sobre o tema em análise.

Cartaz debate
Cartaz do debate sobre Transformação Digital

Ambas começaram por apresentar a reflexão que lhes foi pedida para esta conferência, num ambiente que se espera sempre mais informal e menos cansativo para quem assiste. A Ana e a Helena cumpriram e deram-nos uma visão sobre a forma, método e sobre as preocupações que estiveram presentes na equipa que produziu o relatório, por um lado, e por outro uma visão crítica, ainda assim positiva, do resultado que todos conhecemos.

Da intervenção de ambas gostaria de destacar, por um lado, a forma como a Ana apresentou as questões que estiveram por trás da pesquisa e recolha de informação pela equipa da Clara Camacho, assim como a delimitação do estudo e a preocupação em obter dados fidedignos, a observação dos pares, a visão de outras realidades que não a nossa. São elementos fundamentais para o estudo e para compreendermos as recomendações feitas. Além disso, a Ana resume as diferentes recomendações em 4 áreas que, na minha opinião também, são fundamentais: capacitação, infraestrutura, acesso (digitalização e não só) e parcerias. Nestas áreas são incluídas as diferentes recomendações do relatório para a transição digital que, apenas para recordar, são:

  1. Modernizar e atualizar os equipamentos informáticos internos;
  2. Criar um portal de Museus, Palácios e Monumentos, atualizar e otimizar os respetivos sites;
  3. Criar uma linha de apoio “Museus do Futuro” a projetos de requalificação dos Museus, Palácios e Monumentos;
  4. Criar um programa de reforço e de alargamento sistemático da digitalização dos acervos dos Museus, Palácios e Monumentos;
  5. Assegurar e incrementar o acesso digital às coleções e acervos;
  6. Desenvolver um programa de utilização das tecnologias como meio complementar de interpretação;
  7. Criar mecanismos de apoio, monitorização e avaliação para os Museus, Palácios e Monumentos;
  8. Reforçar o estabelecimento de parcerias na área da comunicação digital;
  9. Promover projetos-piloto de transferência de conhecimento e de investigação;
  10. Assegurar o recrutamento de profissionais com competências digitais especializadas e criar planos de formação regulares.

A partir dali a Helena confronta-nos com a importância da terminologia utilizada, tal como já eu havia feito colocando no twitter a questão entre transformação ou transição (sem grande resposta diga-se de passagem), mas elevando a fasquia através da reflexão mais cuidada e aprofundada do termo integração, ou seja integração digital, em vez de transição ou transformação, procurando dessa forma uma visão mais inclusiva, mas também mais “humanizada” da forma e velocidade com que somos “engolidos” pela tecnologia no dia-a-dia dos museus, ou mesmo, da nossa vida.

Esta é uma questão interessante que importa trazer à liça sem receios, de forma simples e concreta, como a Helena fez. A reflexão sobre questões que nos parecem óbvias e aceites sem grande preocupação ou cuidado é sempre útil, porque nos permite ver por outro prisma determinado problema ou mesmo equacionar as prioridades definidas para a resolução das questões identificadas neste relatório ou noutros semelhantes. Assim, esta integração digital, mais inclusiva e crítica, parece-me apropriada para o momento que vivemos, ainda mais no contexto actual, de “digitalização” de toda a nossa relação profissional ou lúdica com os nossos museus.

A partir destas duas intervenções iniciais, com muito alimento para a discussão, abrimos a porta à discussão com os que nos acompanhavam no zoom e seguiam no Facebook e conseguimos debater assuntos como os recursos financeiros necessários (e existentes) no sector para a transformação digital, a preparação e abertura das tutelas para o caminho que há a percorrer, a alteração necessária em termos de políticas de acessibilidade (e eu diria inclusão), a formação e capacitação dos recursos humanos e a contratação de quadros com formação e competências na área, a atenção para os novos perfis profissionais e novas profissões que se criarão por conta da integração com o universo digital, o planeamento relativo à obsolescência das infraestruturas e dos equipamentos que é necessário acautelar, a atenção necessária para a inclusão destas e doutras despesas que agora surgem e, embora já mencionado pela Ana e pela Helena, a atenção também necessária para um planeamento estratégico, não desligado da estratégia geral da instituição, que abranja as novas questões e meios ao dispor. Mais do que este resumo, convido-os a acompanhar o debate através da gravação que o ICOM Portugal partilha connosco através do seu canal de Youtube.

Conferência Digital – Grupo de Projeto Museus no Futuro – Transformação Digital

Sem falsa modéstia, julgo que conseguimos abordar nesta breve conversa alguns pontos interessantes das recomendações feitas pelo GTMF. Julgo que se percebe que estaríamos muito mais tempo a conversar, eu, a Ana e a Helena, mas também muitos dos que nos acompanharam, sobre as questões trazidas por este documento. Não tivesse ele outro contributo, o que não é, de todo, o caso, teria este importante contributo de colocar o sector atento, a discutir, a debater e a pensar num conjunto importante de desafios que agora têm outro enquadramento e circunstâncias distintas.

Como nota final, diria que o relatório é, em relação ao eixo da transformação digital, bem completo e aborda um conjunto de problemas e questões que o estado precisa de resolver, no entanto, haveria ainda algumas outras questões que poderiam ser levantadas e abordadas como por exemplo, a gestão de direitos (relacionada também com a acessibilidade), a normalização ou a criação de uma plataforma de colaboração mais vasta entre museus, bibliotecas e arquivos do estado central para a dinamização do património cultural guardado nestas instituições.

Teremos certamente oportunidade de aprofundar o resultado do excelente trabalho da Clara Camacho e da equipa que nos deixa este importante contributo para o desenvolvimento do sector. Não o deixemos cair nas gavetas profundas da Ajuda.


1 Ana Carvalho – Investigadora de pós-doutoramento no Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS) da Universidade de Évora e membro do Grupo de Projeto Museus no Futuro (2019-2020). Doutoramento em História e Filosofia da Ciência, especialização Museologia e mestrado em Museologia (Universidade de Évora). Colaborou como investigadora principal no projeto internacional Mu.SA – Museum Sector Alliance (2016-2020) sobre os desafios da transformação digital para os museus. É uma das fundadoras da revista MIDAS – Museus e Estudos Interdisciplinares. A sua investigação tem-se centrado em temas do património, da história da museologia e da museologia contemporânea.

2 Helena Barranha – Doutoramento em Arquitetura (Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto, 2008) e Mestrado em Gestão do Património Cultural (Universidade do Algarve, 2001). É Professora Auxiliar no Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e Investigadora no Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, onde integra o Grupo de Museum Studies e coordena o cluster de Arte, Museus e Culturas Digitais. Foi Diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, em Lisboa, de 2009 a 2012, e Coordenadora do projecto unplace: um museu sem lugar, entre 2014 e 2015. As suas atividades de investigação centram-se atualmente no património cultural, na arquitetura de museus de arte contemporânea e nas culturas digitais, temas sobre os quais tem realizado várias conferências e publicações, tanto em Portugal como noutros países. É membro da Associação Acesso Cultura, do ICOM-Portugal e da Europeana Network. Association.

Museus no Futuro – Relatório

Museus no Futuro – Relatório

Hoje, após uma breve e agradável conversa que resulta neste texto, dei comigo a pensar no tempo que passou desde que comecei o Mouseion, nas transformações que o panorama museológico sofreu desde então e no que já vi de bom e mau acontecer durante este tempo no nosso sector. Na altura que o criei, pensei nele como um instrumento de reflexão sobre os museus, sobre aquilo que poderiam ser os museus no futuro, ou naquilo que eu imaginaria que viessem a ser.

É sempre um tema que me apraz discutir. O que queremos, enquanto comunidade e enquanto profissionais do sector, fazer para ter melhores museus, mais eficientes, com mais recursos, com mais público, com capacidade para dar a conhecer o passado (bom e mau), assumindo o seu papel social como espaços de liberdade e debate sobre o presente, melhorando os seus procedimentos, imbuídos num espírito de auto-crítica e de avaliação contínua, transparentes e divertidos.

Museu do Futuro
Museu do Futuro
Shaun Killa
Dubai, Emirados Árabes Unidos

Por isso, agradecendo desde já à Clara Camacho a partilha, é com enorme prazer que partilho com todos vocês, o relatório preliminar que o Grupo de Projeto Museus no Futuro apresentou à Ministra da Cultura e que estará, até final do presente mês, em consulta pública para receber os nossos comentários, críticas e sugestões.

Não tive, porque o recebi hoje apenas, a oportunidade de o ler com o cuidado que merece o trabalho dos nossos colegas que constituíram este grupo, mas irei ler, reflectir e partilhar com a Clara, bem como por aqui, as minhas sugestões, críticas e sugestões.

Sei que os membros da equipa estão abertos a todas as contribuições dos profissionais do sector e por isso cabe-nos agora a responsabilidade de reflectir e propor aquilo que cada um de nós considera importante para os Museus no Futuro.


Missão do Grupo de Projeto Museus no Futuro

Identificar, conceber e propor medidas que contribuam para a sustentabilidade, a acessibilidade, a inovação e a relevância dos museus sob a dependência da Direção-Geral do Património Cultural e das Direções Regionais de Cultura.” (No 1 da RCM no 35/2019, de 18 de fevereiro)

Âmbito

Na sua génese, o projeto incidia nos Museus e Palácios na dependência da DGPC e das DRC. Este universo foi posteriormente alargado, passando a abranger os Museus, Palácios e Monumentos (MPM) contemplados pelo diploma que estabelece o respetivo regime de autonomia, o Decreto-Lei no 78/2019, de 5 de junho. Assim, o projeto incide nas mais de três dezenas de Museus, Palácios e Monumentos dependentes de dois tipos de entidades tutelares da área da Cultura:

  • o organismo da Administração Central do Estado – a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), da qual dependem Museus Nacionais, Palácios Nacionais e Monumentos Património Mundial;
  • as quatro entidades da Administração Central desconcentrada – as Direções Regionais de Cultura (DRC do Norte, Centro, Alentejo e Algarve), que assumem a tutela de museus e de monumentos para elas transferidos na reestruturação administrativa do Estado, em 2012.

Os Museus, Palácios e Monumentos estão, nalguns casos, agrupadas em unidades orgânicas compósitas para fins de gestão e sob a coordenação de um único diretor. Para efeitos da sua caraterização e de aprofundamento do conhecimento, optou-se pontualmente pela sua desagregação:

  • no total de 37 unidades em análise.

É sobre este conjunto, diverso em tipologias patrimoniais e territorialmente disperso, que recai a reflexão deste Grupo de Projeto.

Virtual vs Físico. A luta não existente

Virtual vs Físico. A luta não existente

Ontem, e em boa hora, participei no colóquio digital do ICOM Portugal que tinha o sugestivo título “Como sentir (na web) o peso do ar e da pedra?” e foi suscitado pelo texto provocatório da Patrícia do Vale com o seguinte título “Tudo será ainda instagramável? O museu por reinventar”. No debate fiquei ainda mais certo daquilo que tenho dito, em diversos locais, sobre esta dicotomia do Virtual vs Físico e da inexistência de uma luta titânica entre estes dois aspectos das nossas vidas.

Colóquio Digital ICOM PT

São vários os pontos que abordei durante o debate, mas tal como lá, vou aqui organizá-los em 5 pontos (lá foram 4 na intervenção inicial e depois acrescentei mais um durante o debate):

  • Políticas e Gestão
  • Conteúdos
  • Formação
  • Acessibilidade
  • Avaliação

Políticas e Gestão

Uma declaração primeira que nada tem a ver com o digital, mas que me irritou durante este tempo de confinamento. Não é possível compreender que instituições de referência, por causa de dois ou três meses de confinamento, coloquem em causa o trabalho de um conjunto de profissionais que lhes têm valido reconhecimento e louvores aos anos. Neste caso não é luta do digital vs físico, mas sim uma luta de valores e missão.

Relativamente à gestão a pergunta que se deve fazer é: que museus tinham pensado numa estratégia digital antes do COVID-19? Sem grande risco, julgo que é seguro dizer que muito poucos o tinham feito, certo? Ou seja, durante esta quarentena, os museus não responderam com um instrumento pensado previamente, sendo pró-activos antecipadamente, mas sim de forma reactiva a (vários e grandes) problemas que foram colocados aos museus. Na reacção notamos as diferenças entre museus. Especialmente nos recursos (financeiros e humanos) que têm à sua disposição, mas também nas assimetrias que o país não tem conseguido resolver. A tal luta entre Virtual vs Físico que digo não existir, deve ser vista como uma luta em integrar o digital naquilo que já existia antes, ou seja, o museu físico, as suas colecções e a relação entre estes e as suas audiências.

Conteúdos

Aqui a luta entre Virtual vs Físico é sempre mais polémica. A constituição de colecções digitais, representativas das físicas, tem levantado um conjunto de questões ao longo dos anos que entendia no passado, mas que agora me parecem cada vez menos admissíveis. O objecto digital não pretende substituir o físico, é uma impossibilidade! No entanto, o meio digital dá aos museus a oportunidade de produzir informação e conhecimento, ou melhor, de deixar produzir conhecimento a todos os que possam ter acesso, em cima do conhecimento que os museus detêm.

Além disto, como também mencionou a Laura Castro, a linearidade com que os produzimos, em tudo semelhante aos processos que herdamos da transmissão do conhecimento em suportes físicos, precisa de ser repensada tendo em consideração as diferentes valências que o meio (mencionado e bem pela Isabel Victor) proporciona.

Formação

Este é, sem qualquer dúvida, um dos calcanhares de Aquiles nos museus portugueses (e não só). A formação existente na área dos museus não abrange a complexidade do universo digital em que estamos inseridos. Nas diferentes áreas (documentação, conservação, gestão, mediação, comunicação, etc.) de actuação do museu há um conjunto de desafios que são colocados diariamente aos museus pela crescente actualização tecnológica, pela obsolescência constante, pela procura do “trendy”, pela novidade do tema ou simplesmente pela necessidade que embatem de frente com a ausência de competências digitais apropriadas nos profissionais de museus.

Este é um problema que o ICOM Portugal procurou enfrentar, participando no projecto Mu.SA, desenvolvendo com um conjunto de parceiros europeus um caminho de formação (MOOC e Curso de Especialização com Estágios em museus), focado na aquisição destas competências para 4 perfis profissionais emergentes na área digital. Sobre a ausência das competências digitais sentida nos museus e seus profissionais, os mais de 5000 inscritos no MOOC falam por si só.

Acessibilidade

O acesso é o maior argumento para quem é ainda relutante a juntar-se à luta de integração do virtual no mundo físico (espero que a este ponto já se tenham esquecido da luta Virtual vs Físico). Com as colecções digitais podemos dar acesso a quem está (literalmente) do outro lado do mundo. No entanto, importa não esquecer que não resolve tudo. A exclusão aqui mantém-se e deve ser um problema a colocar em cima da mesa sempre. Não só a infoexclusão (que per si é um grande problema ainda), mas também a exclusão económica e social que experimentamos neste período da pandemia com uma quantidade considerável de estudantes, que se viram privados de continuar a escola por não terem um computador disponível, por exemplo.

Avaliação

Por último, o ponto que introduzi no debate apenas, suscitado por outras intervenções, a avaliação. Ou melhor, uma reflexão que é necessária fazer sobre a avaliação para não continuarmos a insistir no número de visitantes para premiar os museus (agora temos mesmo que pensar noutras formas), mas também para não continuarmos a avaliar o universo digital pela relevância dada por cliques, por um bom SEO, por algoritmo Google, etc., mas sim por indicadores que tenham em consideração a qualidade com primazia sobre a quantidade.

E daqui em diante. Que museu queremos reinventar?

Temo, muito sinceramente, que não o queiramos reinventar. Temo que o esforço e as reflexões que tivemos durante este período caiam no esquecimento após o levantamento total das restrições. Temo que voltemos a visitar “em bando” e aos magotes o Louvre, o British, o Prado, o MNAA, etc., e que celebremos de novo as exposições e salas cheias de gente (e eu gosto de ver os museus cheios de gente, não me interpretem mal). Mas temo, acima de tudo, que nos esqueçamos que este susto enorme é uma das melhores oportunidades que tivemos para mudar o rumo das coisas e repensar o museu que queremos ter no século XXI.

Uma linda oportunidade que, em meu entender, poderíamos ter aproveitado para o efeito com a abertura dos concursos dos museus e palácios nacionais (que têm a boa notícia de pedir profissionais com formação em museologia), mas que, em boa parte, desperdiçamos. Um outro assunto, que se interliga, mas que terá texto próprio.

Uma pandemia no Museu

Uma pandemia no Museu

Se estão a pensar que o título deste post é uma referência à série “Uma aventura” da Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada, acertaram em cheio! Uma pandemia nos museus, uma pandemia na escola, uma pandemia no teatro, uma pandemia no café, uma pandemia na mercearia, e por aí fora, poderia motivar uma das melhores séries para o tempo em que vivemos. Uma pandemia no Museu, procura, sem o arrojo de me aproximar da qualidade das autoras acima mencionadas, ser o mote para a reflexão que tenho feito sobre o que será o Museu neste tempo e no futuro.

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O Museu Nelson-Atkins recebeu alguns visitantes inusitados: pinguins.
Imagem daqui.

Nestes últimos meses em Portugal, na Europa e no restante mundo, assistimos a um surto pandémico de um vírus que tem uma forma (ou formas) de contágio que permitiram uma propagação como nunca visto à escala mundial. A pandemia meteu-nos a todos dentro de casa (vá quase todos que há sempre quem ache que isto é uma gripezinha) e tem espalhado o caos em todos os sectores de actividade. Aviões parados, hotéis fechados, fábricas sem produção, teatros sem espectadores, museus sem público e uma lista que não acaba!

Podem dizer o que quiserem, mas não vejo, muito sinceramente, como é que alguém se prepara para uma situação destas. Não me parece também que a poderíamos, apesar dos avisos de Hollywood, esperar ou prever. Vivemos numa época em que as condições sanitárias e de saúde com que contamos normalmente na maior parte dos países desenvolvidos deveriam bastar para conter, ou mitigar pelo menos, a evolução desta situação, mas a realidade é sempre capaz de nos mostrar que, ainda assim, não somos deuses, que a condição humana é frágil.

Cultura e a crise

Para a Cultura, em geral, a situação é muito grave. Por muito esforço que façamos, é difícil encontrar uma área deste sector que não dependa de um contacto direto com o público (ou entre o público). Museus, Bibliotecas, Arquivos, Arte, Teatro, Música, Cinema, Festivais, Dança, Circo e por aí adiante, não vivem sem esse contacto de proximidade que agora lhes é negado pelo COVID-19.

Apesar da gravidade ser transversal a todo o sector, é notório que as diferentes áreas merecem (e tiveram) diferentes respostas. Sei que os teatros ainda não estão abertos, que não teremos festivais ou que não iremos ao cinema da mesma forma que faziamos a.C (antes do COVID), enquanto que, no momento em que escrevo, já alguns museus abriram as portas e começaram a retomar, ainda que muito condicionados, a sua actividade. Por isso mesmo, neste texto apenas falarei da realidade dos museus que poderá ser mais fácil do que outras realidades.

Assim que fomos confrontados com o crescendo da pandemia e o governo, juntamente com as autoridades sanitárias, declarou o estado de emergência (o mais grave dos estados de alerta) os museus fecharam. No entanto, ao ler a definição de Museu do ICOM, percebemos que o museu é uma “instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público…”! Ou seja, fechado é o oposto da essência do museu e fechados dificilmente conseguem cumprir a missão a que se propõem.

Claro que todos sabemos que o tempo é extraordinário e que fechar museus (instituições culturais no geral) foi uma medida extraordinária e, de resto, temporária como se tinha previsto. No entanto, gostaria de salientar alguns pontos que me parecem importantes na reação dos museus e sector nesta fase.

Duas velocidades ou mais

O primeiro é que o país tem vários andamentos, várias velocidades, no que diz respeito à resposta que os museus podem dar em situações extremas.

Há museus que respondem de forma interessante, como aconteceu com o Museu de Lisboa, reforçando a sua presença nas redes sociais e utilizando um conjunto de recursos interessante como as visitas virtuais, as histórias dos bastidores e das suas equipas, a criação de quizzes para os seus públicos, entre outras. Nesta linha, tivemos também uma boa série de vídeos do MNAA sobre objectos da colecção e ainda, numa resposta ao aumento da procura do digital, outros museus que publicaram as suas colecções online, como o MUDE, por exemplo, e outros que as actualizaram como o Museu Municipal Santos Rocha.

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Anísio Franco, subdirector do Museu Nacional de Arte Antiga (à esquerda), e Joaquim Caetano, director, têm filmado todos os dias um vídeo que divulgam na Internet
©Publico

Por outro lado há museus que ficaram completamente restringidos na sua acção. Museus que reduziram as suas equipas e as colocaram em layoff, museus que não tinham/têm os recursos, meios ou competências para abraçar de repente o digital, museus cujos os públicos são maioritariamente escolas e comunidade local que ficaram em confinamento ou restringidos à tele-escola, museus ainda que não tiveram capacidade de reacção, porque simplesmente têm uma equipa de uma pessoa que agora está em casa, a acompanhar os seus filhos.

Estes dois lados já bastavam para percebermos que temos diferentes velocidades no sector dos museus, mas há ainda um, talvez o mais dramático, que é o caso dos museus que tiveram uma reacção absurda e que convém registar para memória futura, como aconteceu com o caso conhecido das dispensas em Serralves que motivou uma resposta à altura por parte da comunidade de profissionais de museus.

E uma política cultural…

O segundo é que Portugal carece, desde há muitos anos, de uma verdadeira política para a área da Cultura, pensada a médio e longo prazo, que possa ser conciliada/estruturada/pensada (e sei lá bem mais o quê) com outras áreas como a Educação, o Turismo, o Ambiente e a Economia, mas que seja verdadeiramente autónoma e emanada da Ajuda e não das Necessidades, do Terreiro do Paço ou da Horta Seca. A ausência de uma política cultural séria e pensada a longo prazo é um erro que muitos têm apontado aos últimos governos portugueses. Uma denúncia de erro com que concordo e que nos tem fragilizado em relação a outros países europeus, nomeadamente com a Espanha, aqui ao lado. Mas acima de tudo é um problema que expõe, em alturas de crise como esta, as deficiências na resposta a crises repentinas. Para dar apenas um exemplo, recordo que o primeiro apoio que o Ministério anunciou para responder à crise e às dificuldades dos profissionais do sector, foram de menor valor (cerca de um milhão de euros) do que o que a Câmara Municipal de Lisboa concedeu. E isto ao mesmo tempo de um anúncio de apoio de 15 milhões de euros ao sector da comunicação (o mais beneficiado da área de governação).

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Casal mascarado de “Bonnie e Clyde” dá cabaz alimentar e 151 euros à ministra da Cultura
© TVI

Digital vs Físico – uma luta falsa

Um último ponto prende-se com uma outra pandemia, que pensava já ter sido ultrapassada, mas ainda parece estar a assustar muitos a acreditar no que vou lendo em blogs, jornais, redes sociais e afins. A eterna luta (inexistente a meu ver) entre o físico e o virtual, o real e o digital, que agora foi trazida à baila em alguns debates e que, em meu entender, é absurda!

Parece óbvio a todos nós (pelo menos a mim) que o que evitou uma ausência total dos museus nas nossas vidas nestes últimos dois meses, foi a existência do digital. A existência de conteúdos digitais que nos chegam às mãos por telemóvel, tablet ou computador foi, em muitos casos, um recurso precioso para o ócio, aprendizagem, pesquisa e outros fins bem interessantes. Julgo que com esta amostra ficamos todos ainda com mais vontade de retomar as visitas aos museus, não? Eu fiquei e começarei, assim que puder ir aos que mais me chamaram a atenção neste período.

Estamos a passar para uma segunda fase. Já abrimos os museus, os teatros irão reabrir, o cinema também, precisamos de ter os cuidados indicados pelas autoridades de saúde e temos que nos adaptar a esta nova situação (que é estúpido pensar como um novo normal), mas assim que conseguirmos pensar noutra coisa que não a reacção e as medidas de mitigação das situações difíceis que a crise criou, e são muitas, espero que exista, de uma vez por todas, a vontade de nos sentarmos e discutir o que tem que mudar na Cultura, nos Museus, para que deixemos de ter o pandemónio que temos há tantos anos. Que seja breve esta Pandemia nos museus.

Teletrabalho e tele-escola

Teletrabalho e tele-escola

Parte do meu trabalho é muito digital e pode, sem grandes dificuldades, ser feito à distância, excepção feita para as sessões de formação ou algumas reuniões muito específicas. É uma sorte, bem sei, mas é importante que se diga que o teletrabalho não é só replicar em casa o que se faz no gabinete da empresa. Há um conjunto grande de outras variáveis a ter em conta. Uma delas é juntar teletrabalho e tele-escola tudo ao mesmo tempo! Como é que a coisa resulta? E resulta para quem?

De onde vos escrevo, o meu escritório na cave de minha casa, tenho um ecrã que trouxe da empresa, ao qual tenho ligado o bendito MacBook Pro que agora me acompanha, tenho uma impressora e scanner, secretária com espaço, ferramentas necessárias para que o teletrabalho seja simples e eficiente e, acima de tudo, tive formação, muitas horas de formação, em diversas ferramentas e áreas que preciso para o trabalho (isto vai desde coisas mais “tech” como SQL e .NET, por exemplo, a coisas elaboradas como gestão de dados, estruturas de dados, desenvolvimento de aplicações, até chegar à utilização destas novas coisas que agora toda a gente tem que são os teams desta vida. Para me ligar à maravilhosa equipa da Sistemas do Futuro (e outras equipas com quem trabalho) tenho uma rede das boas. Tenho ainda a felicidade de ter à frente e atrás de mim duas estantes carregadas com bons livros.

A minha mulher, em teletrabalho também, tem computador fornecido também pela empresa onde trabalha, tem a seu cargo uma catrafada de papéis e leis e regulamentações e excepções às leis pelo estado de emergência em que vivemos. Partilhamos a impressora, a boa rede que temos em casa e as demais coisas que facilitam esta nova fase.

Tenho dois filhos que estão em tele-escola. Um no 6.º ano e outra no 3.º ano. Cada um deles tem um tablet e têm ao dispor, quando precisam, os computadores velhinhos do pai (que os guarda e trata bem). Têm um espaço em que podem estar isolados, atentos às aulas online. Têm, caso for necessário, a possibilidade de ver e rever (assim precisem), através da TV por cabo, as aulas da nova tele-escola do novo e muito útil programa #estudoemcasa. Têm professores, na sua larga maioria, excelentes que deram o seu melhor para que em 15 dias, repito 15 dias, pudessemos mudar a escola como ela não tinha sido mudada desde há muitos anos. Têm pai e mãe com capacidade e tempo para lhes dedicar atenção, com a compreensão das entidades onde trabalham. Têm, para orgulho sincero do pai e mãe, uma autonomia que me espanta constantemente. Têm livros.

Estas, meus caros amigos, são as condições ideais (não poderei dizer as mínimas, mas apetecia-me) que permitem, aqui em casa, juntar teletrabalho e tele-escola! Temos conseguido repartir a atenção entre tudo e ainda tivemos tempo para algumas pinturas nos muros do jardim (sim que ainda temos um espaço ao ar livre para arejar as ideias).

A questão é que estas condições só existem para alguns de nós, os mais afortunados, os que têm conseguido para si mesmos com maior ou menor esforço, as condições de vida e trabalho que permitem encarar tempos como este com relativa calma. Para muitas famílias este momento não é fácil. É, talvez, um dos maiores desafios que terão que enfrentar.

Começo pelas coisas mais fúteis, as materiais. Nem todos os alunos, agora em casa, têm sequer um computador para dividir com os pais, nem todos os pais têm as competências digitais necessárias para ajudar os filhos, uma impressora é algo que não existe na maior parte das casas, o acesso à net, com as condições mínimas, não é ainda universal (aliás este é um problema estrutural para a igualdade e acesso à informação que temos por resolver), a secretária e o espaço disponível também não são, estou certo, uma realidade em muitos lares por todo o país e, por fim, em quantas casas haverá livros?

No entanto, as que mais importam, são as mais complicadas de resolver. Quantos pais têm sequer a possibilidade de ter tempo para acompanhar os filhos? Quantos não estão preocupados com os seus empregos? Quantos têm agora que sair à procura de novos empregos? Quantos têm filhos que começaram este ano as aulas e não têm ainda uma autonomia mínima? E os que têm filhos com necessidades especiais de aprendizagem? E os pais e avós que não têm, apesar de todo o esforço, a capacidade de ajudar os filhos com determinadas matérias? E os que não têm professores à altura das circunstâncias excepcionais em que vivemos? E os que estudam em escolas que não têm disponíveis todas as ferramentas digitais necessárias nestes dias? Ou que não conseguiram, apesar do esforço, preparar esta mudança em tão curto espaço de tempo?

A mudança ou transformação digital de que tanto agora se fala é uma revolução bem mais ampla do que dar computadores e ligações à internet em larga escala. Implica bem mais do que estas condições materiais, essenciais como instrumentos, é certo, que todos mencionam, mas sim uma reflexão profunda sobre as condições básicas de vida e sobre o modelo de sociedade (e de trabalho, de escola, de cultura, etc.) que queremos para o nosso futuro. É uma questão ideológica que deve encontrar um debate político profundo, à escala europeia e universal, sem donos antecipados da verdade e debates infrutíferos entre a esquerda e direita democrática que só fazem crescer o populismo das suas franjas anti-democráticas.

Captura de ecrã do site Estudo em Casa
#estudoemcasa

Enquanto ainda estamos assoberbados pela realidade destes dias e não discutimos ainda esta mudança que por aí vem, gostaria de destacar um excelente exemplo do que de bom se fez neste muito curto período. Falo do #estudoemcasa. Um programa* que reativou a antiga Tele-escola (que ainda vi) para de forma democrática, em sinal aberto na RTP Memória, fazer chegar conteúdos e aulas a todos os que não têm as condições necessárias para acompanhar a escola pós COVID-19. Um enorme projecto que gostaria de agradecer a todos os que foram responsáveis por o erguer em tão curto espaço de tempo!

*Sim, aquilo pode ter erros, pode ter conteúdos a melhorar, mas foram 15 dias, senhores! Quinze!

Da decência nas cedências

Da decência nas cedências

Comecei a escrever este texto após as primeiras notícias sobre o caso da cedência das obras do Museu Nacional dos Cohces para o hotel em Alter do Chão e muito antes de se despoletar todo o drama relativo ao COVID-19. Ainda assim, pela importância do tema, resolvi voltar a ele e deixar aqui escrita a minha opinião sobre o tema.

Da profícua capacidade legislativa que os nossos parlamentares e governos têm demonstrado ao longo das últimas décadas, haverá poucas leis aprovadas por unanimidade. É normal que assim seja! Em democracia, a diferença e as formas distintas de encarar a construção da sociedade são muito salutares, no entanto, é de louvar que uma dessas poucas leis, aprovadas de forma unânime por todos os partidos então representados na Assembleia da República, seja a Lei-quadro dos Museus Portugueses.

Corria o ano de 2004, era Presidente da República Jorge Sampaio e Pedro Santana Lopes Primeiro Ministro, e a 9 de Julho de 2004 foi então votado e aprovado o diploma que daria início a um dos melhores períodos para o sector dos museus em Portugal. Para a minha geração, era um tempo de esperança, devo dizer. Todos nós, que iniciávamos a carreira ou estávamos nos primeiros anos de trabalho nos museus, a lei dos museus portugueses vinha dar consistência a um sector que não é tido, normalmente, como uma prioridade política e, portanto, é bastante permissivo em relação à vontade do poder político. Vimos todos ali a criação de instrumentos que permitiriam aos museus reclamar mais recursos, mais independência, melhores condições para se desenvolverem e cumprirem os seus propósitos. Foram bons tempos devo dizer…

Passaram entretanto 16 anos! E a questão que se coloca, face às notícias recentes sobre as cedências de obras da colecção de um Museu Nacional para decorar um espaço de um hotel (não entro em conversas sobre a aquisição da referida colecção pelo Estado, porque não me sinto capacitado para o fazer), entre outras do género, é exactamente esta: estão os museus portugueses em melhor situação do que em 2004?

Colecção de selas do historiador luso-alemão Rainer Daehnhard
Colecção de selas do historiador luso-alemão Rainer Daehnhard – © Imagem

Eu respondo, ainda que triste, mas sem grande problema: não estão, não senhora! E se quisermos juntar mais perguntas, como por exemplo: são os museus realmente autónomos? E a política museológica nacional? Onde anda esta bendita? A resposta é ainda mais simples, mas na negativa na mesma. Não são nada autónomos e a política museológica nacional não está em lado nenhum, anda desaparecida como as notas de 500 euros!

Sei bem que o tempo que corre e que tivemos, nestes últimos 16 anos, diversos desafios, uma crise, muitas mudanças, alterações à vida das instituições, novos governos e tudo o mais que acontece normalmente neste tempo, mas não haveria forma de nos mantermos, pelo menos duas décadas, unidos com alguns propósitos comuns?

Eu acho que sim, que há forma de o fazermos! Devemos isso aos que nos seguem e a quem, antes de nós, conseguiu atingir objectivos comuns como a criação de uma lei importante e a de iniciar o processo de construção da rede de museus, por exemplo. Aliás, acho que o devíamos fazer em alguns sectores estruturais como a Cultura, a Saúde (como é notória a importância do SNS nestes tempos), a Educação e a Segurança Social.

No entanto, o que fizemos no passado, com uma lei exemplar, foi neste caso particular completamente negligenciado pelos responsáveis políticos, contra pareceres técnicos muito informados e sérios do Museu e da DGPC, com base numa visão puramente economicista do património.

Eu não sou, por princípio, contra a utilização/consignação de património cultural por privados. Acho que se tivermos um programa em que Estado, particulares e empresas usem recursos comuns para benefício de ambas as partes (e recordo que o Estado somos todos nós), pode ser útil para a recuperação do património e para a continuidade da sua utilização.

Temos em Portugal um conjunto de edifícios e monumentos que não tendo utilização pelo Estado, podem muito bem ser recuperados para outro uso em que a sua integridade, manutenção e conservação sejam asseguradas, permitindo a quem assume esses encargos retirar contrapartidas do investimento que ali faz. Prefiro isto do que ver diversos monumentos e edifícios em estado de ruína e abandono, assim como acho que nos casos contrários (os de abandono de património edificado com interesse relevante por privados, como o Palácio Rosa Pena, na minha terra natal, por exemplo) o estado deve poder assumir, após os procedimentos legais necessários, assumir a posse e investir neles para os devolver à esfera de utilização pública, nalguns casos, ou mesmo privada, noutros.

O mesmo diria, com as devidas diferenças, para as nossas colecções, para o nosso património móvel. Em boa verdade já o fazemos. São mais do que conhecidos os empréstimos de objectos dos nossos museus para outros museus e instituições, privadas ou não, que os solicitam com determinados motivos, isto é, para estudo, exposições e outras utilizações semelhantes. Para o fazermos, tal como no património imóvel, temos que respeitar um conjunto de regras, vertidas na lei e em diversos regulamentos, que procuram garantir a salvaguarda e segurança desses bens, assim como a sua utilização devida, independentemente da instituição e local. É muito simples de perceber, certo? Não são precisos pareceres técnicos muito elaborados, pois não? Era o que pensávamos até há bem pouco tempo.

Assim, em minha opinião, é chegada a hora em que todos nós, profissionais de museus, precisamos de ser intransigentes, como o foi a directora do Museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone (a quem agradeço muito pela coragem), e dizer não são cumpridas ordens que atentam contra a ética e lei.

Sei que o problema está ultrapassado e que a cadeia de hotéis já prescindiu do empréstimo e também sei que nos tempos de pandemia que vivemos este pode parecer um problema menor e sem qualquer interesse, mas é nestas alturas, em que estes problemas são colocados lá longe na gaveta das coisas que de vez em quando voltam se não formos firmes!