Museus e crianças (são secas ou não)

Museus e crianças (são secas ou não)

Ando preguiçoso para escrever. Aliás, não é bem preguiça, são um conjunto de tarefas que me ocupam largo tempo e afectam a capacidade de pensar em museus para além do horário de trabalho. No entanto, hoje ao ler este artigo, partilhado pelo Luís Raposo no Facebook há uns tempos atrás, lembrei-me que queria escrever sobre a última visita que fiz com as crianças a dois museus da capital do Reino. Museus e crianças, uma seca valente ou uma oportunidade!?

O pretexto para visitar Lisboa, nas férias com os pais, foi a promessa de uma ida ao estádio para ver o Glorioso. Dessa “visita” poderei falar um pouco numa outra oportunidade, mas devo dizer que a concorrência é muito forte se pensarmos que isto é uma luta entre “outros entretenimentos” (leia-se bola ou parques aquáticos, por exemplo) e museus. A ida ao museu ficou para a manhã seguinte à bola e escolhemos, por sugestão minha, que queria há muito lá ir, o MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. Se não agradasse, teríamos sempre um passeio à beira Tejo com a luz fabulosa de um dia de verão.

Entradas e atendimento

Não vejam este texto como uma descrição da visita ao museu. O foco será a experiência com os meus pequenos, mas não posso deixar de expressar o meu contentamento por dois motivos:

  1. os membros do ICOM são isentos de pagamento no MAAT (o que nem sempre acontece em museus privados);
  2. os pequenos não pagam até aos 12 anos!

Além disso não fui corrido com um “ICOM? O que é isso?” como me aconteceu no início do ano numa outra visita a um outro museu português. Além dos descontos que tivemos, é importante salientar também a simpatia da menina que estava na recepção e a eficiência com que nos recebeu e respondeu às nossas questões sobre o museu e a visita integrada aos dois edifícios (a Central Tejo pode também ser visitada e nós optámos por o fazer).

O MAAT

Uma primeira nota. A famosa onda sobre o Tejo é bonita! Eu e a família gostamos dela, do “rooftop” e da ligação ao rio. A entrada no museu foi divertida. Demos de caras, na galeria oval, com a exposição de Tomás Saraceno e confesso, sem qualquer participação nossa, deixamos as crianças disfrutar o jogo de sombras e luz, as dimensões das obras, a sua disposição, as cores, as suas sombras. Passamos a sala só presos nas brincadeiras e na curiosidade que manifestaram. Certamente seria bom ter alguém, que não eu, a tentar explicar-lhes a exposição, mas para quê? Pergunto eu! Será necessário ou imperativo que lhes expliquemos. Não terão tempo para outras leituras? Não é o contacto com a arte essencial, mesmo sem compreensão imediata?

Exposição MAAT

Exposição MAAT

Após a brincadeira seguimos para a exposição seguinte: Eco-visionários. Aqui a loiça foi outra. Muitos destes conceitos sobre ecologia e a noção do nosso impacto no mundo são ideias que abordamos em casa e na escola. A exposição é muito interessante do ponto de vista criativo e da forma como é desenhada, com um ritmo cativante e que fez com que crianças de 10 e 7 anos a percorressem com quase o mesmo interesse que o pai e a mãe. Uma única nota para a dificuldade que tem uma criança de 7 anos a ler legendas dos vídeos que estavam a passar!

Por fim, chegamos à Pan African Unity Mural de Ângela Ferreira, presente no Project Room e que lhes estimulou os sentidos pela cor. Julgo que foi onde demoramos menos tempo, mas nesta altura já eles (e a mãe) se queixavam do frio nas instalações do museu. Eu estava confortável, mas na realidade estava fresco o ambiente e fez-me lembrar a discussão entre o confronto das obras e o nosso que algumas vezes temos com colegas da conservação.

Acabada a visita ao novo MAAT, seguimos para a “velha” Central Tejo. Já lá não ia há muitos anos e para mim foi um regresso feliz, devo dizer.

A Central Tejo

Interior Central Tejo

Interior Central Tejo

É um dos museus de Lisboa que sempre gostei. Não o disse à família antes da visita para não influenciar ninguém. A oportunidade do bilhete único para os dois museus da EDP deu o mote e lá fomos. A visita faz-se entrando para a enorme sala das caldeiras que estava naqueles dias com uma instalação (com luzes e sons) que não foi muito do agrado do meu filho mais velho. O barulho era perturbador para ele. Eu confesso que gostei, mas tivemos que fazer um esforço para tornar a situação confortável para os meus filhos.

A Central Tejo não precisa de muito para nos cativar. A cada momento imaginamos o que fariam as pessoas que lá trabalhavam, as dificuldades que passavam, os conhecimentos que necessitavam de ter, a capacidade física (em alguns casos), a resistência e, por outro lado, as doenças que uma instalação daquelas provocou, certamente, em muitos dos seus trabalhadores. No entanto, seria bom ter mais alguma informação para ler, ver, consultar de alguma forma sobre o edifício, as máquinas, as salas, etc. junto a cada sala/máquina/objecto. Sei que o temos, em animações multimédia, mas numa parte específica da Central Tejo e, não queria pedir muito, mas se pudesse ter a mesma informação numa aplicação, seria excelente e poderia ter um maior grau de interactividade do que um ecrã com um vídeo animado a passar em loop. Fica a sugestão.

A varanda sobre o Tejo

Para finalizar a visita subimos à nova varanda sobre o Tejo. A cobertura do MAAT é, sinceramente, um local fabuloso para quem gosta da Luz de Lisboa. É admirável como aquela zona de Lisboa foi transformada e como é usufruida por turistas e lisboetas (os que ainda podem lá viver). Nós lá tiramos a selfie familiar, a foto da ponte e Cristo Rei e seguimos para o almoço satisfeitos.

E então, são seca ou não?

Museus e CriançasOs meus filhos gostaram. Tenho a noção que, enquanto pais, fazemos o que podemos para introduzir nos seus hábitos algumas actividades culturais como visitas a museus, monumentos, etc., idas a concertos, ao teatro, entre outros. Sabemos também que podiamos, se calhar devíamos, fazer mais, mas há também um espaço que deve ser, desde cedo, deles, vindo da sua cabeça, uma decisão própria, um pedido expresso para uma dessas actividades! E esse pedido já o conseguimos de ambos.

Sei bem que não há fórmulas mágicas. Uma resposta específica não serve para resolver todos os problemas desta natureza. No entanto, julgo que o esforço de aproximação entre crianças e museus/teatros/bibliotecas/concertos/”you name it” deve partir, na maioria, da relação familiar. O museu pode e deve fazer a sua parte. Tornar-se atractivo e pensar nos diversos públicos na sua programação, mas também não o podemos julgar por todos os males e resistências que tem no público infanto-juvenil.

Uma outra análise que também seria interessante fazer, prende-se com a forma como os museus são apresentados à maioria das crianças nas visitas escolares. Eu tenho uma breve, muito pouco fundada opinião sobre o assunto, que decorre da experiência de há alguns anos atrás no Museu de Aveiro e da experiência que vou tendo como pai que autoriza os pequenos nas visitas escolares, mas gostava de ler/ouvir alguém mais conhecedor do que eu! Alguém para um texto no speaker’s corner?

Por fim, importa dizer que das visitas que temos feito com eles, não me parece que os museus sejam uma seca para os meus filhos. Em alguns deles temos diversão, noutros reflexão, noutros ainda fascinação, mas na grande maioria deles aprendemos! Nem que seja uma pequena curiosidade revelada pelo mais insignificante dos objectos. E é isso que na realidade importa.

 

Museu das Descobertas – um pequeno contributo

Museu das Descobertas – um pequeno contributo

Museu das Descobertas, Museu da Viagem, Museu da Interculturalidade de Origem Portuguesa, Museu do Achamento, Museu de tudo e mais alguma coisa e de nada ao mesmo tempo. É o tema do momento na nossa área e, ao contrário de outras situações mais inquietantes, ocupa até o tempo à letra de alguns dos mais reconhecidos cronistas da nossa praça, como Miguel Sousa Tavares.

Não me levem a mal este primeiro parágrafo, eu acho que não há nenhum assunto, nenhum mesmo, que não mereça um amplo debate público. Acho até que o debate que é trazido pela proposta da Câmara de Lisboa, prevista pelo que percebi no programa de Fernando Medina, da criação de um Museu das Descobertas ou Museus dos Descobrimentos tem um conjunto de pontos positivos que me agradam muito, começando pela forma elevada com que é travado, apesar das diferenças extremas dos argumentos apresentados e acabando na forma como o debate nos faz pensar criticamente sobre aquilo que nos foi ensinado (e julgo ainda ser) como os Descobrimentos Portugueses ou a Expansão Marítima Portuguesa e que tínhamos como um cadeirão no curso de História.

 

Um breve contexto

Até agora, e salvo algum falha nas diferentes partilhas e fontes, temos os artigos de Matilde Sousa Franco no Observador (aqui o primeiro e aqui o segundo), o texto do Luís Raposo no Público, um post de Luís Filipe Pimentel no Facebook, um post da Maria Vlachou, a mensagem do Pedro Pereira Leite, outro post da Maria Isabel Roque, o artigo do Miguel Sousa Tavares no Expresso (vertido aqui), o artigo do Paulo Jorge Sousa Pinto no Público, um outro artigo do Pedro Lains e, até uma edição do podcast do Observador Conversas à Quinta, com a visão de Jaime Gama e de Jaime Nogueira Pinto, moderados por José Manuel Fernandes, para a qual fui alertado pelo Luís Raposo na Museum já depois de ter começado este post. São muitas opiniões (o que é bom) a que se junta a Carta Aberta, assinada por um conjunto significativo de investigadores, que se opõem ao nome “Museu das Descobertas”.

Em todos eles, sem excepção, encontro argumentos válidos para a utilização ou negação do nome. Em alguns daqueles textos, nomeadamente o do Luís Raposo e da Maria Vlachou, encontro argumentos com que me identifico claramente para questionar a criação de um novo museu (que aliás me parece ser entendido como mais um entreposto turístico do que um museu) numa altura em que os museus portugueses, públicos ou privados, sofrem dificuldades agonizantes para conseguir manter as portas abertas apesar das constantes subidas nas estatísticas de visitantes.

Em todos eles vejo também a preocupação de lidar com os aspectos positivos e negativos de uma época em que Portugal teve um papel de destaque no mundo porque, fruto de um conjunto de circunstâncias muito específicas, se virou para onde percebeu ser possível crescer e competir com as nações europeias mais fortes. Aspectos positivos e negativos que podem muito bem, independentemente do nome de um museu que os pretenda debater e questionar, ser contados sem pudores e usados para tratar dos mesmos temas (principalmente os negativos) que ainda prevalecem no seio da nossa sociedade sem qualquer debate.

Vejo também, na maior parte deles, ideias excelentes, propostas concretas, visões de museologia contemporânea com que me identifico, nomeadamente a seguinte proposta da Maria Vlachou:

Sei que esta é uma história que se inicia no século XV, cujas consequências, boas e más, chegam aos nossos dias. É o presente e o futuro que se deve debater, olhando para o que foi o passado. É o presente e o futuro que se deve discutir com todos os que se sentem tocados pela história e pela actualidade.

Mas também me revejo, por completo, nesta afirmação da Maria Isabel Roque:

Mais do que a criação de um novo museu e da discussão acerca do nome, importa dar aos museus existentes os meios humanos e financeiros necessários para que possam apresentar e comunicar as respetivas coleções, articulando-se com a investigação académica na elaboração dos discursos; dar-lhes os meios necessários para repensar os modelos de musealização, definir redes e conexões entre espaços museológicos e reabilitar os espólios ignorados ou esquecidos.

E no mesmo sentido, parece-me que a criação deste museu, ou melhor, de um qualquer museu que pretenda, com a melhor das intenções, explorar o contexto dos Descobrimentos é completamente extemporânea. E tenho dois argumentos que me fazem pensar desta forma.

 

Dois argumentos a considerar

O primeiro prende-se com a actual situação dos museus em Portugal. Vivemos, apesar das promessas eleitorais do actual Primeiro Ministro, um dos momentos mais infelizes do sector. Há, apesar do que se vê nas estatísticas de visitantes, um desinteresse completo na resolução dos problemas dos museus. São orçamentos ridículos, quadros de pessoal insuficientes, fechados e envelhecidos, uma lei quadro sem aplicabilidade, a Rede Portuguesa de Museus reduzida a nada e um Ministério da Cultura que não tem, não expressa, nem tem a intenção de criar, muito menos executar, uma Política Museológica Nacional, resumindo-se a tratar de forma esporádica e errática de alguns dossiers mais prementes.

Esclarecendo, ou melhor, definindo esta política poderiamos pensar na criação de museus. Até na criação de um museus dos descobrimentos, da expansão, ou como lhe quiserem chamar, mas poderíamos pensar não num museu municipal (sim que este será um museu da câmara, não é) e sim num museu de âmbito nacional ou mesmo internacional. E já agora, pensar em colocar este museu, não em Lisboa (que já tem museus suficientes na minha opinião), mas sim no Algarve que apesar do esforço de um conjunto de museus municipais muito relevantes, mesmo a nível internacional, e do trabalho notável da Rede de Museus daquela região, não tem qualquer Museu Nacional e tem uma ligação umbilical com o tema.

Desembarque de Cabral em Porto Seguro

Desembarque de Cabral em Porto Seguro (óleo sobre tela), autor: Oscar Pereira da Silva, 1904. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.
[Public domain], from Wikimedia Commons

O segundo tem a ver com uma questão mais prática. Assim de momento, para contar a(s) história(s) dos Descobrimentos, precisaríamos de contar com as colecções de um conjunto significativo de instituições. Não só as do MNAA, como o seu director faz questão de lembrar, mas também as que estão na Universidade de Coimbra (no Museu da Ciência), no Museu do Azulejo, no Museu de Lisboa, no  Museu dos Coches, na Torre do Tombo, na Casa do Infante, nos Jerónimos, bem como noutros museus do país e em museus de outros países, desde logo do Brasil, Angola, Moçambique, S. Tomé, e outros da Lusofonia, mas também em museus na Índia, Japão e muitos outros países a que viagem nos levou.

Sem elas, mas também sem o “contemporary collecting”, que a Maria refere e muito bem, isto é, as colecções criadas/coletadas/incorporadas na actualidade que se cruzam com a herança dos descobrimentos, não seria possível contar uma história verdadeiramente global, com diversas visões, a partir de diversas culturas e não só da “portuguesa” (se é que isso ainda possa existir num mundo em que as culturas são tão influenciadas entre si) onde todos os intervenientes pudessem sentir reflectidas as suas conquistas, angústias, derrotas, confrontos, retrocessos, etc. Um museu com lado A e lado B que nos daria a possibilidade de ouvir cada lado e aprender ou acrescentar conhecimento e mais lados, ou seja, não um museu diplomático, mas sim um museu de narrativas. Não de compromissos, mas sim da verdade baseada em factos científicos e provas documentais (as colecções que o suportariam e a sua documentação, lá está).

Ora neste segundo ponto, a grande dificuldade que antevejo, para este Museu das Descobertas, ou lá como o queiram chamar, é a constituição da sua colecção. Como se faria? Seria apenas constituída por representações digitais dos objectos originais, contextualizadas por narrativas digitais construídas pela investigação, ou dadas a construír ao público? Ou passaria por um processo de depósitos, empréstimos, compra e outras formas de incorporação na C. M. de Lisboa? Será que queremos fazer isto? Será que os Museus atrás referenciados e outros, estariam na disponibilidade de “perder” algumas das suas melhores peças para este? Constituiria a CML uma nova colecção com base no “contemporary collecting” atrás referido? E a narrativa histórica contextual? Não é claro para mim como o fazer e por isso este argumento para ser contrário à proposta.

 

A importância do debate

No entanto, julgo que o debate é estimulante e pode trazer para o sector uma visibilidade que há muito não nos é dada, mesmo quando, e insisto no mesmo ponto, alertamos para os efeitos graves dos últimos tempos de governação sem qualquer atenção por parte dos media ou dos “opinion makers” com mais voz.

Acho, concordando com o já dito pelo Luís Raposo, que é tempo de todos nós profissionais do sector, expressarmos de forma audível a nossa opinião relativamente a estes temas. Não ter voz num debate com o impacto que este tem no momento, é contribuir para enfraquecer a qualidade das decisões que virão a ser tomadas, tendo em conta o contributo informado e científico que podemos dar.

Almada, museu e a criançada

Almada, museu e a criançada

No fim de semana passado tive um inesperado, mas muito bom, pedido da minha filha mais nova. Queria ir ao museu, a um museu! Sem que tivesse saído da nossa cabeça qualquer sugestão! Excelente, não é? Ora como um pedido destes não se recusa, toca de escolher o museu para pegar na criançada e passar um bom tempo de qualidade com eles!

A escolha recaiu no Museu Nacional Soares dos Reis. Já todos lá fomos (e temos muitos por perto que eles não conhecem), mas estava de olho na exposição “José de Almada Negreiros: desenho em movimento” e, além disso, estes hábitos de repetição de museus são bons para a criançada. Ficam mais próximos com toda a certeza! Vou contar-vos a experiência em três actos: antes, durante e depois!

O antes

 

A ida ao MNSR foi decidida com uma consulta na web (onde vi a informação sobre a exposição), mas se não fosse o Facebook do MNSR e a informação da Gulbenkian, não tinha encontrado nada no site do Museu (onde aliás fui direccionado para o FB do mesmo). Em todo o caso, várias notícias falavam sobre a exposição na breve pesquisa que fiz. Apenas deixo esta nota, porque vejo que o site precisa de acompanhar o enorme esforço de comunicação que o museu faz.

Decidido o museu, caminho percorrido de carro, ultrapassadas as dificuldades de estacionamento naquela zona da cidade (mesmo ao domingo é um castigo) com o recurso a um parque pago, somos confrontados com um problema crónico para o MNSR, a “praça” em frente ao museu é tudo menos amigável para quem ali chega! Se bem se recordam, a intervenção feita ali, com a saída do túnel de Ceuta, causou polémica na altura e foi mesmo embargada pela Ministra da Cultura, no entanto, e como bem recordava a Maria João Vasconcelos, já em 2013, o túnel é um perigo para os visitantes e para a colecção do museu. Em tempos de saída da crise seria bom pensar em minimizar aquele problema, pelo menos!

O durante

 

Entrados no museu (a criançada não pagou) e café tomado na cafetaria, seguimos mais ou menos apressados pela exposição permanente (o acesso às temporárias é sempre feito por aí), parando em algumas obras que despertaram o interesse aos mais novos, até que chegamos à galeria de exposições temporárias.

Visita ao MNSR

Eu desci as escadas, mas eles seguiram, como seria de esperar, pela rampa de acesso em correria desenfreada (nada como uma rampa para lhes despertar a vontade). Vai daí, pai em alerta e o pessoal do museu, alertado pelo barulho da correria, a ver discretamente o que vinha por ali. Um ponto a favor do MNSR nesta situação. Atentos, mas sem qualquer chamada de atenção à criançada, porque perceberam a atenção dos pais e o local onde estavam a brincar (a rampa não tinha qualquer obra exposta).

Mais do que a minha opinião sobre a exposição (bastante positiva, devo dizer), queria aqui deixar-vos a deles. Interessados nos desenhos do Almada, atentos a diferentes pormenores das obras (a museografia permitia que as apreciassem, embora com alguma dificuldade para as obras em vitrines horizontais), interessados na técnica de desenho (principalmente o mais velho), nas formas geométricas, nas histórias contadas pelo Almada, entre outros aspectos, acabaram a visita a dizer que tinham gostado muito da ida ao museu. Estiveram com a mãe sentados durante um bom tempo a ouvir a gravação da Gulbenkian de uma obra escrita por um artista que não me recordo agora, ilustrada por Almada na sua passagem por Madrid (se não estou enganado) e cujas ilustrações estavam a ser projectadas em frente! Divertidos com a bruxa e o gato.

Saídos da exposição do Almada, tivemos ainda tempo para percorrer as restantes salas do MNSR vagarosamente, procurando algumas histórias na excelente colecção do museu, inventando outras, esperando que a curiosidade seja sempre uma das suas qualidades mais preciosas e apreciadas. A mãe documentou dois olhares deles que ilustram isso e deixo-os aqui para memória futura.

 

À saída e em resposta à questão: Então, gostaram? Tivemos um “Sim… gostamos muito!” Sincero que a criançada não mente!

O depois

 

Não fosse o pedido da princesa lá de casa, teria passado umas boas horas de brincadeira caseira com eles, mas entre isso e umas boas horas de brincadeira e aprendizagem no museu (ou outro sítio interessante), tenho cada vez mais certeza, teremos que escolher sempre a segunda. Mesmo que o conforto da nossa casa, o chamamento do sofá, nos tente de forma diabólica a passar a tarde de domingo chuvosa em casa, temos que nos lembrar sempre que sair, conhecer outros locais, ver obras de arte, questionar, suscitar a curiosidade, etc.

Este passeio valeu aos pais um obrigado após a visita, mas, em boa verdade, quem lhes devia agradecer era eu.

Da “mercantilização da Cultura” (ou dos jantares no Panteão)

Da “mercantilização da Cultura” (ou dos jantares no Panteão)

A velocidade das reacções, nos dias que vivemos, é marcada quase exclusivamente pela necessidade de afirmação da voz própria num mundo de milhões de vozes que a net propicia. É desavisada para alguns, mas ainda assim insistem continuamente no erro mostrando indignação com tudo e mais alguma coisa. O jantar no Panteão, ou melhor, os jantares no Panteão são mais um caso que demonstra a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre os temas envolvidos.

Em primeiro lugar, e para que fique bem claro, parece-me completamente desajustado que se possam fazer jantares de qualquer espécie no Panteão (mesmo que a sala específica não tenha restos mortais). É um local de homenagem aos melhores da Nação e deve ser respeitado enquanto tal. Pode até parecer obtusa esta minha opinião, mas a simbologia de locais como este é importante para a nossa cultura e identidade e julgo que isso deveria merecer uma análise mais cuidada sobre a autorização de eventos em locais como aquele.

Uma outra situação que me enerva profundamente é ler, na imensidão de comentários e publicações e posts e twitter, a indignação de uma quantidade considerável de pessoas, a maior parte delas que certamente visita o Panteão diariamente, aliás da mesma forma que vai frequentemente a museus e monumentos, batendo no peito e clamando contra a situação e que raramente vejo a falar sobre os fracos recursos financeiros que as instituições na área da cultura têm disponíveis e que as obrigam a “vender” espaços para a realização de eventos de toda a espécie. Se calhar era bom pensar um pouco mais sobre o assunto antes destes momentos de indignação.

By Carlos Luis M C da Cruz (Own work) [Public domain], via Wikimedia Commons

Aliás, é sobre este último ponto que gostaria de reflectir um pouco. Eu não sou contra, por princípio, que se aluguem espaços em monumentos, palácios, museus e afins. Reconheço que são locais procurados para tal exactamente pela simbologia e pela beleza que encerram e, como tal, ajustam-se ao que o mercado procura em termos de prestígio de determinado evento. No entanto, o rendimento que este tipo de aluguer representa deveria ser, em sentido restrito, uma fonte de receita adicional para que os museus, monumentos, palácios e afins possam ter os meios para concretizar projectos específicos de investigação, educação, acessibilidade, etc. e não, tal como tem acontecido, como suporte ao exíguo orçamento que têm para o seu funcionamento regular, ou seja, para manter as portas abertas. Não me parece que isto seja propriamente “mercantilização da cultura” como também vejo agora apregoado, mas enfim!

Quero com isto dizer que a discussão a ter, que é bem maior, vai de encontro ao mítico 1% de orçamento para a Cultura (que ainda assim me parece curto). Se assumimos a indignidade de ter eventos como este no Panteão, temos que perceber que o problema não está num despacho que não autoriza directamente estes eventos, mas sim que a autorização deles depende (em parte) do valor que eles representam para estas instituições e de uma análise casuística que é da responsabilidade de quem tutela (no caso específico da DGPC e do Ministério da Cultura que não ficam muito bem na fotografia neste caso).

Por último, e para todos os que só se preocuparam com este assunto por razões de arremesso político (de todos os lados), por parecer estar na moda criticar a Web Summit e os eventos paralelos, por não ter mais nada que fazer e razões semelhantes, fica aqui o meu singelo conselho: arrumem uma vidinha!

Diz que disse e desdisse

Diz que disse e desdisse

Ora deixa cá ver. Desde que trabalho em/para Museus, já lá vão uns 20 anos, já tivemos IPPC, IPM, IMC e recentemente DGPC. Nas andanças do património cultural é necessário acrescentar o IPPAR, o IGESPAR, o IPA e julgo que um outro para o património subaquático, mas desculpem-me por não recordar o nome. Além destes institutos ainda tivemos, e o utilizar o passado não é engano, a Rede Portuguesa de Museus (RPM) como um organismo do Estado que certificava os museus. No mesmo tempo, para o caso Inglês (e poderei estar enganado, mas por favor corrijam-me) tivemos o Museum, Libraries and Archives Council e temos agora o Arts Council (desde há uns três anos, segundo me recordo).

Não querendo fazer qualquer tipo de comparação com a realidade inglesa, que sei ser bem distante da nossa, a minha questão é a seguinte: quando é que nos decidimos a parar com ideias de reformas administrativas e pensamos seriamente numa política e estratégia para o sector público dos museus portugueses?

Ministro da Cultura

A questão é antiga e já foi colocada inúmeras vezes por diversos colegas. Recordo um texto mais recente do Luís Raposo sobre esta questão, mas podem consultar outros que ele escreveu aqui, ou então ler o da Isabel Roque aqui. No entanto, continuamos a ter anúncios como o que fez Luís Filipe Castro Mendes no Parlamento no passado dia 7 em que se anuncia um novo Instituto de Museus e Monumentos (IMM), desmentido, ou pelo menos adiado, pelo próprio nos dias seguintes, conforme noticia Lucinda Canelas no Público de dia 9, que demonstram, na minha opinião, uma navegação à vista que tem que ser criticada pelos profissionais de museus de forma aberta e franca.

A situação nos museus é péssima. Sentimos, desde há alguns anos, a ausência de recursos humanos e financeiros que possam colocar os museus nos mínimos aceitáveis para um país que se diz e quer evoluído. Mantemos um projecto importante como a RPM num estado vegetativo que não se compreende. Andamos a promover o nosso património e os museus como elementos chave para a promoção turística do país, mas na realidade não temos tratado uns e outros como activos importantes para aquele sector (e este ano, apesar do aumento orçamental, continuamos a arranjar formas de sonegar a realidade). Além disso somos brindados com notícias sobre o espartilhamento da coleção do Museu da Música, que será dividida por dois espaços, um em Lisboa e outro em Mafra, com o fraco argumento de uma suposta descentralização/desconcentração dos espaços culturais (como se entre Lisboa e Mafra se resolvesse a questão da ausência de museus nacionais) e da despesa da deslocação de toda a coleção para Mafra.

Este governo e os partidos que o apoiam tinham como obrigação (ver programa do Governo) tratar bem melhor o sector, mas sinceramente quem é que ainda acredita num programa de governo, não é? É um diz que disse e desdisse em continuidade.

Acesso Aberto – Debate e Conferência da Acesso Cultura

Acesso Aberto – Debate e Conferência da Acesso Cultura

Toda a gente sabe que uma maldade nunca vem só! Quer dizer, por vezes vem, mas não é o caso. A Acesso Cultura organiza este ano alguns eventos dedicados a um tema que me é caro: o acesso aberto! Vai daí resolvem convidar-me para ser moderador duas vezes para mal dos vossos pecados! Uma primeira que acontece já a 20 de Junho e uma segunda que acontecerá em Outubro. Vejam lá bem o azar de quem não quer perder a oportunidade de debater estas questões.

Debate Acesso Cultura - Acesso AbertoA primeira vez em que irei moderar um debate será no próximo dia 20 de Junho. Nesta têm alguma sorte. Podem escolher dar um salto a Lisboa, Évora ou Olhão e particpar num dos debates simultâneos que a AC organiza também naquelas cidades. No entanto, se quiserem participar no do Porto, podem (e devem) dar um salto ao nosso Museu Nacional Soares dos Reis e juntar-se a mim, à Ângela Carvalho (Centro Português De Fotografia), à Manuela Barreto Nunes (Biblioteca Geral da Universidade Portucalense), à Olinda Cardoso (Arquivo Distrital do Porto) e ao Pedro Príncipe (Universidade do Minho) pelas 18:30h para discutir este tema. A AC colocou-nos o seguinte mote:

A digitalização de colecções museológicas e de outros acervos culturais alcançou uma escala sem precedentes. De que forma as instituições culturais portuguesas enfrentam esta nova realidade? O que é que está a ser feito no sentido de criar condições de acesso aberto? A quem se destinam estes recursos digitais e para que servem? Que dúvidas persistem? Que preocupações?

Conferência Acesso Cultura - Acesso AbertoA segunda vez que irei moderar será uma mesa redonda da conferência da Acesso Cultura (será em Lisboa, a 16 de Outubro). É logo a seguir à conferência de abertura pela Merete Sanderhoff (Statens Museum for Kunst – Danish National Gallery) e terá a participação da Merete Sanderhoff (National Gallery Denmark), do David Santos (Direcção-Geral do Património Cultural), do Eloy Rodrigues (Universidade do Minho) e do Silvestre Lacerda (Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas) e será uma excelente oportunidade para debater e aprender com estes excelentes profissionais sobre acesso aberto.

Eu julgo que seria bom, numa e noutra oportundiade, discutir a questão sob duas perspectivas (mas digam-me vocês se concordam): Política e Técnica.

Na primeira uma abordagem sobre os caminhos e tendências que o Acesso Aberto segue nas instituições de referência, na visão estratégica de governos ou Comissão Europeia, por exemplo e na segunda abordar as condições, tecnologia, questões legais (embora estas possam também se ligar à primeira questão das políticas), etc. que devem ser tidas em conta pelas instituições que procuram informação de caracter mais prático sobre este assunto. Que vos parece? Estou aberto a outras perspectivas interessantes.

Eu sei que o tema é vasto e, ao que tenho ouvido, ainda pouco explorado entre nós. Por isso gostava que se procurassem respostas (mesmo sabendo que não há respostas definitivas) a questões como: O que é isso do Acesso Aberto? Que questões legais se levantam? Que políticas deve a minha instituição definir sobre esta matéria? Que materiais/informação deve/pode ter acesso aberto? Como mudar o panorama actual de acesso restrito em áreas fundamentais como a investigação científica? Que política(s) de financiamento devemos definir para esta matéria? Qual a diferença entre Acesso Aberto e Software Livre? O que precisamos para dar acesso livre à informação gerida por museus, bibliotecas e arquivos?

Se quiserem podem deixar abaixo (nos comentários) perguntas ou levantar temas para o debate e para a mesa redonda. Prometo que irei, dentro dos limites de tempo que teremos, levar comigo as vossas sugestões.

E já agora respirem fundo e participem. É um tema importante e interessante para todos nós!