Breve História da Documentação em Museus

Breve História da Documentação em Museus

A documentação em museus, tal como a conhecemos hoje, passou por uma longa evolução. Desde as primeiras coleções privadas até os sofisticados sistemas digitais atuais, o modo como os museus registam e gerem as suas coleções reflete mudanças culturais, tecnológicas e institucionais.

Neste post, vamos elencar apenas alguns momentos relevantes da história da documentação em museus e entender como chegámos ao atual estado de desenvolvimento.

Para uma história da documentação completa e muito mais informada do que este breve texto, aconselho o brilhante trabalho da Maria Teresa Marín Torres (Marín Torres, Maria Teresa. Historia de la documentación museológica: la gestión de la memoria artística. Gijón: Trea, 2002.) que percorre com detalhe os momentos essenciais do desenvolvimento desta áreanos museus. Podem também ver, em acesso aberto, um excelente texto sobre os “visionários da memória artística” na revista da Faculdade de Letras também da autoria da Maria Teresa.

Começamos, obviamente, pelo início:

1. As Origens: Gabinetes de Curiosidades

A documentação em museus tem as suas raízes nos gabinetes de curiosidades dos séculos XVI e XVII. Nessa época, colecionadores aristocráticos reuniam objetos exóticos e raros como entretenimento, mas também como demonstração do status social e intlectual. A documentação era limitada a inventários rudimentares, muitas vezes escritos à mão em diários pessoais sem critério que não fosse o registo pessoal. Esses registos serviam mais para manter o controle (uma espécie de cadastro) sobre os objetos recolhidos do que para fornecer informações detalhadas sobre sua origem ou significado.

A visão da documentação nesta altura concentrava-se em certificar a posse (ainda que pudesse ser duvidosa aos nossos olhos) e não reunir com detalhe toda a informação do contexto original do objeto. A motivação da recolha prendia-se mais com o belo e o exótico do que com a procura de conhecimento sobre o que os objetos ou espécies representavam.

2. O Surgimento dos Museus Públicos

Com a criação dos primeiros museus públicos no século XVIII, como o Museu Britânico (fundado em 1753), surgiu a necessidade de catalogar as coleções de forma mais sistemática. Inventários detalhados começaram a ser feitos, incluindo descrições básicas e informações sobre a proveniência das peças.

Nesta altura começaram a ser criados os primeiros sistemas de classificação e taxonomias para classificação de espécies que depois tiveram desenvolvimentos para as áreas da arte, arqueologia, etnologia, etc. O mais conhecido destes sistemas de classificação é o sistema lineano ou Sistema de Lineu para a classificação do mundo natural que fixou a divisão entre classes, ordens, géneros e espécies para a classificação das plantas criado pelo naturalista sueco Carl Nilsson Linnæus (1707 – 1778). Em Portugal um dos grandes disseminadores deste sistema, correspondente de Linnæus, foi Domenico Vandelli, lente da Universidade de Coimbra, e promotor do sistema no meio académico português.

No entanto, a normalização como hoje a conhecemos ainda era incipiente.

3. A Era da Catalogação Sistemática

No século XIX, com o crescimento exponencial das coleções e a profissionalização do campo museológico, surgiu a necessidade de uma catalogação mais organizada. Museus como o Louvre e o Smithsonian começaram a usar fichas catalográficas detalhadas, com informações sobre:

• Descrição física e técnica do objeto

• Datação e origem

• Classificação por categoria (arte, história natural, arqueologia, etc.)

Foi nesta época que o conceito de “número de inventário” foi consolidado, atribuindo a cada peça um código único para identificação inequívoca dentro do sistema de informação do museu. Sobre o número de inventário, podem consultar aqui no Mouseion, diversos textos e um episódio do “Conversas de Muzé” que refletem sobre o mesmo e sobre a sua evolução. No entanto, é importante perceber que a sua criação foi crucial para o desenvolvimento normativo na documentação das coleções.

Desde então, a discussão sobre normalização cresceu e foram criadas as primeiras normas, ainda que não globais, das quais encontramos ainda testemunho nas antigas fichas de inventário ou catalográficas que os museus detêm (uma nota para este que vos fala: escrever um post sobre a coleção de fichas de inventário que fui reunindo ao longo dos anos). Um longo período decorre até que chegamos à segunda metade do século XX.

4. O Impacto da Tecnologia: Primeiros Computadores

A partir da década de 1960, os museus começaram a explorar a utilização de computadores para a gestão de coleções. Um dos primeiros exemplos foi o da Museum Computer Network (MCN) nos EUA, que procurou normalizar as práticas de documentação e criar uma base de dados num sistema centralizado que serviria um conjunto de museus de Nova Iorque, que se juntaram para obter o financiamento necessário na altura para um computador (um mainframe, em boa verdade) com a capacidade de processamento necessária para o efeito. Esta mudança permitiu:

• Acesso mais rápido às informações das coleções;

• Maior segurança dos registros;

• Possibilidades de pesquisa mais avançadas.

Desde então, o desenvolvimento tecnológico, a massificação dos computadores e o crescimento da utilização de redes de intercâmbio de informação, empurrou os museus e os seus profissionais para uma vertiginosa e acelerada procura de soluções para a construção de um sistema de informação digital que responda eficientemente às solicitações internas e externas de infromação sobre o património guardado nestas instituições.

5. A Revolução Digital e a Documentação Online

O desenvolvimento tecnológico, nomeadamente com a criação e massificação da utilização da Internet, na década de 90, permitiu a disponibilização das coleções online, ampliando dessa forma a acessibilidade por parte do público e da comunidade académica. Nesta altura a pressão para a criação de sistemas normalizados, ou seja, para a criação de normas documentais dos museus, atingiu o ponto de ebulição.

Instituições como o CIDOC, a MDA (agora Collections Trust), a fundação Getty, entre outras, assumem nesta altura um papel fundamental na criação de normas como as Categorias de Informação do CIDOC, o CIDOC CRM (Conceptual Reference Model), a LIDO, a Spectrum, a CDWA (Categories for the Description of Works of Art), a Object ID, entre outras foram sendo criadas e dessiminadas, constituíndo um corpo normativo que tem vindo a ser consolidado no universo dos museus e que tem influenciado o desenvolvimento de normas no sector das instituições de memória.

Com base nesse desenvolvimento e no aparecimento de diversas aplicações de pesquisa nos museus, verificou-se também o desenvolvimento de plataformas digitais como o Europeana e o Google Arts & Culture permitiram que as instituições compartilhassem as suas coleções globalmente através de repositórios que reúnem no mesmo local metadados e objectos digitais de um conjunto cada vez maior de instituições.

Além destas plataformas a documentação das coleções através de sistemas digitais tem constituído um enorme apoio para o trabalho interno nos museus. Catalogação mais eficiente, implementação de procedimentos normalizados, extração de relatórios costumizados, elaboração de estatísticas, gestão de movimentos, de reservas, etc. são algumas das áreas onde a implementação de sistemas digitais constituiu uma enorme revolução para a gestão e preservação das coleções e da informação sobre as mesmas.

6. Tendências Atuais e Futuro da Documentação

Hoje, os museus utilizam sofisticados Sistemas de Gestão de Coleções (CMS), que permitem:

• Integração de dados multimédia (imagens de alta resolução, vídeos, modelos 3D)

• Conexão com redes sociais e plataformas interativas

• Utilização de inteligência artificial para catalogação e pesquisa

Além disso, novas abordagens, como a documentação colaborativa e a inclusão de narrativas comunitárias, estão a transformar a forma como registamos o património cultural.

Conclusão

A história da documentação em museus é um reflexo direto da evolução cultural e tecnológica da humanidade. Ao longo dos séculos, passámos de inventários manuscritos para bases de dados digitais interligadas, e o futuro promete ainda mais inovação com a utilização de tecnologias emergentes como blockchain e realidade aumentada.

No próximo post, vamos explorar os desafios atuais na documentação em museus, incluindo a digitalização de acervos antigos e a preservação de dados digitais.

Tipos de Documentação em Museus

Tipos de Documentação em Museus

O prometido é devido, já lha dizia o grande Rui Veloso na canção. Ora assim sendo, aqui vai o segundo post desta nova vida do Mouseion. Desta feitasobre os diferentes tipos de documentação que devemos encontrar nos museus sobre as suas coleções.

A documentação em museus é um processo abrangente e multifacetado que vai muito além do simples inventário ou cadastro de objetos. Para garantir a gestão eficiente das coleções, os museus utilizam diversos tipos de documentação. No post desta semana, exploraremos os principais tipos de documentação e como eles se complementam.

Inventário e/ou cadastro

Não há como começar por outro tipo de documentação. É uma lista exaustiva de todos, repito, todos os objetos que estão à guarda do museus em determinado momento. Desde que haja uma responsabilidade legal sobre determinado objeto, o museu terá que saber dar resposta a questões muito simples que devem fazer parte de qualquer inventário ou cadastro (o nome é indiferente e podem escolher o que melhor vos aprouver). As questões a que deve saber responder com este tipo de documentação são:

O que é? Onde está? Como é? Como está? De quem é?

Para o fazer o museu precisa de ter uma lista (um excel desta vida, senhores) com informação do número de identificação do objeto (número de inventário, número de cadastro, número de entrada, etc.), informação sobre a localização do objeto atualizada e credível, informação sobre as suas características fisícas (dimensões, materiais, informação intrínseca ao objeto, como marcas específicas e importantes para a sua identificação), informação sobre o estado de conservação e informação sobre a instituição que detém a propriedade do mesmo.

Ajuda imenso, claro está, ter o número de inventário no excel, mas não esquecer de o marcar no objeto, ok? E já agora, uma fotografia. Hoje em dia são baratas, simples de usar e como o código-postal, são “meio caminho andado”!

Depois deste (que deve ser condição obrigatória para uma instituição se chamar museu ou poder guardar património cultural, partimos para outros patamares.

Documentação de aquisição ou incorporação

Deve ser feita quando um objeto entra na coleção de um museu, ou melhor, no processo de entrada de um objeto num museu. Sempre. No entanto, e como bem sabemos, há museus que têm uma enorme lista de pendências para resolver sobre a documentação de incorporação das coleções existentes e por isso é necessário criar procedimentos para o que entra de novo e procedimentos e planos para o que já existe, mas a instituição não tem como provar a sua posse. Os procedimentos de aquisição e documentação retrospectiva podem ser encontrados na norma spectrum (ide e lede) que a versão 4 chega e está já em Português), mas é necessário procurar planear a recuperação das pendências e ter em conta que para as novas incorporações não nos esquecemos de guardar informação sobre:

• a origem do objeto (proveniência anterior)

• a data de aquisição/incorporação

• as condições de aquisição/incorporação, ou seja a descrição do tipo e incporação (compra, doação, escavação arqueológica, entre outros) e informação associada

• a documentação legal, como contratos ou termos de doação

Provar a posse das suas coleções é quase tão importante como o inventário, em termos de documentação! Não existindo informação sobre a incorporação das coleções, o museu sujeita-se a ter pedidos de herdeiros para devolução de objetos ou manter objetos com origem duvidosa na sua posse, para citar apenas dois exemplos.

Catalogação

A catalogação é o processo de organização da informação de uma coleção para a criação do seu catálogo. É o processo mais demorado e exigente da documentação em museus, na minha opinião. Procura combinar e organizar a informação intrínseca e extrínseca sobre cada objeto e sobre as entidades, eventos, documentos e procedimentos a ele associados. É essencial para permitir a construção de um sistema de conhecimento sobre cada coleção que possa ser utilizado para a gestão da coleção, para a criação de narrativas pelo museu, para a organização de exposições, entre muitas outras actividades museológicas.

São aqui registadas de forma detalhada informações como:

• Descrição física (tamanho, material, técnica)

• Autores e outras entidades relacionadas

• Função ou uso

• Datação e período histórico

• Local de origem

• Proveniências (as anteriores à de incorporação)

• Informação de contexto (arqueológico, produção, etc.)

• Fotografias do objeto

• Entre muitas outras informações que dependem do tipo de coleção

A catalogação implica atualização constante e, consequentemente, manutenção de histórico de informações e registos. É um instrumento fundamental para utilizar as coleções e para as colocar ao serviço dos profissinais de museus e da comunidade.

Documentação de conservação

A documentação sobre os processos de conservação (preventiva e curativa) e a informação sobre o estado de conservação das coleções é outro tipo de documentação que importa acautelar e planear cuidadosamente. Não o fazer é deixar ao acaso a manutenção e preservação do património cultural que guardamos nos nossos museus. Deve ser sempre encarada como prioritária nos planos de documentação e nas políticas ao de documentação estabelecidas pelos museus.

Um bom sistema de informação num museu tem sempre acautelada a documentação da actual condição física e funcional dos objetos e mantém um histórico de informação sobre a evolução do estado desde que um objeto é incorporado. O registo de todas as intervenções de restauro é também fundamental. Assim a documentação de conservação deve incluir:

• Condição atual do objeto (e histórico de estados)

• Intervenções de conservação realizadas (limpeza, restauro, etc.)

• Recomendações para armazenamento e exposição

Esses registros ajudam a monitorizar mudanças na condição do objeto ao longo do tempo e a tomar decisões que permitam uma eficaz gestão de riscos.

Documentação de utilização das coleções

É um tipo de documentação frequentemente inexistente e que provoca, na minha opinião, um vazio de conhecimento pouco reconhecido. A documentação de utilização das coleções diz respeito à gestão da informação gerada quando um objeto ou grupo de objetos são utilizados, por exemplo quando um objeto é utilizado numa exposição, num estudo científico, numa publicação ou num outro evento, é gerado um conjunto de informação que devemos guardar e organizar. Este tipo de documentação providência dados relativos a:

• Temas e narrativas de exposições ou outros eventos (palestras, aulas, visitas guiadas, etc.)

• Local e duração das mesmas

• Condições de iluminação e clima no espaço expositivo

• Créditos e acordos de empréstimo, no caso de exposições temporárias

• Referências bibliográficas

• Análises físicas (que podem ser destrutivas em alguns casos)

• Outras informações relacionadas com os eventos de utilização das coleções

Documentação jurídica

A documentação jurídica implica tudo aquilo que o museu deve registar e manter atualizado (incluindo aqui também a prova de posse legal de um objeto) que permita garantir que o museu esteja em conformidade com as leis e regulamentos. Este tipo de documentação cuida de registar e gerir informação sobre:

• Títulos de propriedade

• Direitos de autor, de propriedade intelectual, de imagem, etc.

• Acordos de empréstimo e transferência

• Certificados de exportação/importação de peças

Documentação digital

Todas anteriores tipologias de documentação podem ser digitais (eu diria devem ser ou usar ferramentas digitais), mas atualmente temos também um conjunto de informação digital que os museus devem gerir com regras específicas. A própria base de dados ou o sistema de gestão de informação digital usado deve ser documentado (facilita de sobremaneira atualizações ou migrações), mas objetos digitais como fotografias ou digitalizações dos objetos, representações 3D dos mesmos, obras de arte digitais, entre outros exemplos são alguns dos desafios que enfrentamos atualmente.

Além disso, documentar em formato digital tem um conjunto de vantagens que os sistemas analógicos não permitem.

A documentação digital permite e possibilita:

• Armazenar grandes volumes de dados

• Documentar objetos digitais

• Acesso remoto às informações

• Integração com plataformas online, permitindo que o público explore as coleções

A importância da integração

Os diferentes tipos de documentação não devem existir isoladamente. Sao engrenagens de um sistema complexo, mas fundamental para o museu atual. Formam aquilo que é um sistema de gestão e informação de coleções. Um sistema integrado que permite aos museus gerir as suas coleções, o seu arquivo e o seu centro de documentação de forma eficiente, transparente e acessível.

A documentação é o instrumento da verdade. Se os museus são das instituições mais confiáveis relativamente à informação e conhecimento que produzem e divulgam, em muito se deve a ela e aos sistemas de informação que os museus tem vindo a construir ao longo da sua história.

No próximo post abordarei a história da documentação em museus e como ela evoluiu ao longo do tempo.

Continue a acompanhar o Mouseion para mergulhar ainda mais no fascinante universo da documentação museológica.

A Importância da Documentação em Museus

A Importância da Documentação em Museus

Os museus desempenham um papel vital na preservação da História e das culturas. Uma verdade nunca cansa, não é! Na definição de Museu aprovada em Praga pelo ICOM dizemos:

Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos e ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o património material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Com a participação das comunidades , os museus funcionam e comunicam de forma ética e profissional, proporcionando experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento.

Nova definição de Museu – ICOM Portugal

Nos largos meses em que discutimos esta e outras propostas de definição de museu, incluíndo algumas discussões tidas com colegas do CIDOC, várias vezes pensei no motivo de não estar incluída em qualquer proposta a palavra “documentação” ou “documenta” como reflexo do que entendo ser uma das principais funções museológicas. Sabendo da sua importância, porque não a consideramos na definição e mantemos “… pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe…”?

Nessas conversas quase sempre cheguei à conclusão que não seria necessária essa menção explícita à documentação, exatamente porque está implícita em todas as outras. Ou seja, é impossível pesquisar, colecionar (vá… podemos colecionar, mas à toa), conservar, interpretar e expor sem documentar as coleções nos museus. Assim sendo, a menção é implícita.

Digo frequentemente que o segredo por trás da capacidade de um museu de contar histórias ricas e autênticas está na existência de um sistema de informação que permita a construção de documentação adequada.

Este será um primeiro de uma série de artigos aqui no Mouseion sobre documentação de museus para me obrigar a refletir sobre esta área.

Porque é crucial a documentação em museus?

A documentação em museus é mais do que apenas papéis carregados de poeira e números ou listas de controlo de existências e localizações. É o alicerce que permite que as instituições culturais conheçam as coleções e as partilhem com o mundo. Mas o que a faz crucial para os museus? Eu dividiria as razões da sua importância em alguns pontos:

  1. Acesso ao Conhecimento: Através dos sistemas de informação e documentação, os museus disponibilizam informações detalhadas sobre suas coleções, tornando o conhecimento acessível a diferentes públicos. Possibilitam acesso ao conhecimento, a sua partilha e, mais importante ainda:
  2. Criação de conhecimento: A utilização da informação sobre as coleções, ou reutilização, permite criar mais conhecimento, contar histórias, ver diferentes perspectivas sobre um tema, questionar, entre outros.
  3. Conservação: A existência de documentação cuidadosa garante que os objetos sejam mantidos em condições ideais, prolongando a sua vida útil. O registo dos riscos e estados de conservação ou a documentação dos processos de conservação preventiva e curativa são essenciais.
  4. Gestão Eficiente: Um sistema de informação e documentação bem organizado facilita a gestão e a curadoria das coleções.
  5. Proveniência e Autenticidade: A documentação ajuda a rastrear a origem das peças e a verificar sua autenticidade, o que é essencial em termos éticos e legais para os museus.

No entanto, e apesar da sua relevância, a documentação ou a criação de um sistema de informação em museus hoje em dia enfrenta um conjunto significativo de desafios.

Desafios na Documentação

Não irei ser, neste momento, exaustivo a listar os desafios que esta actividade atravessa atualmente. Deixarei isso para os próximos artigos, mas entre eles vamos encontrar: a definição de processos sustentáveis de digitalização, a conformidade com regulamentações de privacidade, a manutenção e atualização de sistemas de informação capazes, a formação dos profissionais, a utilização de normas de forma massiva para a interoperabilidade entre sistemas, a definição/construção/tradução de tesauros ou vocabulários, a utilização de Inteligência Artificial para tarefas compatíveis e repetitivas, a “descolonização” da informação nos sistemas de informação, entre outros, como a simples digitalização de objectos com fragilidades estruturais, por exemplo.

Nos próximos artigos, explorarei com maior detalhe como os museus abordam esses desafios e como a documentação evoluiu ao longo do tempo. Uma nova série de artigos para me obrigar a voltar à escrita e à reflexão. Espero que ainda estejam desse lado!

RPM – a rede que faz falta

RPM – a rede que faz falta

Sou um adepto confesso da Rede (Portuguesa de Museus) desde o seu início no longínquo ano de 2000. A ideia, que ainda vi discutida por dentro quando trabalhei no Museu de Aveiro, seria a de criar uma rede colaborativa de museus, uma rede de entreajuda, de participação e de trabalho entre museus de diversas tutelas, tipologias e dimensão que a ela quisessem aderir de forma voluntária. Uma ideia que só foi concretizada pelo importantíssimo contributo e trabalho da Clara Frayão Camacho, a quem não me canso de agradecer, e da sua equipa.

A RPM teve, ao longo destes 24 anos, altos e baixos, períodos de pujança e acerto, constratantes com outros de enfraquecimento, debilidade e desnorte. É a normal vida das instituições, bem sei. Mas, na minha opinião, esta volatilidade está diretamente ligada com o modelo de gestão que se criou para a RPM depois de um período inicial de atividade fulgurante, encaixando-a como um departamento/serviço dentro da mega estrutura centralizada da DGPC e não como um organismo autónomo do poder central que pudesse ter um papel mais ativo e livre daquilo que são as amarras das crises e das vontades políticas de ocasião.

Por isso, fiquei muito contente quando recebi o convite1 da RPM para estar presente no Encontro Anual da Rede Portuguesa de Museus (que se realizou no passado 21 de Março no Museu Marítimo de Ílhavo) deste ano e percebi que o tema seria esse mesmo: um novo modelo de gestão para a RPM. É uma discussão necessária e importante que reflecte já o que se esperava (ou eu esperava) de uma estrutura como a que foi criada para a tutela dos museus, a Museus e Monumentos de Portugal.

Este novo modelo e visão estratégica é fruto do trabalho do Grupo de Trabalho sobre a RPM criado pelo Despacho n.º 14658/2022 – Diário da República, 2ª Série, de 26 de Dezembro de 2022 (uma boa prenda de Natal, diria eu) que está expresso no Relatório Rede Portuguesa de Museus 2023 que pode ser consultado online.

Neste documento é apresentada a metodologia seguida pelo grupo, uma breve contextualização da RPM à data, os contributos dos museus da RPM para o futuro, a nova visão estratégica, o novo modelo de gestão preconizado (mais descentralizado e com repartição de competências e responsabilidades e, por fim, um conjunto de recomendações práticas que permitirão, na visão dos elementos do grupo, concretizar a mudança há muito esperada na RPM. Do modelo é importante destacar os três elementos preconizados para concretizar a gestão da RPM:

Assim, vem o GT/RPM propor o novo modelo de gestão para a RPM:

a) Órgão responsável pela execução da política museológica nacional – credenciação, formação, financiamento, comunicação, apoio técnico e monitorização;

b) Grupo Dinamizador da RPM – cooperação, qualificação, participação e otimização de recursos;

c) Núcleos de Apoio – regionais e temáticos – funções museológicas.

Relatório do Grupo de Trabalho sobre a Rede Portuguesa de Museus – 2023

Um modelo assente numa estrutura central, com responsabilidade nas questões de credenciação, formação financiamento, comunicação, apoio e monitorização, bem como com a execução da política museológica nacional (que é preciso pensar e deixar escrita por cada governo), um grupo que terá uma maior proximidade aos museus nas tarefas de cooperação, qualificação, participação e optimização de recursos e, por fim, um elemento já consagrado na Lei, há muito esperado, que reflecte a preocupação com a descentralização e com a atenção e proximidade que é devida a museus fora da grande urbe.

A este modelo junta-se um bem vindo convite à participação dos museus da RPM com a eleição de 3 representantes seus (de museus com diferentes tutelas) para, em cooperação com a RPM e com o seu grupo dinamizador. Uma forma de dar a palavra aos museus e aos seus representantes que me parece simples e bem conseguida. Julgo que assim se conseguirá dar uma voz mais activa aos museus e às suas tutelas na evolução das políticas para o sector. Bem a RPM e o GT neste ponto particular.

Nas medidas expressas nas recomendações do GT, divididas em 3 eixos – Transversalidade, Comunicação e Participação – e no novo modelo de funcionamento da RPM, gostaria de destacar uma medida que me parece interessante (e necessária) para cada eixo.

Transversalidade

Potenciar a articulação com outras áreas ministeriais que possibilitem fortalecer o posicionamento dos Museus no desenvolvimento do País.

Articular museus com educação, ciência, turismo e outras áreas é fazer desenvolver os museus e contribuir para áreas onde podemos e devemos ser imprescindíveis. O papel social dos museus deve sempre ser primordial no desenvolvimento da política museológica nacional.

Comunicação

Disponibilização do inventário online dos museus RPM, com destaque para os elementos de património móvel classificado como tesouro nacional neles existentes.

Esta era a escolha óbvia para quem me conhece. Aqui muito haverá a dizer e a preparar, mas é importante, caso se concretize, que isto não se mantenha assente numa política errada, que tem sido seguida há décadas, em torno da criação de um sistema centralizado de inventário para os museus nacionais que depois se quer impor aos outros museus da RPM (uma nota importante para dizer relembrar e declarar o meu interesse enquanto trabalhador numa empresa que disponibiliza sistemas concorrentes ao dos museus nacionais).

É importante sim ter publicado o inventário online dos museus da RPM, até para potenciar a participação em redes e projectos internacionais (a Europeana e a Brasiliana seriam bons exemplos para potenciar o acesso às nossas colecções). Mas para o fazer não devemos centrar a nossa política na criação de um sistema (despendendo recursos altos), sem cuidar de outras coisas mais importantes como as normas, os sistemas de intercâmbio de informação, as ligações necessárias entre outras áreas do MC como as Bibliotecas e os Arquivos e, uma falha considerável nos nossos sistemas de descrição, sem investir largamente na criação/tradução de tesauros que auxiliem a descrição, recuperação e acesso às colecções online dos museus portugueses (e assim ajudavam-se também outras instituições, como a Igreja ou as Universidades, a realizar esta tarefa). Este é um ponto em que muito mais haveria a dizer, mas deixarei para um outro texto.

Participação

Criação de estrutura de apoio à captação de financiamentos nacionais e internacionais, públicos e privados, mecenato, identificação de parceiros, instrução e gestão de processos.

Este é um dos pontos onde eu acho que nunca fomos muito bons. A captação de recursos é vital para os museus. Por mecenato, projetos e financiamentos nacionais, europeus ou internacionais, por parcerias, pelos meios novos que se possam encontrar, é fundamental que os museus portugueses procurem outras fontes de financiamento para além das suas tutelas ou de apoios pontuais. A criação de uma estrutura na RPM que possa se dedicar exclusivamente a isto, como de resto já vimos acontecer em algumas universidades, por exemplo, é uma boa recomendação e espero que se torne, em breve, numa boa notícia. Esta recomendação poderia potenciar a colaboração entre museus para o desenvolvimento de projectos comuns como o estudo de colecções, organização de reservas, conservação e restauro, digitalização, etc.

Novo Modelo de Funcionamento

Criação do “Observatório de Museus”.

Uma recomenação óbvia, mas ainda assim muito esquecida, que alerta para a necessidade da existência de dados sobre os museus portugueses que possam informar as políticas a seguir para o seu desenvolvimento.

O encontro em Ílhavo ainda me permitiu conhecer melhor o excelente trabalho do CISOC (um grande abraço à Clara Frayão Camacho por mais este contributo), as excelentes ferramentas que o Ibermuseos tem para a avaliação da acessibilidade e sustentabilidade dos museus (Ferramenta de Autodiagnóstico de Acessibilidade e o Guia de Autoavaliação de Sustentabilidade de Museus) e o excelente trabalho desenvolvido pela Esmeralda Paupério (FEUP) na gestão de riscos (que já conhecia, mas deu para rever a matéria dada).

O único momento do encontro que me desiludiu foi a apresentação do Matriz2, desculpem do Raíz, o sistema que sustituirá o existente (sobre o qual já me pronunciei um pouco acima). Uma apresentação pela qual todos esperavam, mas que se revelou curta e que concretiza, uma vez mais, um percurso que é errado e sem lógica em 2024.

Por último, resta-me desejar à RPM uma vida longa e que as recomendações do GT possam ser seguidas. Sei que o trabalho da Fátima Roque, da Dália Paulo, da Rita Jerónimo, da Isabel Pinto, do Álvaro Brito Moreira e do Manuel Pizarro foi de excelência (o relatório assim o demonstra), espero que a nova Ministra da Cultura, uma mulher dos museus, o possa executar na sua plenitude (ou na maioria pelo menos).

O vídeo do encontro está disponível no Youtube.

  1. um agradecimento devido à Fátima Roque pelo convite e continuado cuidado. ↩︎
  2. uma nota apenas para mandar um abraço solidário à Diana Fragoso que se sentiu indisposta na apresentação e para lhe desejar o maior sucesso nas suas novas funções na MMdP. ↩︎
“exspectante”

“exspectante”

Expectante (a palavra vem, como muitas, do latim “exspectante” que dá título a este texto) é o meu estado de alma para este início de 2024. Expectante porque finalmente, depois de anos e anos de letargia, tivemos decisões importantes para o património cultural português e, também, para os museus e monumentos portugueses.

Imagem do página inicial do site da empresa Museus e Monumentos

Há uns anos atrás este texto teria outro título. Se bem me recordo de mim na época, o título que lhe daria seria algo mais entusiasmado e esperançoso. Hoje é mais desconfiado, com as reservas de quem já viu várias reorganizações e reformas do sector (e dezenas de estudos para o efeito) cairem à primeira crítica ou na primeira mudança de governo. No entanto, é um título ainda esperançoso e ciente que temos capacidade de fazer uma mudança que é, desde há muito tempo, uma absoluta necessidade para a revitalização do sector. Há boas indicações que devem, a meu ver, ser mencionadas.

A primeira boa notícia é que, apesar da constante crise em que nos encontramos desde as revoluções liberais e das mudanças governativas em curso, parece que a reorganização do Estado no sector é mesmo para se manter e será concretizada. Não é uma mudança que agrade a todos e que esteja isenta de críticas e onde se verifiquem situações que importa olhar com maior cuidado (os dados que informaram as opções políticas e técnicas tomadas não são públicos, ao que me é dado a saber, mas deveriam ser), mas é uma mudança que vinha sendo pedida há muito por um largo consenso no sector que considerava a DGPC (o link para a bendita página agora só através do Arquivo.pt) um enorme “navio”, pesado, vagaroso, etc. que não conseguia, pelo seu porte e dimensão, aportar em todo lado onde era necessário. Para os museus que dela dependiam foram anos de estagnação e de restrições (impostas pela crise, pela burocracia, pela máquina pesada e centralizada que a DGPC se revelou) que a custo foram sendo debeladas com algumas boas notícias como o começo da autonomia de gestão vertida nas regras dos mais recentes concursos para as direções dessas instituições.

A segunda boa notícia, na minha opinião, é que se separa museus e monumentos do restante património cultural. Arqueologia, património arquitetónico, património paisagístico, património imaterial (sim… deixa a esfera dos museus, segundo o que vemos nas atribuições do novo IP – Património Cultural) ficam numa esfera distinta com a criação de um novo Instituto Público que terá as competências da extinta DGPC para estas áreas e assume, numa visão centralizadora a meu ver, as responsabilidades das anteriores Direções Regionais de Cultura agora integradas nas CCDRs.

A terceira boa notícia, na minha opinião, é a criação de uma empresa pública que me parece ser uma forma mais realista e com maior proximidade para tutelar instituições que se pretendem modernizar e dinamizar junto de públicos e comunidades com interesses muito amplos. Aliás se pensarmos nos desafios que estas instituições enfrentam e na velocidade das mudanças neste sector, dificilmente seria compreensível a manutenção ad eternum de uma estrutura organizacional como a da DGPC. Assim, uma gestão mais ágil, que possa dotar os museus e monumentos com pessoas qualificadas e com as competências necessárias (assim como a casa tutelar), que possibilite parcerias ágeis, que integre facilmente (e sem as burocracias demoradas) projectos internacionais, que agarre as oportunidades da transição digital (encarando-as, ao invés de ir com a corrente sem rumo), que dote os museus e monumentos com os recursos necessários para cumprirem as suas missões. Enfim que tenha um objetivos definidos e uma estratégia para os alcançar!

A quarta boa notícia (dada ontem) é a passagem da empresa para o Palácio Burnay1 (na Rua da Junqueira) que permitirá a recuperação do palácio, votado ao abandono desde há uns anos, e libertar o espaço ocupado na Ajuda (que certamente terá boa utilidade para o PNA ou para o IP agora criado. Esta novidade, apresentada ontem na cerimónia que o governo organizou para marcar a entrada em funcionamento das duas entidades acima mencionadas, é também um reflexo da intenção demonstrada de autonomizar seriamente a tutela dos museus e monumentos (o que me agrada profundamente).

Palacio Burnay
HistoriaDePortugal.info, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons

No entanto, mantenho esta reserva e desconfiança (que normalmente não teria), perante as diversas vezes que tive (tivemos) esperança num futuro melhor para os museus portugueses, mas não o vi concretizado até agora. Espero, sinceramente, que esta reforma dê frutos e, quanto mais não seja pela acção, acho que podemos agradecer ao presente Ministro da Cultura (Pedro Adão e Silva) por este passo. Agora está nas mãos do Pedro Sobrado, da Cláudia Leite e da Maria de Jesus Monge colocar a máquina a andar. Espero que tenham o maior sucesso, a bem dos nossos museus e monumentos.

Há também algumas preocupações que mantenho. São várias, mas a que mais me inquieta é a relativa à forma da Rede Portuguesa de Museus.

Quando criada a RPM foi, para mim pelo menos, um sinal de enorme esperança. Não era só isso, mas constituiu-se como uma rede de entreajuda entre instituições, com programa de formação de profissionais e um sistema de avaliação e creditação de museus que alavancou o desenvolvimento destas instituições. Fê-lo através de programas de apoio e formação e acções de acompanhamento técnico asseguradas por uma equipa incrível que foi definhando ao longo dos anos, por falta de investimento e atenção ao papel fundamental que a RPM desempenhou nos primeiros anos de existência.

A RPM é hoje constituída por museus de diversas tutelas, da esfera pública e privada, que vão desde o estado central, até às fundações e empresas, passando pelos municípios e acabando nas universidades. É diversa nas tutelas, mas também na dimensão, tipologia e recursos (financeiros e humanos) dos museus que a integram. Herda uma metodologia de trabalho testada, no que diz respeito à creditação dos museus, mas que urge reavaliar, discutir e, sendo o caso, atualizar. Tem formado profissionais de museus em diferentes áreas ao longo dos anos, mas em determinadas áreas (a documentação, por exemplo) precisa de rever e atualizar currículos e conteúdos. Tem sido, desde a sua criação, fonte de inspiração para a criação, dispersas pelo território, de um conjunto de redes de museus regionais como a Rede de Museus do Baixo Alentejo, do Algarve ou do Douro (para citar apenas algumas) com benefícios evidentes para os museus e profissionais dessas regiões.

RPM
Captura de ecrã do website da Museus e Monumentos, EPE

Por tudo isto, a RPM foi e é um elemento fundamental para o desenvolvimento dos museus em Portugal. Por isso a minha preocupação prende-se com o facto de manter a RPM na dependência da Museus e Monumentos, EPE com a seguinte menção no diploma legal que cria esta entidade:

Artigo 3º – alínea m:

O desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus (RPM), tendo em vista a operacionalização das orientações estratégicas para o trabalho em rede entre os museus que a integram, a qualificação do tecido museológico nacional, a implementação dos núcleos de apoio a museus, a promoção e a credenciação de museus, a articulação com outras redes nacionais e internacionais, a descentralização da oferta cultural e o envolvimento dos públicos;

https://data.dre.pt/eli/dec-lei/79/2023/09/04/p/dre/pt/html

Não me interpretem mal. Eu concordo que o papel da rede é o descrito na citação do Decreto-Lei n.º 79/2023, de 4 de setembro acima transcrita. O que eu não concordo é que a RPM se mantenha apenas como um “departamento” ou ramo dentro da EPE, quando deveria ser um organismo autónomo, ainda que dependente da administração central, com capacidade e meios para cumprir as funções atrás descritas. É certamente da minha pouca experiência em termos de administração pública, mas uma organização distinta, com possibilidade de participação de outras tutelas (públicas e privadas), de pequena dimensão e de responsabilidade partilhada (principalmente a financeira), com critérios de participação bem definidos (em termos de recursos financeiros e humanos e responsabilidades) e com um sistema representativo das diferentes áreas nos órgãos de gestão, teria mais força e capacidade do que um “departamento” dentro de uma empresa pública que, queiramos ou não, tem o seu futuro ligado à boa vontade e visão política do governo e facção política que conduzirá os destinos do país em determinada altura.

A existência de uma instituição independente da EPE e com participação activa de diversas tutelas permitiria, na minha opinião:

  1. um sistema de credenciação completamente independente;
  2. responsabilização e participação activa de todas as tutelas;
  3. uma rede de distribuição de recursos eficiente;
  4. a criação de núcleos de apoio diversificados;
  5. uma maior sustentabilidade da própria RPM;
  6. a descentralização e disseminação pelo território.

Enfrentaria alguns desafios e obstáculos, desde logo, o modelo de governação. A criação de uma instituição que representa diversas tutelas implicaria a definição de um modelo de governação mais complexo, mas ainda assim, não me parece que fosse uma empreitada impossível. Há exemplos de redes em que administração local e central (a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, por exemplo) estabelecem contratos programas com encargos e participação mútuos ou de projectos na área da cultura para os quais foram criadas fundações participadas por diferentes entidades, como são os casos da Casa da Música ou de Serralves. É possível seguir este caminho, diria eu.

Estou certo que haverá bons argumentos a favor da manutenção da RPM na Museus e Monumentos, mas os que vejo (sob uma perspectiva enviesada certamente) não fazem pender a minha balança para outra opinião que não esta.

Estou então cauteloso e expectante! A aguardar que 2024 seja um ano marcante (pelo menos já é um ano de acção) para os museus, monumentos e património cultural português. Para já fez-me voltar a escrever e a reflectir aqui.

Um Bom Ano para todos!

  1. Uma nota para o sistema SIPA que falha sempre que se tenta abrir uma imagem e tem sido votado, como outros sistemas de documentação, a um abandono incompreensível. Falaremos nisso noutra altura. ↩︎
A municipalização dos museus regionais

A municipalização dos museus regionais

Museu D. Diogo de Sousa
snitrom, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

Começo por dizer o que acho que qualquer pessoa de bom senso e com conhecimento da realidade dos museus portugueses pensa da municipalização do Museu (antes Regional) de Arqueologia D. Diogo de Sousa: é uma decisão incompreensível e estúpida! Tentarei explicar, em seguida, porquê.

Não é necessário escrever aqui um resumo da história da criação do museu ou mencionar a sua importância para a arqueologia portuguesa e para outros museus que o procuram como referência no estudo, restauro e conservação de coleções arqueológicas. Tudo foi escrito, de forma muito clara, no texto da petição que subscrevi intitulada “Em defesa do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa” e pelas vozes de colegas de museus e arqueólogos que têm dado o seu contributo sobre este assunto nos mais diversos canais.

No entanto, é necessário, aliás, essencial que se ouça a opinião de decisores políticos diretos neste processo – que não foram claramente ouvidos (aqui um outro caso) – e perceber que quando queremos resolver um problema, não o podemos passar sem mais para a responsabilidade de outrem, sem pensar nas consequências da nossa decisão.

Além de ouvir as instituições políticas interessadas, algo que me admira muito não ter sido feito (ler ironicamente), estranho muito que a decisão de municipalizar museus como o D. Diogo de Sousa (MDDS) não tenha sido apresentada à sua direção, à equipa do museu, desde logo, mas também às associações profissionais do sector e à academia, tendo em conta o perfil do museu e o seu reconhecido trabalho conjunto com a Universidade do Minho (já com décadas de boas experiências). Eu sei que não é necessário que o façam, mas parece-me que este tipo de decisões já deveriam ser mais participadas em Portugal. Se queremos municipalizar para chegar perto das pessoas, comecemos a chegar perto das pessoas chamando-as para participar numa decisão tão sensível como a de alterar a tutela do museu.

Um outro aspecto que me parece ter sido completamente negligenciado foi a avaliação de situações semelhantes. Já temos experiência de municipalização de outros museus que tiveram em tempos um caráter regional, um caso bastante conhecido é o do Museu de Aveiro. Se temos estes casos, não seria avisado procurar ter uma avaliação dessa mudança de tutela relativamente a alguns indicadores a definir (equipa, público, gestão das coleções, etc.), antes de pensar em municipalizar mais um museu com estas características? Há essa avaliação e não é conhecida? Posso ser eu que ando distraído, mas parece-me que não há. Não havendo, corremos o risco de tomar uma decisão desinformada.

Eu tive a oportunidade de estagiar no MDDS e de ter aprendido muito sobre museus, arqueologia, documentação e gestão de coleções com o Mário Brito, o Manuel Santos e com a Isabel Silva. Sei bem a importância que o Museu tem para Braga, para o Norte de Portugal e para o país no seu todo. Sei a importância que tem a nível da Arqueologia portuguesa e do conhecimento da nossa história enquanto território e país. Sei também que um museu municipal, por muito que o Município faça, tem responsabilidades diretas com a sua comunidade em primeiro lugar e não se lhe pode pedir/exigir o que se pode a um museu nacional ou regional. Por isso mesmo, acho irresponsável esta incompreensível decisão tomada nos corredores da Ajuda.

Espero sinceramente que possa ser revertida!