Sou um adepto confesso da Rede (Portuguesa de Museus) desde o seu início no longínquo ano de 2000. A ideia, que ainda vi discutida por dentro quando trabalhei no Museu de Aveiro, seria a de criar uma rede colaborativa de museus, uma rede de entreajuda, de participação e de trabalho entre museus de diversas tutelas, tipologias e dimensão que a ela quisessem aderir de forma voluntária. Uma ideia que só foi concretizada pelo importantíssimo contributo e trabalho da Clara Frayão Camacho, a quem não me canso de agradecer, e da sua equipa.
A RPM teve, ao longo destes 24 anos, altos e baixos, períodos de pujança e acerto, constratantes com outros de enfraquecimento, debilidade e desnorte. É a normal vida das instituições, bem sei. Mas, na minha opinião, esta volatilidade está diretamente ligada com o modelo de gestão que se criou para a RPM depois de um período inicial de atividade fulgurante, encaixando-a como um departamento/serviço dentro da mega estrutura centralizada da DGPC e não como um organismo autónomo do poder central que pudesse ter um papel mais ativo e livre daquilo que são as amarras das crises e das vontades políticas de ocasião.
Por isso, fiquei muito contente quando recebi o convite1 da RPM para estar presente no Encontro Anual da Rede Portuguesa de Museus (que se realizou no passado 21 de Março no Museu Marítimo de Ílhavo) deste ano e percebi que o tema seria esse mesmo: um novo modelo de gestão para a RPM. É uma discussão necessária e importante que reflecte já o que se esperava (ou eu esperava) de uma estrutura como a que foi criada para a tutela dos museus, a Museus e Monumentos de Portugal.
Este novo modelo e visão estratégica é fruto do trabalho do Grupo de Trabalho sobre a RPM criado pelo Despacho n.º 14658/2022 – Diário da República, 2ª Série, de 26 de Dezembro de 2022 (uma boa prenda de Natal, diria eu) que está expresso no Relatório Rede Portuguesa de Museus 2023 que pode ser consultado online.
Neste documento é apresentada a metodologia seguida pelo grupo, uma breve contextualização da RPM à data, os contributos dos museus da RPM para o futuro, a nova visão estratégica, o novo modelo de gestão preconizado (mais descentralizado e com repartição de competências e responsabilidades e, por fim, um conjunto de recomendações práticas que permitirão, na visão dos elementos do grupo, concretizar a mudança há muito esperada na RPM. Do modelo é importante destacar os três elementos preconizados para concretizar a gestão da RPM:
Assim, vem o GT/RPM propor o novo modelo de gestão para a RPM:
a) Órgão responsável pela execução da política museológica nacional – credenciação, formação, financiamento, comunicação, apoio técnico e monitorização;
b) Grupo Dinamizador da RPM – cooperação, qualificação, participação e otimização de recursos;
c) Núcleos de Apoio – regionais e temáticos – funções museológicas.
Um modelo assente numa estrutura central, com responsabilidade nas questões de credenciação, formação financiamento, comunicação, apoio e monitorização, bem como com a execução da política museológica nacional (que é preciso pensar e deixar escrita por cada governo), um grupo que terá uma maior proximidade aos museus nas tarefas de cooperação, qualificação, participação e optimização de recursos e, por fim, um elemento já consagrado na Lei, há muito esperado, que reflecte a preocupação com a descentralização e com a atenção e proximidade que é devida a museus fora da grande urbe.
A este modelo junta-se um bem vindo convite à participação dos museus da RPM com a eleição de 3 representantes seus (de museus com diferentes tutelas) para, em cooperação com a RPM e com o seu grupo dinamizador. Uma forma de dar a palavra aos museus e aos seus representantes que me parece simples e bem conseguida. Julgo que assim se conseguirá dar uma voz mais activa aos museus e às suas tutelas na evolução das políticas para o sector. Bem a RPM e o GT neste ponto particular.
Nas medidas expressas nas recomendações do GT, divididas em 3 eixos – Transversalidade, Comunicação e Participação – e no novo modelo de funcionamento da RPM, gostaria de destacar uma medida que me parece interessante (e necessária) para cada eixo.
Transversalidade
Potenciar a articulação com outras áreas ministeriais que possibilitem fortalecer o posicionamento dos Museus no desenvolvimento do País.
Articular museus com educação, ciência, turismo e outras áreas é fazer desenvolver os museus e contribuir para áreas onde podemos e devemos ser imprescindíveis. O papel social dos museus deve sempre ser primordial no desenvolvimento da política museológica nacional.
Comunicação
Disponibilização do inventário online dos museus RPM, com destaque para os elementos de património móvel classificado como tesouro nacional neles existentes.
Esta era a escolha óbvia para quem me conhece. Aqui muito haverá a dizer e a preparar, mas é importante, caso se concretize, que isto não se mantenha assente numa política errada, que tem sido seguida há décadas, em torno da criação de um sistema centralizado de inventário para os museus nacionais que depois se quer impor aos outros museus da RPM (uma nota importante para dizer relembrar e declarar o meu interesse enquanto trabalhador numa empresa que disponibiliza sistemas concorrentes ao dos museus nacionais).
É importante sim ter publicado o inventário online dos museus da RPM, até para potenciar a participação em redes e projectos internacionais (a Europeana e a Brasiliana seriam bons exemplos para potenciar o acesso às nossas colecções). Mas para o fazer não devemos centrar a nossa política na criação de um sistema (despendendo recursos altos), sem cuidar de outras coisas mais importantes como as normas, os sistemas de intercâmbio de informação, as ligações necessárias entre outras áreas do MC como as Bibliotecas e os Arquivos e, uma falha considerável nos nossos sistemas de descrição, sem investir largamente na criação/tradução de tesauros que auxiliem a descrição, recuperação e acesso às colecções online dos museus portugueses (e assim ajudavam-se também outras instituições, como a Igreja ou as Universidades, a realizar esta tarefa). Este é um ponto em que muito mais haveria a dizer, mas deixarei para um outro texto.
Participação
Criação de estrutura de apoio à captação de financiamentos nacionais e internacionais, públicos e privados, mecenato, identificação de parceiros, instrução e gestão de processos.
Este é um dos pontos onde eu acho que nunca fomos muito bons. A captação de recursos é vital para os museus. Por mecenato, projetos e financiamentos nacionais, europeus ou internacionais, por parcerias, pelos meios novos que se possam encontrar, é fundamental que os museus portugueses procurem outras fontes de financiamento para além das suas tutelas ou de apoios pontuais. A criação de uma estrutura na RPM que possa se dedicar exclusivamente a isto, como de resto já vimos acontecer em algumas universidades, por exemplo, é uma boa recomendação e espero que se torne, em breve, numa boa notícia. Esta recomendação poderia potenciar a colaboração entre museus para o desenvolvimento de projectos comuns como o estudo de colecções, organização de reservas, conservação e restauro, digitalização, etc.
Novo Modelo de Funcionamento
Criação do “Observatório de Museus”.
Uma recomenação óbvia, mas ainda assim muito esquecida, que alerta para a necessidade da existência de dados sobre os museus portugueses que possam informar as políticas a seguir para o seu desenvolvimento.
O encontro em Ílhavo ainda me permitiu conhecer melhor o excelente trabalho do CISOC (um grande abraço à Clara Frayão Camacho por mais este contributo), as excelentes ferramentas que o Ibermuseos tem para a avaliação da acessibilidade e sustentabilidade dos museus (Ferramenta de Autodiagnóstico de Acessibilidade e o Guia de Autoavaliação de Sustentabilidade de Museus) e o excelente trabalho desenvolvido pela Esmeralda Paupério (FEUP) na gestão de riscos (que já conhecia, mas deu para rever a matéria dada).
O único momento do encontro que me desiludiu foi a apresentação do Matriz2, desculpem do Raíz, o sistema que sustituirá o existente (sobre o qual já me pronunciei um pouco acima). Uma apresentação pela qual todos esperavam, mas que se revelou curta e que concretiza, uma vez mais, um percurso que é errado e sem lógica em 2024.
Por último, resta-me desejar à RPM uma vida longa e que as recomendações do GT possam ser seguidas. Sei que o trabalho da Fátima Roque, da Dália Paulo, da Rita Jerónimo, da Isabel Pinto, do Álvaro Brito Moreira e do Manuel Pizarro foi de excelência (o relatório assim o demonstra), espero que a nova Ministra da Cultura, uma mulher dos museus, o possa executar na sua plenitude (ou na maioria pelo menos).
um agradecimento devido à Fátima Roque pelo convite e continuado cuidado. ↩︎
uma nota apenas para mandar um abraço solidário à Diana Fragoso que se sentiu indisposta na apresentação e para lhe desejar o maior sucesso nas suas novas funções na MMdP. ↩︎
Expectante (a palavra vem, como muitas, do latim “exspectante” que dá título a este texto) é o meu estado de alma para este início de 2024. Expectante porque finalmente, depois de anos e anos de letargia, tivemos decisões importantes para o património cultural português e, também, para os museus e monumentos portugueses.
Há uns anos atrás este texto teria outro título. Se bem me recordo de mim na época, o título que lhe daria seria algo mais entusiasmado e esperançoso. Hoje é mais desconfiado, com as reservas de quem já viu várias reorganizações e reformas do sector (e dezenas de estudos para o efeito) cairem à primeira crítica ou na primeira mudança de governo. No entanto, é um título ainda esperançoso e ciente que temos capacidade de fazer uma mudança que é, desde há muito tempo, uma absoluta necessidade para a revitalização do sector. Há boas indicações que devem, a meu ver, ser mencionadas.
A primeira boa notícia é que, apesar da constante crise em que nos encontramos desde as revoluções liberais e das mudanças governativas em curso, parece que a reorganização do Estado no sector é mesmo para se manter e será concretizada. Não é uma mudança que agrade a todos e que esteja isenta de críticas e onde se verifiquem situações que importa olhar com maior cuidado (os dados que informaram as opções políticas e técnicas tomadas não são públicos, ao que me é dado a saber, mas deveriam ser), mas é uma mudança que vinha sendo pedida há muito por um largo consenso no sector que considerava a DGPC (o link para a bendita página agora só através do Arquivo.pt) um enorme “navio”, pesado, vagaroso, etc. que não conseguia, pelo seu porte e dimensão, aportar em todo lado onde era necessário. Para os museus que dela dependiam foram anos de estagnação e de restrições (impostas pela crise, pela burocracia, pela máquina pesada e centralizada que a DGPC se revelou) que a custo foram sendo debeladas com algumas boas notícias como o começo da autonomia de gestão vertida nas regras dos mais recentes concursos para as direções dessas instituições.
A segunda boa notícia, na minha opinião, é que se separa museus e monumentos do restante património cultural. Arqueologia, património arquitetónico, património paisagístico, património imaterial (sim… deixa a esfera dos museus, segundo o que vemos nas atribuições do novo IP – Património Cultural) ficam numa esfera distinta com a criação de um novo Instituto Público que terá as competências da extinta DGPC para estas áreas e assume, numa visão centralizadora a meu ver, as responsabilidades das anteriores Direções Regionais de Cultura agora integradas nas CCDRs.
A terceira boa notícia, na minha opinião, é a criação de uma empresa pública que me parece ser uma forma mais realista e com maior proximidade para tutelar instituições que se pretendem modernizar e dinamizar junto de públicos e comunidades com interesses muito amplos. Aliás se pensarmos nos desafios que estas instituições enfrentam e na velocidade das mudanças neste sector, dificilmente seria compreensível a manutenção ad eternum de uma estrutura organizacional como a da DGPC. Assim, uma gestão mais ágil, que possa dotar os museus e monumentos com pessoas qualificadas e com as competências necessárias (assim como a casa tutelar), que possibilite parcerias ágeis, que integre facilmente (e sem as burocracias demoradas) projectos internacionais, que agarre as oportunidades da transição digital (encarando-as, ao invés de ir com a corrente sem rumo), que dote os museus e monumentos com os recursos necessários para cumprirem as suas missões. Enfim que tenha um objetivos definidos e uma estratégia para os alcançar!
A quarta boa notícia (dada ontem) é a passagem da empresa para o Palácio Burnay1 (na Rua da Junqueira) que permitirá a recuperação do palácio, votado ao abandono desde há uns anos, e libertar o espaço ocupado na Ajuda (que certamente terá boa utilidade para o PNA ou para o IP agora criado. Esta novidade, apresentada ontem na cerimónia que o governo organizou para marcar a entrada em funcionamento das duas entidades acima mencionadas, é também um reflexo da intenção demonstrada de autonomizar seriamente a tutela dos museus e monumentos (o que me agrada profundamente).
No entanto, mantenho esta reserva e desconfiança (que normalmente não teria), perante as diversas vezes que tive (tivemos) esperança num futuro melhor para os museus portugueses, mas não o vi concretizado até agora. Espero, sinceramente, que esta reforma dê frutos e, quanto mais não seja pela acção, acho que podemos agradecer ao presente Ministro da Cultura (Pedro Adão e Silva) por este passo. Agora está nas mãos do Pedro Sobrado, da Cláudia Leite e da Maria de Jesus Monge colocar a máquina a andar. Espero que tenham o maior sucesso, a bem dos nossos museus e monumentos.
Há também algumas preocupações que mantenho. São várias, mas a que mais me inquieta é a relativa à forma da Rede Portuguesa de Museus.
Quando criada a RPM foi, para mim pelo menos, um sinal de enorme esperança. Não era só isso, mas constituiu-se como uma rede de entreajuda entre instituições, com programa de formação de profissionais e um sistema de avaliação e creditação de museus que alavancou o desenvolvimento destas instituições. Fê-lo através de programas de apoio e formação e acções de acompanhamento técnico asseguradas por uma equipa incrível que foi definhando ao longo dos anos, por falta de investimento e atenção ao papel fundamental que a RPM desempenhou nos primeiros anos de existência.
A RPM é hoje constituída por museus de diversas tutelas, da esfera pública e privada, que vão desde o estado central, até às fundações e empresas, passando pelos municípios e acabando nas universidades. É diversa nas tutelas, mas também na dimensão, tipologia e recursos (financeiros e humanos) dos museus que a integram. Herda uma metodologia de trabalho testada, no que diz respeito à creditação dos museus, mas que urge reavaliar, discutir e, sendo o caso, atualizar. Tem formado profissionais de museus em diferentes áreas ao longo dos anos, mas em determinadas áreas (a documentação, por exemplo) precisa de rever e atualizar currículos e conteúdos. Tem sido, desde a sua criação, fonte de inspiração para a criação, dispersas pelo território, de um conjunto de redes de museus regionais como a Rede de Museus do Baixo Alentejo, do Algarve ou do Douro (para citar apenas algumas) com benefícios evidentes para os museus e profissionais dessas regiões.
Captura de ecrã do website da Museus e Monumentos, EPE
Por tudo isto, a RPM foi e é um elemento fundamental para o desenvolvimento dos museus em Portugal. Por isso a minha preocupação prende-se com o facto de manter a RPM na dependência da Museus e Monumentos, EPE com a seguinte menção no diploma legal que cria esta entidade:
Artigo 3º – alínea m:
O desenvolvimento da Rede Portuguesa de Museus (RPM), tendo em vista a operacionalização das orientações estratégicas para o trabalho em rede entre os museus que a integram, a qualificação do tecido museológico nacional, a implementação dos núcleos de apoio a museus, a promoção e a credenciação de museus, a articulação com outras redes nacionais e internacionais, a descentralização da oferta cultural e o envolvimento dos públicos;
Não me interpretem mal. Eu concordo que o papel da rede é o descrito na citação do Decreto-Lei n.º 79/2023, de 4 de setembro acima transcrita. O que eu não concordo é que a RPM se mantenha apenas como um “departamento” ou ramo dentro da EPE, quando deveria ser um organismo autónomo, ainda que dependente da administração central, com capacidade e meios para cumprir as funções atrás descritas. É certamente da minha pouca experiência em termos de administração pública, mas uma organização distinta, com possibilidade de participação de outras tutelas (públicas e privadas), de pequena dimensão e de responsabilidade partilhada (principalmente a financeira), com critérios de participação bem definidos (em termos de recursos financeiros e humanos e responsabilidades) e com um sistema representativo das diferentes áreas nos órgãos de gestão, teria mais força e capacidade do que um “departamento” dentro de uma empresa pública que, queiramos ou não, tem o seu futuro ligado à boa vontade e visão política do governo e facção política que conduzirá os destinos do país em determinada altura.
A existência de uma instituição independente da EPE e com participação activa de diversas tutelas permitiria, na minha opinião:
um sistema de credenciação completamente independente;
responsabilização e participação activa de todas as tutelas;
uma rede de distribuição de recursos eficiente;
a criação de núcleos de apoio diversificados;
uma maior sustentabilidade da própria RPM;
a descentralização e disseminação pelo território.
Enfrentaria alguns desafios e obstáculos, desde logo, o modelo de governação. A criação de uma instituição que representa diversas tutelas implicaria a definição de um modelo de governação mais complexo, mas ainda assim, não me parece que fosse uma empreitada impossível. Há exemplos de redes em que administração local e central (a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, por exemplo) estabelecem contratos programas com encargos e participação mútuos ou de projectos na área da cultura para os quais foram criadas fundações participadas por diferentes entidades, como são os casos da Casa da Música ou de Serralves. É possível seguir este caminho, diria eu.
Estou certo que haverá bons argumentos a favor da manutenção da RPM na Museus e Monumentos, mas os que vejo (sob uma perspectiva enviesada certamente) não fazem pender a minha balança para outra opinião que não esta.
Estou então cauteloso e expectante! A aguardar que 2024 seja um ano marcante (pelo menos já é um ano de acção) para os museus, monumentos e património cultural português. Para já fez-me voltar a escrever e a reflectir aqui.
Um Bom Ano para todos!
Uma nota para o sistema SIPA que falha sempre que se tenta abrir uma imagem e tem sido votado, como outros sistemas de documentação, a um abandono incompreensível. Falaremos nisso noutra altura. ↩︎
Começo por dizer o que acho que qualquer pessoa de bom senso e com conhecimento da realidade dos museus portugueses pensa da municipalização do Museu (antes Regional) de Arqueologia D. Diogo de Sousa: é uma decisão incompreensível e estúpida! Tentarei explicar, em seguida, porquê.
Não é necessário escrever aqui um resumo da história da criação do museu ou mencionar a sua importância para a arqueologia portuguesa e para outros museus que o procuram como referência no estudo, restauro e conservação de coleções arqueológicas. Tudo foi escrito, de forma muito clara, no texto da petição que subscrevi intitulada “Em defesa do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa” e pelas vozes de colegas de museus e arqueólogos que têm dado o seu contributo sobre este assunto nos mais diversos canais.
No entanto, é necessário, aliás, essencial que se ouça a opinião de decisores políticos diretos neste processo – que não foram claramente ouvidos (aqui um outro caso) – e perceber que quando queremos resolver um problema, não o podemos passar sem mais para a responsabilidade de outrem, sem pensar nas consequências da nossa decisão.
Além de ouvir as instituições políticas interessadas, algo que me admira muito não ter sido feito (ler ironicamente), estranho muito que a decisão de municipalizar museus como o D. Diogo de Sousa (MDDS) não tenha sido apresentada à sua direção, à equipa do museu, desde logo, mas também às associações profissionais do sector e à academia, tendo em conta o perfil do museu e o seu reconhecido trabalho conjunto com a Universidade do Minho (já com décadas de boas experiências). Eu sei que não é necessário que o façam, mas parece-me que este tipo de decisões já deveriam ser mais participadas em Portugal. Se queremos municipalizar para chegar perto das pessoas, comecemos a chegar perto das pessoas chamando-as para participar numa decisão tão sensível como a de alterar a tutela do museu.
Um outro aspecto que me parece ter sido completamente negligenciado foi a avaliação de situações semelhantes. Já temos experiência de municipalização de outros museus que tiveram em tempos um caráter regional, um caso bastante conhecido é o do Museu de Aveiro. Se temos estes casos, não seria avisado procurar ter uma avaliação dessa mudança de tutela relativamente a alguns indicadores a definir (equipa, público, gestão das coleções, etc.), antes de pensar em municipalizar mais um museu com estas características? Há essa avaliação e não é conhecida? Posso ser eu que ando distraído, mas parece-me que não há. Não havendo, corremos o risco de tomar uma decisão desinformada.
Eu tive a oportunidade de estagiar no MDDS e de ter aprendido muito sobre museus, arqueologia, documentação e gestão de coleções com o Mário Brito, o Manuel Santos e com a Isabel Silva. Sei bem a importância que o Museu tem para Braga, para o Norte de Portugal e para o país no seu todo. Sei a importância que tem a nível da Arqueologia portuguesa e do conhecimento da nossa história enquanto território e país. Sei também que um museu municipal, por muito que o Município faça, tem responsabilidades diretas com a sua comunidade em primeiro lugar e não se lhe pode pedir/exigir o que se pode a um museu nacional ou regional. Por isso mesmo, acho irresponsável esta incompreensível decisão tomada nos corredores da Ajuda.
Há uns tempos, nos anos da crise financeira, comecei a escrever um texto aqui para o Mouseion que rezava o seguinte:
Esta semana voltei a dar aulas no mestrado de museologia da Universidade do Porto e fiquei surpreso com a quantidade de alunos (segundo me disseram são 29 ao todo) matriculados. Pode ser engano meu, mas nos últimos anos tinha notado um decréscimo acentuado no número de alunos no mestrado que, sem ter grandes dados para analisar, atribuía às dificuldades financeiras sentidas pelas famílias e pelos profissionais de museus e ao peso que tinham na decisão de continuar os estudos nesta área, relativamente a outras prioridades da vida. Compreenderão certamente o porquê do meu espanto com uma sala cheia, numa altura em que, convenhamos, a saúde financeira geral não teve significativas melhorias.
Durante a sessão fiquei contente, confesso. Em primeiro lugar, e de forma egoísta, porque é bem melhor ter uma aula com uma sala cheia, mesmo que mais caótica e barulhenta (que não foi o caso), em que há interesse nos assuntos discutidos e onde a direcção da aula não é só professor-aluno! Em segundo, porque foi um interesse real em diversos aspectos da documentação.
Uns dias mais tarde, já depois de falar com colegas e família sobre esta minha admiração, vieram-me à cabeça as conversas tidas no último evento do ICOM Portugal com diversos amigos e colegas de profissão sobre o estado da profissão no nosso país e apoderou-se de mim um sentimento de preocupação enorme que se pode expressar assim: “Temos muita gente nova a ser formada, ninguém a ser contratado pelos museus, os quadros dos museus a envelhecer e a chegar à reforma, não tarda nada perderemos muito, mesmo muito, com esta quebra entre gerações, esta continua aprendizagem que foi existindo durante alguns tempos e de que a minha geração ainda usufruiu!”
O evento que ali falo foi o Encontro de Outono de 2016 sobre o tema Museus, Comunidade e Turismo: um triângulo virtuoso? e lá a conversa sobre este tema surgiu na sequência da notícia da reforma de um colega e sobre a ausência de um processo de substituição que permitisse uma passagem de testemunho desempoeirada e eficiente dos assuntos do museu e coleções que estavam ao seu cuidado. Uma situação que considero deveras preocupante para os museus em Portugal. Perde-se a passagem de informações importantes, a discussão entre gerações, a aprendizagem e a confrontação (que se espera sadia), perde-se muito e com este hiato, não se ganha nada.
De 2016 até agora pouco mudou. Não contratamos, salvo raras excepções. Os museus continuam a ser vistos, na maior parte dos casos, como instituições que dão prestígio e relevo, por vezes até vantagem política, mas são raros os casos de um investimento continuado, sério, com estratégia, com políticas de coleções com reflexão e estudo de temas recentes, sustentados por coleções estudadas e desenvolvidas com cabeça, tronco e membros, com equipas sólidas, com formação apropriada (e já agora diversificada, sem a prisão da coleção) e continuada. A nível central, se retirarmos a boa intenção do relatório do Grupo de Projeto Museus no Futuro, muito bem conduzido pela Clara Camacho, e a conclusão de alguns dos concursos para diretores de museus, esta legislatura caminha (de novo) para ser um desperdício (de tempo, de pessoas, de recursos).
No entanto, agora anunciam-nos que vem aí uma enorme bazuca, dinheiro a rodos que chegará a todos. Que teremos recuperação de edifícios, novos recursos, equipamentos, transição digital, wifi e mais… mas nem uma menção aos que terão que lidar com a transição digital (e com outras) estando dentro da estrutura ou ao cuidado que devemos ter na substituição atempada das equipas com novos profissionais, com outras ou mais qualificações, que possam receber a preciosa ajuda de quem conhece os cantos à casa. Será mais um ponto a agravar a falha intergeracional nos museus, em meu entender.
Ainda que seja para mudar a casa totalmente, é importante que este intervalo de gerações que eu sinto, diminua. Espero que as tutelas percebam isso e renovem as suas equipas a tempo.
Vivemos tempos de mudança, de adaptação, de alterações a diversos níveis na forma como vivemos. A tecnologia tem sido, de forma agravada nos últimos anos, o factor de aceleração dessa mudança. Transformação, transição ou integração digital (expressão bem cunhada pela Helena Barranha no debate) são algumas das expressões que vamos ouvindo como identificação deste fenómeno que é a inclusão da tecnologia para melhorar, alterar, refazer as soluções, métodos, modelos, etc. utilizados tradicionalmente no trabalho em museus. Foi este fenómeno que o ICOM Portugal pretendeu debater no passado dia 20.
Não foi a expressão que debatemos a convite do ICOM Portugal, mas sim as recomendações do eixo temático “Transformação Digital” do relatório final do Grupo de Projeto Museus no Futuro que foi criado pelo MC para reflectir sobre o futuro dos museus portugueses, ou melhor, sobre o futuro dos museus e palácios dependentes do estado central (leia-se DGPC e DRC). A quem não o fez ainda, aconselho a leitura atenta e crítica, porque certamente irão encontrar muito em que pensar, mesmo que não trabalhem numa das instituições visadas no relatório.
Para a conferência o ICOM Portugal convidou-me a mim, para a grata tarefa de moderação, à Ana Carvalho1 e à Helena Barranha2 como representante da equipa que acompanhou a Clara Camacho na realização do estudo e relatório e como especialista e investigadora na área, respectivamente. A escolha da Ana e da Helena não podia ter sido mais acertada, confesso. É bem conhecido o trabalho de ambas na área dos museus (e da sua relação com o universo digital) e a reflexão que têm desenvolvido sobre o tema em análise.
Cartaz do debate sobre Transformação Digital
Ambas começaram por apresentar a reflexão que lhes foi pedida para esta conferência, num ambiente que se espera sempre mais informal e menos cansativo para quem assiste. A Ana e a Helena cumpriram e deram-nos uma visão sobre a forma, método e sobre as preocupações que estiveram presentes na equipa que produziu o relatório, por um lado, e por outro uma visão crítica, ainda assim positiva, do resultado que todos conhecemos.
Da intervenção de ambas gostaria de destacar, por um lado, a forma como a Ana apresentou as questões que estiveram por trás da pesquisa e recolha de informação pela equipa da Clara Camacho, assim como a delimitação do estudo e a preocupação em obter dados fidedignos, a observação dos pares, a visão de outras realidades que não a nossa. São elementos fundamentais para o estudo e para compreendermos as recomendações feitas. Além disso, a Ana resume as diferentes recomendações em 4 áreas que, na minha opinião também, são fundamentais: capacitação, infraestrutura, acesso (digitalização e não só) e parcerias. Nestas áreas são incluídas as diferentes recomendações do relatório para a transição digital que, apenas para recordar, são:
Modernizar e atualizar os equipamentos informáticos internos;
Criar um portal de Museus, Palácios e Monumentos, atualizar e otimizar os respetivos sites;
Criar uma linha de apoio “Museus do Futuro” a projetos de requalificação dos Museus, Palácios e Monumentos;
Criar um programa de reforço e de alargamento sistemático da digitalização dos acervos dos Museus, Palácios e Monumentos;
Assegurar e incrementar o acesso digital às coleções e acervos;
Desenvolver um programa de utilização das tecnologias como meio complementar de interpretação;
Criar mecanismos de apoio, monitorização e avaliação para os Museus, Palácios e Monumentos;
Reforçar o estabelecimento de parcerias na área da comunicação digital;
Promover projetos-piloto de transferência de conhecimento e de investigação;
Assegurar o recrutamento de profissionais com competências digitais especializadas e criar planos de formação regulares.
A partir dali a Helena confronta-nos com a importância da terminologia utilizada, tal como já eu havia feito colocando no twitter a questão entre transformação ou transição (sem grande resposta diga-se de passagem), mas elevando a fasquia através da reflexão mais cuidada e aprofundada do termo integração, ou seja integração digital, em vez de transição ou transformação, procurando dessa forma uma visão mais inclusiva, mas também mais “humanizada” da forma e velocidade com que somos “engolidos” pela tecnologia no dia-a-dia dos museus, ou mesmo, da nossa vida.
rapaziada dos museus: na quarta falamos sobre transformação digital e debatemos o relatório Museus no Futuro. Ocorre-me uma questão breve… é transição ou transformação digital?
— Alexandre Matos, Visconde do Teletrabalho! (@alexandrematos) January 18, 2021
Esta é uma questão interessante que importa trazer à liça sem receios, de forma simples e concreta, como a Helena fez. A reflexão sobre questões que nos parecem óbvias e aceites sem grande preocupação ou cuidado é sempre útil, porque nos permite ver por outro prisma determinado problema ou mesmo equacionar as prioridades definidas para a resolução das questões identificadas neste relatório ou noutros semelhantes. Assim, esta integração digital, mais inclusiva e crítica, parece-me apropriada para o momento que vivemos, ainda mais no contexto actual, de “digitalização” de toda a nossa relação profissional ou lúdica com os nossos museus.
A partir destas duas intervenções iniciais, com muito alimento para a discussão, abrimos a porta à discussão com os que nos acompanhavam no zoom e seguiam no Facebook e conseguimos debater assuntos como os recursos financeiros necessários (e existentes) no sector para a transformação digital, a preparação e abertura das tutelas para o caminho que há a percorrer, a alteração necessária em termos de políticas de acessibilidade (e eu diria inclusão), a formação e capacitação dos recursos humanos e a contratação de quadros com formação e competências na área, a atenção para os novos perfis profissionais e novas profissões que se criarão por conta da integração com o universo digital, o planeamento relativo à obsolescência das infraestruturas e dos equipamentos que é necessário acautelar, a atenção necessária para a inclusão destas e doutras despesas que agora surgem e, embora já mencionado pela Ana e pela Helena, a atenção também necessária para um planeamento estratégico, não desligado da estratégia geral da instituição, que abranja as novas questões e meios ao dispor. Mais do que este resumo, convido-os a acompanhar o debate através da gravação que o ICOM Portugal partilha connosco através do seu canal de Youtube.
Conferência Digital – Grupo de Projeto Museus no Futuro – Transformação Digital
Sem falsa modéstia, julgo que conseguimos abordar nesta breve conversa alguns pontos interessantes das recomendações feitas pelo GTMF. Julgo que se percebe que estaríamos muito mais tempo a conversar, eu, a Ana e a Helena, mas também muitos dos que nos acompanharam, sobre as questões trazidas por este documento. Não tivesse ele outro contributo, o que não é, de todo, o caso, teria este importante contributo de colocar o sector atento, a discutir, a debater e a pensar num conjunto importante de desafios que agora têm outro enquadramento e circunstâncias distintas.
Como nota final, diria que o relatório é, em relação ao eixo da transformação digital, bem completo e aborda um conjunto de problemas e questões que o estado precisa de resolver, no entanto, haveria ainda algumas outras questões que poderiam ser levantadas e abordadas como por exemplo, a gestão de direitos (relacionada também com a acessibilidade), a normalização ou a criação de uma plataforma de colaboração mais vasta entre museus, bibliotecas e arquivos do estado central para a dinamização do património cultural guardado nestas instituições.
Teremos certamente oportunidade de aprofundar o resultado do excelente trabalho da Clara Camacho e da equipa que nos deixa este importante contributo para o desenvolvimento do sector. Não o deixemos cair nas gavetas profundas da Ajuda.
1 Ana Carvalho – Investigadora de pós-doutoramento no Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS) da Universidade de Évora e membro do Grupo de Projeto Museus no Futuro (2019-2020). Doutoramento em História e Filosofia da Ciência, especialização Museologia e mestrado em Museologia (Universidade de Évora). Colaborou como investigadora principal no projeto internacional Mu.SA – Museum Sector Alliance (2016-2020) sobre os desafios da transformação digital para os museus. É uma das fundadoras da revista MIDAS – Museus e Estudos Interdisciplinares. A sua investigação tem-se centrado em temas do património, da história da museologia e da museologia contemporânea.
2 Helena Barranha – Doutoramento em Arquitetura (Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto, 2008) e Mestrado em Gestão do Património Cultural (Universidade do Algarve, 2001). É Professora Auxiliar no Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e Investigadora no Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, onde integra o Grupo de Museum Studies e coordena o cluster de Arte, Museus e Culturas Digitais. Foi Diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, em Lisboa, de 2009 a 2012, e Coordenadora do projecto unplace: um museu sem lugar, entre 2014 e 2015. As suas atividades de investigação centram-se atualmente no património cultural, na arquitetura de museus de arte contemporânea e nas culturas digitais, temas sobre os quais tem realizado várias conferências e publicações, tanto em Portugal como noutros países. É membro da Associação Acesso Cultura, do ICOM-Portugal e da Europeana Network. Association.
Parece uma infinidade, mas na realidade só passaram 4 anos desde os primeiros contactos que tivemos dos colegas da Hellenic Open University, que conheci através da Mapa das Ideias por causa do projecto eCultSkills (no qual tive uma breve mas muito frutífera participação), sobre a criação de um consórcio para avaliar e procurar melhorar o sector dos museus no que diz respeito às competências digitais necessárias para os perfis de trabalho emergentes que viríamos a conhecer como projecto Mu.SA.
O consórcio, como estava pensado, precisava da participação de um “VET provider” e de um “social partner” capazes de compreender e acompanhar o desenvolvimento do projecto no território português. Em Itália e na Grécia teríamos instituições semelhantes a assumir os mesmos encargos!
Na altura, sem saber muito bem no que me iria meter, depois de perceber o que era um “VET provider” e um “social partner” e de falar com a Paula Menino Homem e com a direção do ICOM Portugal, dei ao Achilles Kameas os contactos da Universidade do Porto e do ICOM Portugal como potenciais parceiros do consórcio. Iniciaram-se os contactos entre ambas as instituições e a UP, através da Faculdade de Letras e o ICOM Portugal, graças à visão da sua direcção na altura, decidiram meter mãos na massa e abraçar o projecto.
Eu fiquei entre as duas instituições, como um tolo no meio da ponte, mas em boa hora assumi com a direcção do ICOM Portugal o compromisso de iniciar a sua participação no projecto, participando na reunião de arranque em Dezembro de 2016 que se realizou em Atenas, na Grécia, juntamente com a UP e a Mapa das Ideias que complementava o “cluster” português do projecto.
Foram 3 dias cheios em Atenas. Cheios de informação, de nova terminologia, de aprendizagem, de confusões, de novos amigos e de incertezas sobre muitas nuances e questões particulares do projecto que então se iniciava. Na altura não pensei muito sobre o assunto, mas passado este tempo, posso dizer-vos que todos nós, profissionais de museus ou do sector da Cultura, precisamos de ter mais formação nesta área. Adquirir competências para gerir ou participar num projecto europeu é/devia ser fundamental na formação dos profissionais do sector (dos vários sectores em boa verdade).
Chegado de Atenas foi tempo de transmitir ao ICOM Portugal um enorme volume de informação sobre a gestão do projecto, sobre as necessidades, as tarefas que o ICOM Portugal tinha em mãos, a(s) responsabilidade(s) no projecto e as questões administrativas e burocráticas que tínhamos em mãos para resolver.
Uma das decisões fundamentais nesta fase inicial do processo foi a constituição inicial da equipa do ICOM Portugal no projecto. Tínhamos diferentes tarefas previstas (investigação, administração, gestão, produção de conteúdos, etc.) e precisávamos de uma equipa que desse conta do recado e suprisse as necessidades do projecto e possíveis alterações futuras. Conseguimos essa equipa em diferentes momentos.
O José Alberto Ribeiro já tinha sugerido (em muito boa hora) que a Ana Carvalho participasse no projecto. Decidiu também que a D. Olinda Cardoso nos daria o apoio administrativo necessário (que foi excelente durante estes anos) e mais tarde, por sugestão da Ana, juntamos o Manuel Sarmento Pizarro e, por fim, juntou-se a nós o José Barbieri depois de uma recomendação do Mário Antas.
O projecto Mu.SA – trabalho
Após este período inicial, em que todos tivemos um esforço adicional de aprendizagem do que é, como se faz e organiza e que instrumentos são necessários para um projecto deste calibre (o total do projecto em termos de financiamento ascendia a mais de um milhão de euros), começamos aos poucos, ajudados pelos outros parceiros, os trabalhos que nos estavam atribuídos: uma pesquisa sobre os perfis de trabalho emergentes, conduzida pela Melting Pro e aplicada em Portugal, Grécia e Itália, que seria essencial para aferir e decidir se os perfis profissionais emergentes identificados pelo eCultSkills poderiam ser utilizados para a criação dos produtos deste projecto, agora identificados como o caminho de aprendizagem do Mu.SA, um MOOC, um curso de especialização e um estágio final em contexto de trabalho.
Passada essa fase inicial, o trabalho seguinte (e exigente) era o da criação dos conteúdos dos cursos do projecto: MOOC e curso de especialização. Ao ICOM foram atribuídos 6 módulos. Um para o MOOC: Creative thinking skills; e os restantes para o curso de especialização: Analyse and synthesize information, Resilience, Interpersonal skills, Influence / persuasion skills e Integrity / ethical. Nestes foi essencial o trabalho da Ana Carvalho (na criação e coordenação) e do Manuel Pizarro (na criação de módulos) que, seguindo uma metodologia muito exigente, criaram cada um dos módulos especificamente para a parte do curso, alunos e exigências que foram pré-determinados pelo consórcio nas reuniões preparatórias. Sou testemunho que ambos tiveram um enorme trabalho para alcançar os resultados e a qualidade que o ICOM Portugal pretendia e confesso o orgulho de ter lido nas avaliações dos módulos e ouvido de vários alunos dos cursos o reconhecimento da qualidade dos módulos que produzimos. Devo dizer também que a colaboração do José Barbieri foi também fundamental para o desenvolvimento de alguns conteúdos que o ICOM Portugal produziu neste projecto, como o vídeo sobre Ética, um tema muito caro para nós.
Ética nos museus nesta era digital
Uma boa parte dos conteúdos produzidos pelo consórcio, agora transformados em OERs (Open Education Resources), estão disponíveis para reutilização no site do projecto. Usem e divulguem o quanto quiserem.
Além da produção dos conteúdos, o ICOM Portugal participou também na organização e realização dos diferentes cursos do projecto. Seja com tutorias, acompanhamento de alunos, esclarecimentos sobre conteúdos, discussões nos fóruns do curso, etc. a Ana Carvalho, o Manuel Pizarro e eu próprio, acompanhamos de perto todas as actividades do processo de aprendizagem até ao fim do curso de especialização e, de forma menos intensa, durante o acompanhamento dos estágios nos museus (cujo sucesso se deve ao enorme empenho da UP e, especialmente, da Paula Menino Homem).
Paralelamente a todo este trabalho, eu, a Ana, o Manuel, o José e a D. Olinda, tivemos ainda que gerir o projecto administrativa e financeiramente, promover e disseminar todo o trabalho do projecto, organizar eventos anuais (nacionais e internacionais), criar ferramentas de divulgação, entre muitas outras pequenas, mas consumidoras de tempo, tarefas. Aliás, se há algo que me orgulho particularmente neste projecto, que se deve em grande parte ao empenho da Ana Carvalho, é a divulgação que fizemos durante estes 3 anos e meio. Foram vários artigos e comunicações em revistas e conferências especializadas que trouxeram ao Mu.SA e ao ICOM Portugal, em primeiro lugar, mas também à equipa do projecto, o reconhecimento por parte de diversos colegas, museus, universidades e do próprio ICOM a nível internacional.
Começamos por ser um conjunto de organizações que se juntaram com o propósito de “abordar diretamente a escassez de competências digitais e transferíveis identificadas no setor dos museus” através da criação das ferramentas de aprendizagem, os cursos e o estágio, e de um conjunto de outros resultados importantes, para acabarmos como um conjunto de organizações e equipas com a convicção do dever cumprido, confirmado pela aprovação do relatório final do projecto pela Comissão Europeia e consequente pagamento da totalidade da bolsa inicialmente prevista.
Neste momento de satisfação e de sensação de dever cumprido, não posso deixar de agradecer à equipa do projecto Mu.SA no ICOM Portugal (à Ana, ao Manuel, ao José e à D. Olinda) pelo fabuloso desempenho e empenho. Não posso deixar de agradecer também às duas direcções do ICOM Portugal que acompanharam o projecto, pelo contínuo apoio e dedicação. Nas pessoas do José Alberto Ribeiro, cuja direcção acolheu o projecto, e da Maria Jesus Monge, cuja direcção o conseguiu finalizar, deixo o agradecimento de todos nós a todos os colegas de ambas as direcções pela coragem em aceitar um projecto tão complexo, mas também tão necessário para os profissionais de museus em Portugal. Não posso me esquecer de agradecer também à Paula Menino Homem, da Universidade do Porto e ao Ivo Oosterbeek, à Ana Fernambuco e à Inês Bettencourt da Câmara, da Mapa das Ideias, membros do fabuloso “cluster” nacional do Mu.SA, por toda a ajuda, colaboração e apoio nos momentos mais difíceis. Por fim, um agradecimento também para todos os parceiros/amigos internacionais do Mu.SA. Em cada um deles conheci pessoas maravilhosas, competentes e empenhadas em fazer o melhor pelo sector dos museus. Muito obrigado a todos!
Acabo este projecto muito melhor do que entrei! A aprendizagem do Mu.SA foi extraordinária e deu-me uma perspectiva diferente sobre diversas áreas do sector dos museus que serão importantes para mim e para a forma como vejo o futuro dos museus a nível internacional. Espero, de forma muito sincera, que após esta pandemia possamos todos aprender que os museus precisam de muito mais que uma simples discussão sobre os benefícios/prejuízos da introdução do “digital”, mas sim de uma reformulação completa dos instrumentos que usamos para a gestão, divulgação, educação e estudo das nossas colecções e dos instrumentos e métodos que usamos para nos avaliarmos. Saibamos nós aproveitar realmente esta oportunidade!