Museus no Futuro – Relatório

Museus no Futuro – Relatório

Hoje, após uma breve e agradável conversa que resulta neste texto, dei comigo a pensar no tempo que passou desde que comecei o Mouseion, nas transformações que o panorama museológico sofreu desde então e no que já vi de bom e mau acontecer durante este tempo no nosso sector. Na altura que o criei, pensei nele como um instrumento de reflexão sobre os museus, sobre aquilo que poderiam ser os museus no futuro, ou naquilo que eu imaginaria que viessem a ser.

É sempre um tema que me apraz discutir. O que queremos, enquanto comunidade e enquanto profissionais do sector, fazer para ter melhores museus, mais eficientes, com mais recursos, com mais público, com capacidade para dar a conhecer o passado (bom e mau), assumindo o seu papel social como espaços de liberdade e debate sobre o presente, melhorando os seus procedimentos, imbuídos num espírito de auto-crítica e de avaliação contínua, transparentes e divertidos.

Museu do Futuro
Museu do Futuro
Shaun Killa
Dubai, Emirados Árabes Unidos

Por isso, agradecendo desde já à Clara Camacho a partilha, é com enorme prazer que partilho com todos vocês, o relatório preliminar que o Grupo de Projeto Museus no Futuro apresentou à Ministra da Cultura e que estará, até final do presente mês, em consulta pública para receber os nossos comentários, críticas e sugestões.

Não tive, porque o recebi hoje apenas, a oportunidade de o ler com o cuidado que merece o trabalho dos nossos colegas que constituíram este grupo, mas irei ler, reflectir e partilhar com a Clara, bem como por aqui, as minhas sugestões, críticas e sugestões.

Sei que os membros da equipa estão abertos a todas as contribuições dos profissionais do sector e por isso cabe-nos agora a responsabilidade de reflectir e propor aquilo que cada um de nós considera importante para os Museus no Futuro.


Missão do Grupo de Projeto Museus no Futuro

Identificar, conceber e propor medidas que contribuam para a sustentabilidade, a acessibilidade, a inovação e a relevância dos museus sob a dependência da Direção-Geral do Património Cultural e das Direções Regionais de Cultura.” (No 1 da RCM no 35/2019, de 18 de fevereiro)

Âmbito

Na sua génese, o projeto incidia nos Museus e Palácios na dependência da DGPC e das DRC. Este universo foi posteriormente alargado, passando a abranger os Museus, Palácios e Monumentos (MPM) contemplados pelo diploma que estabelece o respetivo regime de autonomia, o Decreto-Lei no 78/2019, de 5 de junho. Assim, o projeto incide nas mais de três dezenas de Museus, Palácios e Monumentos dependentes de dois tipos de entidades tutelares da área da Cultura:

  • o organismo da Administração Central do Estado – a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), da qual dependem Museus Nacionais, Palácios Nacionais e Monumentos Património Mundial;
  • as quatro entidades da Administração Central desconcentrada – as Direções Regionais de Cultura (DRC do Norte, Centro, Alentejo e Algarve), que assumem a tutela de museus e de monumentos para elas transferidos na reestruturação administrativa do Estado, em 2012.

Os Museus, Palácios e Monumentos estão, nalguns casos, agrupadas em unidades orgânicas compósitas para fins de gestão e sob a coordenação de um único diretor. Para efeitos da sua caraterização e de aprofundamento do conhecimento, optou-se pontualmente pela sua desagregação:

  • no total de 37 unidades em análise.

É sobre este conjunto, diverso em tipologias patrimoniais e territorialmente disperso, que recai a reflexão deste Grupo de Projeto.

Virtual vs Físico. A luta não existente

Virtual vs Físico. A luta não existente

Ontem, e em boa hora, participei no colóquio digital do ICOM Portugal que tinha o sugestivo título “Como sentir (na web) o peso do ar e da pedra?” e foi suscitado pelo texto provocatório da Patrícia do Vale com o seguinte título “Tudo será ainda instagramável? O museu por reinventar”. No debate fiquei ainda mais certo daquilo que tenho dito, em diversos locais, sobre esta dicotomia do Virtual vs Físico e da inexistência de uma luta titânica entre estes dois aspectos das nossas vidas.

Colóquio Digital ICOM PT

São vários os pontos que abordei durante o debate, mas tal como lá, vou aqui organizá-los em 5 pontos (lá foram 4 na intervenção inicial e depois acrescentei mais um durante o debate):

  • Políticas e Gestão
  • Conteúdos
  • Formação
  • Acessibilidade
  • Avaliação

Políticas e Gestão

Uma declaração primeira que nada tem a ver com o digital, mas que me irritou durante este tempo de confinamento. Não é possível compreender que instituições de referência, por causa de dois ou três meses de confinamento, coloquem em causa o trabalho de um conjunto de profissionais que lhes têm valido reconhecimento e louvores aos anos. Neste caso não é luta do digital vs físico, mas sim uma luta de valores e missão.

Relativamente à gestão a pergunta que se deve fazer é: que museus tinham pensado numa estratégia digital antes do COVID-19? Sem grande risco, julgo que é seguro dizer que muito poucos o tinham feito, certo? Ou seja, durante esta quarentena, os museus não responderam com um instrumento pensado previamente, sendo pró-activos antecipadamente, mas sim de forma reactiva a (vários e grandes) problemas que foram colocados aos museus. Na reacção notamos as diferenças entre museus. Especialmente nos recursos (financeiros e humanos) que têm à sua disposição, mas também nas assimetrias que o país não tem conseguido resolver. A tal luta entre Virtual vs Físico que digo não existir, deve ser vista como uma luta em integrar o digital naquilo que já existia antes, ou seja, o museu físico, as suas colecções e a relação entre estes e as suas audiências.

Conteúdos

Aqui a luta entre Virtual vs Físico é sempre mais polémica. A constituição de colecções digitais, representativas das físicas, tem levantado um conjunto de questões ao longo dos anos que entendia no passado, mas que agora me parecem cada vez menos admissíveis. O objecto digital não pretende substituir o físico, é uma impossibilidade! No entanto, o meio digital dá aos museus a oportunidade de produzir informação e conhecimento, ou melhor, de deixar produzir conhecimento a todos os que possam ter acesso, em cima do conhecimento que os museus detêm.

Além disto, como também mencionou a Laura Castro, a linearidade com que os produzimos, em tudo semelhante aos processos que herdamos da transmissão do conhecimento em suportes físicos, precisa de ser repensada tendo em consideração as diferentes valências que o meio (mencionado e bem pela Isabel Victor) proporciona.

Formação

Este é, sem qualquer dúvida, um dos calcanhares de Aquiles nos museus portugueses (e não só). A formação existente na área dos museus não abrange a complexidade do universo digital em que estamos inseridos. Nas diferentes áreas (documentação, conservação, gestão, mediação, comunicação, etc.) de actuação do museu há um conjunto de desafios que são colocados diariamente aos museus pela crescente actualização tecnológica, pela obsolescência constante, pela procura do “trendy”, pela novidade do tema ou simplesmente pela necessidade que embatem de frente com a ausência de competências digitais apropriadas nos profissionais de museus.

Este é um problema que o ICOM Portugal procurou enfrentar, participando no projecto Mu.SA, desenvolvendo com um conjunto de parceiros europeus um caminho de formação (MOOC e Curso de Especialização com Estágios em museus), focado na aquisição destas competências para 4 perfis profissionais emergentes na área digital. Sobre a ausência das competências digitais sentida nos museus e seus profissionais, os mais de 5000 inscritos no MOOC falam por si só.

Acessibilidade

O acesso é o maior argumento para quem é ainda relutante a juntar-se à luta de integração do virtual no mundo físico (espero que a este ponto já se tenham esquecido da luta Virtual vs Físico). Com as colecções digitais podemos dar acesso a quem está (literalmente) do outro lado do mundo. No entanto, importa não esquecer que não resolve tudo. A exclusão aqui mantém-se e deve ser um problema a colocar em cima da mesa sempre. Não só a infoexclusão (que per si é um grande problema ainda), mas também a exclusão económica e social que experimentamos neste período da pandemia com uma quantidade considerável de estudantes, que se viram privados de continuar a escola por não terem um computador disponível, por exemplo.

Avaliação

Por último, o ponto que introduzi no debate apenas, suscitado por outras intervenções, a avaliação. Ou melhor, uma reflexão que é necessária fazer sobre a avaliação para não continuarmos a insistir no número de visitantes para premiar os museus (agora temos mesmo que pensar noutras formas), mas também para não continuarmos a avaliar o universo digital pela relevância dada por cliques, por um bom SEO, por algoritmo Google, etc., mas sim por indicadores que tenham em consideração a qualidade com primazia sobre a quantidade.

E daqui em diante. Que museu queremos reinventar?

Temo, muito sinceramente, que não o queiramos reinventar. Temo que o esforço e as reflexões que tivemos durante este período caiam no esquecimento após o levantamento total das restrições. Temo que voltemos a visitar “em bando” e aos magotes o Louvre, o British, o Prado, o MNAA, etc., e que celebremos de novo as exposições e salas cheias de gente (e eu gosto de ver os museus cheios de gente, não me interpretem mal). Mas temo, acima de tudo, que nos esqueçamos que este susto enorme é uma das melhores oportunidades que tivemos para mudar o rumo das coisas e repensar o museu que queremos ter no século XXI.

Uma linda oportunidade que, em meu entender, poderíamos ter aproveitado para o efeito com a abertura dos concursos dos museus e palácios nacionais (que têm a boa notícia de pedir profissionais com formação em museologia), mas que, em boa parte, desperdiçamos. Um outro assunto, que se interliga, mas que terá texto próprio.

Da decência nas cedências

Da decência nas cedências

Comecei a escrever este texto após as primeiras notícias sobre o caso da cedência das obras do Museu Nacional dos Cohces para o hotel em Alter do Chão e muito antes de se despoletar todo o drama relativo ao COVID-19. Ainda assim, pela importância do tema, resolvi voltar a ele e deixar aqui escrita a minha opinião sobre o tema.

Da profícua capacidade legislativa que os nossos parlamentares e governos têm demonstrado ao longo das últimas décadas, haverá poucas leis aprovadas por unanimidade. É normal que assim seja! Em democracia, a diferença e as formas distintas de encarar a construção da sociedade são muito salutares, no entanto, é de louvar que uma dessas poucas leis, aprovadas de forma unânime por todos os partidos então representados na Assembleia da República, seja a Lei-quadro dos Museus Portugueses.

Corria o ano de 2004, era Presidente da República Jorge Sampaio e Pedro Santana Lopes Primeiro Ministro, e a 9 de Julho de 2004 foi então votado e aprovado o diploma que daria início a um dos melhores períodos para o sector dos museus em Portugal. Para a minha geração, era um tempo de esperança, devo dizer. Todos nós, que iniciávamos a carreira ou estávamos nos primeiros anos de trabalho nos museus, a lei dos museus portugueses vinha dar consistência a um sector que não é tido, normalmente, como uma prioridade política e, portanto, é bastante permissivo em relação à vontade do poder político. Vimos todos ali a criação de instrumentos que permitiriam aos museus reclamar mais recursos, mais independência, melhores condições para se desenvolverem e cumprirem os seus propósitos. Foram bons tempos devo dizer…

Passaram entretanto 16 anos! E a questão que se coloca, face às notícias recentes sobre as cedências de obras da colecção de um Museu Nacional para decorar um espaço de um hotel (não entro em conversas sobre a aquisição da referida colecção pelo Estado, porque não me sinto capacitado para o fazer), entre outras do género, é exactamente esta: estão os museus portugueses em melhor situação do que em 2004?

Colecção de selas do historiador luso-alemão Rainer Daehnhard
Colecção de selas do historiador luso-alemão Rainer Daehnhard – © Imagem

Eu respondo, ainda que triste, mas sem grande problema: não estão, não senhora! E se quisermos juntar mais perguntas, como por exemplo: são os museus realmente autónomos? E a política museológica nacional? Onde anda esta bendita? A resposta é ainda mais simples, mas na negativa na mesma. Não são nada autónomos e a política museológica nacional não está em lado nenhum, anda desaparecida como as notas de 500 euros!

Sei bem que o tempo que corre e que tivemos, nestes últimos 16 anos, diversos desafios, uma crise, muitas mudanças, alterações à vida das instituições, novos governos e tudo o mais que acontece normalmente neste tempo, mas não haveria forma de nos mantermos, pelo menos duas décadas, unidos com alguns propósitos comuns?

Eu acho que sim, que há forma de o fazermos! Devemos isso aos que nos seguem e a quem, antes de nós, conseguiu atingir objectivos comuns como a criação de uma lei importante e a de iniciar o processo de construção da rede de museus, por exemplo. Aliás, acho que o devíamos fazer em alguns sectores estruturais como a Cultura, a Saúde (como é notória a importância do SNS nestes tempos), a Educação e a Segurança Social.

No entanto, o que fizemos no passado, com uma lei exemplar, foi neste caso particular completamente negligenciado pelos responsáveis políticos, contra pareceres técnicos muito informados e sérios do Museu e da DGPC, com base numa visão puramente economicista do património.

Eu não sou, por princípio, contra a utilização/consignação de património cultural por privados. Acho que se tivermos um programa em que Estado, particulares e empresas usem recursos comuns para benefício de ambas as partes (e recordo que o Estado somos todos nós), pode ser útil para a recuperação do património e para a continuidade da sua utilização.

Temos em Portugal um conjunto de edifícios e monumentos que não tendo utilização pelo Estado, podem muito bem ser recuperados para outro uso em que a sua integridade, manutenção e conservação sejam asseguradas, permitindo a quem assume esses encargos retirar contrapartidas do investimento que ali faz. Prefiro isto do que ver diversos monumentos e edifícios em estado de ruína e abandono, assim como acho que nos casos contrários (os de abandono de património edificado com interesse relevante por privados, como o Palácio Rosa Pena, na minha terra natal, por exemplo) o estado deve poder assumir, após os procedimentos legais necessários, assumir a posse e investir neles para os devolver à esfera de utilização pública, nalguns casos, ou mesmo privada, noutros.

O mesmo diria, com as devidas diferenças, para as nossas colecções, para o nosso património móvel. Em boa verdade já o fazemos. São mais do que conhecidos os empréstimos de objectos dos nossos museus para outros museus e instituições, privadas ou não, que os solicitam com determinados motivos, isto é, para estudo, exposições e outras utilizações semelhantes. Para o fazermos, tal como no património imóvel, temos que respeitar um conjunto de regras, vertidas na lei e em diversos regulamentos, que procuram garantir a salvaguarda e segurança desses bens, assim como a sua utilização devida, independentemente da instituição e local. É muito simples de perceber, certo? Não são precisos pareceres técnicos muito elaborados, pois não? Era o que pensávamos até há bem pouco tempo.

Assim, em minha opinião, é chegada a hora em que todos nós, profissionais de museus, precisamos de ser intransigentes, como o foi a directora do Museu Nacional dos Coches, Silvana Bessone (a quem agradeço muito pela coragem), e dizer não são cumpridas ordens que atentam contra a ética e lei.

Sei que o problema está ultrapassado e que a cadeia de hotéis já prescindiu do empréstimo e também sei que nos tempos de pandemia que vivemos este pode parecer um problema menor e sem qualquer interesse, mas é nestas alturas, em que estes problemas são colocados lá longe na gaveta das coisas que de vez em quando voltam se não formos firmes!

Boas Festas

Boas Festas

Postal de Natal
Printed Christmas Card sent from the Ithon Road Presbyterian Church, Llandrindod Wells Xmas, 1917, “to the members of our Church and Congregation who are with His Majesty’s Forces”, received by Walter Powell. (Registo da Europeana)

Este ano deparei-me com este postal de Natal numa das pesquisas na Europeana e lembrei-me dos sacrifícios, hoje muito esquecidos, para que pudéssemos viver num mundo melhor!

A minha mensagem de Natal, para todos nós, é que sejam os museus a não deixar esquecer esses sacrifícios, a reafirmar as diferentes lutas que travamos, a liderar as que ainda temos que fazer e a trazer para a linha da frente os que têm pouca, ou nenhuma voz, para que em conjunto seja possível construir um mundo melhor.

A todos, os meus votos de Boas Festas!

Definir “Museu”

Definir “Museu”

Há já algum tempo que a definição de museu de lá de casa está fixada. É o local onde o pai, ou melhor, para onde o pai trabalha. Além disso é o local onde vamos para aprender (ou pelo menos tentar), para nos divertir e para conhecer objectos e, através destes, a História, o nosso passado comum e, acima de tudo, pensar um pouco sobre os nossos dias.

Lá em casa, como imagino que em grande parte das casas por esse país fora, a definição de museu é algo que não é verdadeiramente importante. Perdoem-me os meus colegas de profissão, mas é assim que vemos as coisas. O que é realmente importante é o que são na realidade os museus que visitamos, as histórias que nos contam, a forma como nos fazem pensar em assuntos importantes, a ajuda que podem ser, para mim e para a prole, no desenvolvimento dos nossos conhecimento, espírito crítico e consciência social.

Japão

Sei, no entanto, que a definição de museu, tal como a definição de um outro termo qualquer, é importante em diversos casos, dos mais práticos, aos mais académicos, e merece a atenção de todos, em especial, dos que neles trabalham e a que a eles se dedicam de qualquer forma.

Uma nova definição e uma velha definição

o ICOM decidiu, na conferência trienal de 2016 em Milão, criar um grupo de trabalho para estudar e propor uma nova definição de museu. Deu-lhe um prazo de três anos, findos os quais seria levada uma definição nova a Kyoto, este ano, para ser votada em Assembleia Geral. O processo, liderado pela equipa de Jette Sandhall, foi aberto, inclusivo e teve o mérito de “ouvir” todos os que gostariam de propor uma nova definição. Foram feitos debates em quase todo o mundo, Portugal incluído, onde todos os que se interessavam pelo tema, poderam ser ouvidos e debater a necessidade, ou não, de mudar uma definição que carrega o peso da História e cuja necessidade de mudança, relembro, foi votada (se bem me lembro por grande maioria) favoravelmente em Milão.

A definição de museu (ainda actual) que se propunha substituir é:

O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.

A definição de museu proposta pela equipa de Jette Sandhall foi a seguinte (tradução da página do ICOM Portugal):

Os Museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detêm, em nome da sociedade, a custódia de artefactos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao património a todas as pessoas.

Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes; trabalham em parceria activa com e para comunidades diversas na recolha, conservação, investigação, interpretação, exposição e aprofundamento dos vários entendimentos do mundo, com o objectivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário.

Confrontados com esta proposta de definição, como seria de esperar, a discussão gerou-se. Desde a simples, talvez simplista demais, crítica a uma posição política/ideológica entrelaçada nas palavras da proposta, até às mais sectoriais, como a inexistência da palavra “educação”, chegando às mais processuais, onde se apontava a falta de tempo existente para a discussão desta nova proposta, foram muitos os críticos a este novo texto. E, pese embora a existência de apoio por parte de alguns comités à nova definição, era claro (bastava ter participado nas várias sessões em que o assunto se discutiu em Kyoto) que a proposta apresentada à votação não era consensual e que os comités (Nacionais e Internacionais) preferiam adiar a sua votação.

Museu numa destilaria de Sake – Kyoto, Japão

Eu concordo, devo desde já dizer, com o adiamento da votação. Não porque ache que a proposta é “ideológica”, com alguma agenda escondida (certamente ingenuidade minha), ou não concorde com a visão expressa naquele texto sobre o que os museus devem perseguir, mas sim porque o acho mais do que uma definição de “museu” e, assim sendo, é importante (na discussão de uma definição) não esquecer a definição de “definição”:

de·fi·ni·ção
(latim definitio, -onis)
substantivo feminino

  1. Explicação clara e breve.
  2. Decisão em matéria duvidosa.
  3. [Retórica] Exposição dos diversos lados pelos quais se pode encarar um assunto.
    “definição”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/defini%C3%A7%C3%A3o [consultado em 13-09-2019].

Ora de forma clara e breve, não é assim que se descreve o que é um museu. Não arrisco dar aqui, porque acho que é um trabalho que deve ser feito em equipa, com base em leituras várias (que reconheço não ter feito e que mesmo que tivesse, não arriscaria numa interpretação a solo), a ouvir os profissionais, mas também quem nos visita e utiliza os nossos recursos (sejam eles investigadores, escolas, visitantes, políticos, etc.) de uma forma aberta, sem receios injustificados e com um processo tão inclusivo quanto possível.

Não me interpretem mal. Eu acho que o processo que o ICOM seguiu teve os seus méritos e as suas falhas, mas perguntem aos vossos filhos, aos vossos familiares, a amigos que não trabalhem em museus, ao senhor do pão e ao mecânico, quantos deles ouviram sequer que discutimos, nos últimos tempos, o que é a definição de museu? Sou capaz de apostar que poucos saberão, mas posso estar errado. Não seria interessante chamar a sociedade a esta discussão? Não teríamos aqui uma oportunidade para que nos olhassem com maior atenção? Uma atenção que poderia dar frutos no futuro, sabendo as pessoas o que é, na realidade, um museu?

Para alguns, bem sei, esta é uma discussão técnica. Não deve ser tida fora daqueles que conhecem o museu no seu âmago, as suas entranhas e a indiscutível necessidade da sua existência como instituições permanentes que têm como maior propósito levar aos seguintes, o que os anteriores nos deixaram. Entre esses, como é óbvio, também eu estou, mas não posso esquecer nunca que o que nos deixaram os nossos antepassados pode, aliás deve sempre, permitir que questionemos o nosso passado e presente e, desta forma, abrir horizontes para um futuro melhor. Não utilizar as colecções dos museus para nos questionarmos, é negar o que grande parte dessa enorme herança significa em termos da construção da sociedade ocidental, democrática e plural.

Museu Nacional do Manga – Kyoto, Japão

Não arrisco, como disse atrás, uma nova definição, mas sei, com certeza, que museu quero para os mim e para os meus filhos. Quero um museu que me faça pensar, que me permita admirar, que me ajude a criar, que me faça chorar, que tenha locais para ler e conviver com amigos e família, que seja pro-activo e não reactivo, quero um museu aberto e inclusivo, quero um museu que me queira, que queira os meus e faça tudo o possível para os chamar a conhecer as colecções e a pensar com elas o passado e o presente.

Isto não tem nada a ver com a definição de museu. Tem a ver com aquilo que cada museu realmente é ou quer ser.

MBA em Gestão de Museus SP

MBA em Gestão de Museus SP

A Associação Brasileira de Gestão Cultural, a Universidade Cândido Mendes e a Expomus organizam, com o apoio do Museu da Imigração do Estado de São Paulo e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo o MBA em Gestão de Museus SP.

De acordo com a documentação sobre o curso que me foi enviada, este MBA é um curso de especialização em Museologia com foco curricular em Gestão e Comunicação de museus, que tem como propósito preencher a crescente lacuna deste campo profissional no mercado de trabalho, especificamente nas áreas de gestão, planeamento e sustentabilidade económica dos museus.

O curso pretende formar profissionais para “actuar de forma reflexiva e empreendedora no universo dos museus no Brasil, qualificando-os para exercer funções múltiplas na administração pública e privada, capacitando-os ainda para o aprimoramento e atualização junto aos universos técnicos e de conteúdos da museologia contemporânea, com ênfase na dinamização das instituições museológicas”.

Os organizadores justificam esta iniciativa com o elevado número de museus com a necessidade de preparar os profissionais de museus para os novos desafios que actualmente lhes são colocados nas áreas da comunicação, segurança, preservação, desenvolvimento de novas audiências, desempenho do seu papel social e como eixo fundamental do desenvolvimento local e regional nas mais diversas áreas económicas.

O MBA, como não poderia deixar de ser, é dirigido a profissionais de museus, estudantes com o objectivo de desenvolver carreira nesta área, outros profissionais na área do património cultural ou quaisquer outros interessados num curso que conta com uma estrutura curricular muito completa e bem organizada e com um quadro de professores com vasto conhecimento e experiência em diversos sectores da actividade museológica, entre os quais estará, a convite da organização, este vosso amigo (para destoar um bocadinho).

Museu da Imigração – São Paulo

O curso terá lugar em São Paulo, no (fabuloso) Museu da Imigração, o que impede grande parte dos meus amigos portugueses de participar, e tem as inscrições abertas neste momento para a turma de 2019/2020. A coordenação académica é da Kátia de Marco e a coordenação de conteúdos é da Maria Ignez Mantovani Franco, o que, por si, garante a elevada qualidade dos conteúdos e formação que se pretende oferecer neste MBA. Poderia falar melhor sobre o curso, mas a Maria Ignez trata disso com a clareza necessária no vídeo abaixo.

Imagino, do conhecimento que tenho da situação no Brasil, que o valor do MBA será um esforço significativo para muitos dos colegas brasileiros, mas diz-me a minha própria experiência, relativamente ao valor que me custou a minha pós-graduação em museologia, que o retorno, para quem gosta de trabalhar com/em/para museus é enorme. Mesmo sabendo que são em alturas e contextos diferentes, estou certo que acontecerá o mesmo neste caso face à qualidade da coordenação e dos professores.

Por último, não posso deixar de agradecer à organização do curso, especialmente à Maria Ignez, pela confiança depositada em mim, juntando-me a um conjunto de colegas e amigos cujo trabalho muito admiro e sigo com atenção.

Toda as informações sobre o curso podem ser encontradas neste site ou neste PDF.