Culture Fix

Culture Fix

O bom de receber um conjunto de listas de e-mails sobre museus, cultura e tecnologia é conhecer, por vezes, propostas bem interessantes. Os últimos dias tenho recebido muito boa informação por estes canais e tenho partilhado algumas coisas através do Facebook e Twitter, mas o Culture Fix merece uma atenção especial.

“Culture Fix” (ou seja Correção da Cultura ou também Cultura Fixa) é uma plataforma que nos permite a todos (sim, podemos também fazer submissões a partir deste velho rectângulo) enviar para a plataforma as mensagens e conteúdo que os museus e outras instituições do sector cultural, centralizando-as num único local, que ao mesmo tempo que as promove, e faz chegar a cada vez mais audiências, permite que as instituições possam utilizar ferramentas de doação (mais ou menos complicadas, já sabemos) para suportar estas instituições num tempo de quebra de receitas (de bilheteira ou outras).

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Culture Fix

O autor da ideia, Ash Mann, apresenta a ideia assim:

So there’s no doubt, we’re in a bit of a fix. All of us.

Arts charities are seeing a potentially devastating loss of admissions and ticket sales revenue alongside reduced donations.
Recent weeks have seen a mass of well-intentioned arts messaging, desperately trying to inform, encourage and console.

But with such torrential and competing content being broadcast through online channels, as well as the global noise and stress, there is a danger that much of this is rapidly becoming difficult to navigate, with useful information likely to be lost.

Can we fix this by having an easy-reference portal, with relevant routes to your cultural interests? We think we might, so we’ve built Culture Fix.

Here at Substrakt, we hope Culture Fix can also be a funding lifeline right now for arts and cultural organisations.

Sei que não podemos corrigir o actual estado das coisas. Sei também que serão tempos difíceis para o nosso sector, mas é nos tempos difíceis que temos que nos reinventar, criar modelos novos, não substitutos, porque as idas ao museu, ao teatro, ao cinema, às exposições, aos concertos e a todas as actividades culturais, mas sim alternativos que nos permitam ajudar e continuar a usufruir da qualidade e diversidade que a Cultura nos oferece!

Diz que disse e desdisse

Diz que disse e desdisse

Ora deixa cá ver. Desde que trabalho em/para Museus, já lá vão uns 20 anos, já tivemos IPPC, IPM, IMC e recentemente DGPC. Nas andanças do património cultural é necessário acrescentar o IPPAR, o IGESPAR, o IPA e julgo que um outro para o património subaquático, mas desculpem-me por não recordar o nome. Além destes institutos ainda tivemos, e o utilizar o passado não é engano, a Rede Portuguesa de Museus (RPM) como um organismo do Estado que certificava os museus. No mesmo tempo, para o caso Inglês (e poderei estar enganado, mas por favor corrijam-me) tivemos o Museum, Libraries and Archives Council e temos agora o Arts Council (desde há uns três anos, segundo me recordo).

Não querendo fazer qualquer tipo de comparação com a realidade inglesa, que sei ser bem distante da nossa, a minha questão é a seguinte: quando é que nos decidimos a parar com ideias de reformas administrativas e pensamos seriamente numa política e estratégia para o sector público dos museus portugueses?

Retrato oficial Castro Mendes

Ministro da Cultura

A questão é antiga e já foi colocada inúmeras vezes por diversos colegas. Recordo um texto mais recente do Luís Raposo sobre esta questão, mas podem consultar outros que ele escreveu aqui, ou então ler o da Isabel Roque aqui. No entanto, continuamos a ter anúncios como o que fez Luís Filipe Castro Mendes no Parlamento no passado dia 7 em que se anuncia um novo Instituto de Museus e Monumentos (IMM), desmentido, ou pelo menos adiado, pelo próprio nos dias seguintes, conforme noticia Lucinda Canelas no Público de dia 9, que demonstram, na minha opinião, uma navegação à vista que tem que ser criticada pelos profissionais de museus de forma aberta e franca.

A situação nos museus é péssima. Sentimos, desde há alguns anos, a ausência de recursos humanos e financeiros que possam colocar os museus nos mínimos aceitáveis para um país que se diz e quer evoluído. Mantemos um projecto importante como a RPM num estado vegetativo que não se compreende. Andamos a promover o nosso património e os museus como elementos chave para a promoção turística do país, mas na realidade não temos tratado uns e outros como activos importantes para aquele sector (e este ano, apesar do aumento orçamental, continuamos a arranjar formas de sonegar a realidade). Além disso somos brindados com notícias sobre o espartilhamento da coleção do Museu da Música, que será dividida por dois espaços, um em Lisboa e outro em Mafra, com o fraco argumento de uma suposta descentralização/desconcentração dos espaços culturais (como se entre Lisboa e Mafra se resolvesse a questão da ausência de museus nacionais) e da despesa da deslocação de toda a coleção para Mafra.

Este governo e os partidos que o apoiam tinham como obrigação (ver programa do Governo) tratar bem melhor o sector, mas sinceramente quem é que ainda acredita num programa de governo, não é? É um diz que disse e desdisse em continuidade.

A documentação e os “falsos”!

A documentação e os “falsos”!

A exposição “A Cidade Global: Lisboa no Renascimento” que há tempos teve a cerimónia de inauguração no Museu Nacional de Arte Antiga teve mais destaque na imprensa do que é habitual nas exposições em Portugal, mas infelizmente pelos piores motivos. A questão dos “falsos” quadros que estão na origem da realização da exposição após a identificação dos mesmos por Annemarie Jordan Gschwend e Kate Lowe como uma “uma vista da Rua Nova dos Mercadores, destruída pelo Terramoto de 1755“, não deveria ser, na minha opinião, a questão central! Mas como tem sido, falemos da sua relação com um tema que me é caro: a documentação em museus.

A argumentação dos “falsos”

Eu não tenho conhecimentos para entrar na discussão sobre a veracidade das obras em causa. Não sou historiador, nem historiador de arte e não tive qualquer acesso às fontes ou às obras para me pronunciar sobre as mesmas e, ainda que o tivesse, escusava-me por completo dessa tarefa. No entanto, gosto de uma boa troca de argumentos quando ela é séria e me apresenta factos ou elementos que sustentem cientificamente uma opinião.

A questão é levantada por Diogo Ramada Curto neste artigo no Expresso onde se interroga “Lisboa era uma cidade global?” utilizando a questão das pinturas para, em meu entender, ligar a produção da exposição a uma visão da História que glorifica o passado imperial e descarta uma outra visão, em que se insere, que se insurge contra uma narrativa que vê como colonialista e centrada no umbigo do mundo representada pela metrópole. Eu percebo a questão e a argumentação, ainda que não concorde, mas voltemos aos “falsos”.

Na mesma edição do Expresso, Miguel Cadete, Alexandra Carita e Hugo Franco, publicam um extenso artigo sobre o assunto onde apresentam os argumentos de DRC, acrescentando algum contexto e outros dados, sob o título “Museu de Arte Antiga abre as portas a obras suspeitas”. Título que dava, por si, um tratado sobre o tema que aqui me traz, mas que, por agora me suscita apenas o seguinte comentário: digam-me um museu, um apenas, que não abre a porta a obras suspeitas? Se não abrir deixa de cumprir uma parte do seu trabalho de análise e investigação da cultura material, não?

Após aquele texto, somos brindados com outro intitulado “Conservadores do Museu de Arte Antiga não se entendem“. No mesmo, imagine-se, alerta-nos o Expresso, pela voz de Miguel Cadete, que há dois conservadores do MNAA que não têm a mesma opinião sobre as obras! Imagine-se o pecado mortal de ter na mesma instituição, dois especialistas com opiniões diversas! Coisa inédita, bem sei! Mas ainda assim feliz e que me parece um bom sinal.

Para que se eliminassem todas as questões, e de acordo com o Expresso uma vez mais, são pedidos exames laboratoriais pelas palavras do próprio Ministro da Cultura (não percebo porque teria de ser ele a fazer esta declaração), seguidos de uma declaração do director do MNAA a indicar que a decisão ainda não tinha sido tomada por causa das devidas autorizações e questões técnicas associadas.

No Expresso ainda sai pouco tempo depois um texto de Ramada Curto sobre a forma como aborda a polémica e sobre a intenção de aproveitamento de uma exposição como instrumento político ao serviço de uma ideia que condena e que me parece nada ter a ver com a questão da autenticidade desta ou daquela obra, mas sim com uma visão mais genérica da questões (não era preciso criticar a autenticidade, para defender a sua tese sobre o tema). Um dia depois Fernando Baptista Pereira publica também este texto onde afirma categoricamente que “os quadros não são falsos!”.

Chegados ao dia da inauguração temos casa cheia e uma notícia no expresso sobre a “Lisboa Global”: Uma polémica local. Um título que diz tudo sobre as questões levantadas e sobre a forma irritadiça que a discussão tomou, ao contrário do que deveria ter acontecido. Afinal o debate, a diferença, a argumentação e contraditório deveriam sempre caber no Museu e na Academia, não é?

E agora em que ficamos?

Passada a polémica, poeira bem assente no chão, ânimos mais calmos, esperamos e temos a notícia do resultado dos exames a um dos quadros, O “Chafariz d’El Rey”, pertença de José Berardo, que confirmam a sua autenticidade e, segundo o Expresso, sabemos que o relatório diz o seguinte:

No que diz respeito à análise dos materiais constituintes e da forma como estes são aplicados esta obra terá sido executada muito provavelmente por pintor de influência ou naturalidade do norte da Europa a partir da 2ª metade do século XVI, época em que se verifica o uso generalizado do pigmento azul de esmalte e se começam a utilizar imprimaduras coradas

Confirma-se então que a hipotese avançada por Ramada Curto e João Alves Dias estavam erradas e que a autenticidade da pintura vai de encontro ao que as comissárias e o museu esperavam.

É aqui que entra a importância da documentação. Havia diversos elementos que nos poderiam confirmar a autenticidade do quadro (ou pelo menos apontar para ela) sem recorrer a exames, como podemos ler no texto de Fernando Baptista Pereira, mas estavam eles documentados pelo museu ou pelo proprietário? E das diversas investigações feitas pelas comissárias para o livro e, mais tarde, pela equipa do museu, que dados existem, onde estão registados, podemos chegar a eles de forma simples?

Continuamos a ter um enorme fosso entre a informação que existe (e é tratada nos museus pelas suas equipas técnicas) e o acesso que é dado a especialistas e público de uma forma geral. Para que esse fosso se esbata ou, mesmo, deixe de existir é necessária uma mudança nas políticas museológicas que reflicta as necessidades da sociedade actual. Essa mudança de políticas não pode ser vista de forma circunstancial ou imediata, mas sim pensada para o médio e longo prazo. O acesso a um conjunto significativo de informação dos museus na Holanda e Reino Unido, para citar dois bons exemplos agora muito louvados, não aconteceu da noite para o dia. Exige anos de trabalho e investimento na aquisição de competências e meios. Esta mudança não a vemos debatida no Expresso, infelizmente.

Documentação e os "Falsos" - Rua Nova dos Mercadores

Rua Nova dos Mercadores See page for author [Public domain], via Wikimedia Commons

Documentação e os "falsos" - o Chafariz d'el Rey

Chafariz d’El Rey By Anonymous Flemish [Public domain], via Wikimedia Commons

 

Cultura precária e cultura da precariedade – como sair daqui?

Cultura precária e cultura da precariedade – como sair daqui?

Amanhã retomo as voltas que costumo fazer pelos museus do país com quem trabalho. Serão três dias com colegas de diversos museus algarvios para falar sobre a documentação das colecções, o inventário, necessidades dos seus sistemas de informação, novas potencialidades, novos projectos, entre outros assuntos que sobre sistemas de informação dos museus que certamente serão tratados.

Estas minhas andanças têm se revelado, ao longo dos anos, uma excelente forma de tomar o pulso à situação dos museus e dos colegas que aí trabalham e permitem-me também construir uma espécie de indicador (nada científico) do estado da museologia portuguesa. Vejo-o como uma espécie de quadro geral sobre a saúde dos museus e, na minha cabeça, os diversos estados são representados por “smileys” ou “emojis” que vão do famoso contente, até ao zangado, passando por diversos estados.

Este indicador têm sofrido uma queda constante nos últimos anos. Recordo com saudade os idos anos da criação do IPM e da Rede Portuguesa de Museologia, da junção do IPM com o IPCR no IMC, da publicação da Lei-quadro de Museus e da sensação, penso que generalizada, que teríamos os instrumentos necessários para não voltar atrás e as condições para o desenvolvimento da museologia e museus portugueses. No entanto, e ao contrário da maior parte das previsões e vontade de muitos colegas, hoje estamos, no tal indíce, com um “emoji” completamente triste e deprimido. Então e como chegamos aqui? O que falhou? Onde falhamos?

Cultura da precariedade

Este texto foi motivado, devo dizer, pelo texto publicado no Facebook por Helena Miranda, uma colega que trabalha no Museu da Música há 10 anos e que mantém com o museu uma relação profissional de completa precariedade. Coloco aqui o texto para que o possam ler com os vossos olhos.

O testemunho de Helena Miranda, que tem sido partilhado por diversos colegas desde que foi publicado, é um de tantos que vou ouvindo, mas reafirma (no caso com uma boa dose de coragem que saúdo) a continuidade de uma situação que eu vivi no final dos anos 90 e que, desde então, se tem mantido em diversas entidades públicas, apesar dos contínuos anúncios de medidas por diversos responsáveis de diferentes governos que visam, segundo os próprios, dar dignidade ao sector e resolver de uma vez por todas esta matéria. Apesar dessas boas intenções, o resultado que temos agora é péssimo. Temos uma Rede Portuguesa de Museus que é inoperante, uma direcção geral de património que está asfixiada, uma Lei-quadro de museus que não é cumprida ou respeitada pelos diversos governos, museus que fecham, museus que não têm quadro de pessoal (ou que está todo a caminho da reforma sem a necessária renovação das equipas), museus que se mantêm abertos com o esforço de um, vá dois técnicos, descontinuidade de programas de proximidade com as comunidades, colecções sem as condições devidas, enfim… um conjunto de situações de que vou tomando conhecimento e que são motivo para a frustação e desmotivação que sinto entre os profissionais de museus.

Cultura precária

A manutenção desta situação e as consequências que daí advêm são fáceis de prever. Se continuarmos este jogo de empurrar com a barriga os diversos problemas do sector cultural e dos museus em particular, teremos, num futuro não muito distante, deixado um legado miserável a quem nos suceder. É mais do que tempo de deixar para trás a situação de Cultura precária em que nos temos vindo a afundar e aproveitar uma das melhores e mais bem formadas gerações de profissionais na área dos museus, com provas dadas a nível internacional, dando-lhes a oportunidade de contribuir activamente para o desenvolvimento dos museus no nosso país.

Tenho a certeza que são muitos os profissionais de museus com qualificações para levar por diante esta tarefa de retomar o bom caminho, mas para tal é necessária uma verdadeira vontade e um compromisso sério por parte dos responsáveis políticos do sector.

Um compromisso que veja a cultura e os museus não apenas através da quantificação dos visitantes aos museus, mas como um investimento que dá retorno através do turismo, que veja a importante ligação entre museus e escolas, onde os primeiros devem ser encarados como lugares de complementariedade dos programas escolares, que veja os museus como um fórum de discussão e debate participativo e não como instrumento político de propaganda, que veja no museu um papel activo na transformação da sociedade actual e não meramente o espelho do seu passado “glorioso”, enfim um compromisso que permita deixar para o futuro uma situação condicente com os excelentes profissionais que temos.

Nos próximos dias terei certamente a oportunidade de falar sobre este e outros assuntos com vários colegas algarvios, mas acho que é necessário criar as condições para que a nossa voz e a voz das associações que nos representam voltem a ser atentamente ouvidas. Algumas destas questões têm sido levantadas pelo ICOM Portugal nos locais próprios, mas a sensação é que os interlocutores têm “ouvidos de mercador”. Como tal é importante que todos possam contibuir para discutir estes assuntos e, em breve, teremos uma assembleia geral do ICOM Portugal onde estes assuntos podem e devem ser discutidos amplamente. Acho que seria uma excelente oportunidade para tentar colocar estes problemas na agenda mediática.

Atenas e novos perfis de trabalho nos museus

Atenas e novos perfis de trabalho nos museus

Voltar a Atenas é um privilégio. Voltar a Atenas numa data em que os gregos decidiam o seu futuro como nação é uma oportunidade única e imperdível, por isso, devo confessar, estive em alerta durante a semana anterior à viagem para certificar que não ficaria em terra por overbooking, greves e demais problemas que as companhias aéreas costumeiramente nos levantam.

A viagem aconteceu, como calculam, há já algum tempo, mas só agora consegui tempo e disponibilidade para vos contar. A motivação foi profissional, tem sido quase sempre, mas já meti na cabeça que a próxima ida à Grécia, espero que com Atenas pelo meio, seja em férias para que possa aproveitar aquele mar e praias fabulosas que o amigo Ika tem postado frequentemente no Facebook. A motivação profissional prende-se com um convite que me foi endereçado pela Mapa das Ideias, há uns tempos atrás, que em boa hora aceitei, para participar no “advisory board” de um projecto europeu que tinha como propósito definir perfis de competência para as novas profissões que a ligação entre a Cultura e o Digital está a criar.

eCultSkills

O projecto designa-se eCult Skills, é um projecto co-financiado pela União Europeia, de transferência de inovação que procurou, através da investigação em 6 países europeus, empregos novos e emergentes que envolvam a utilização de tecnologia na área cultural para definir novos perfis profissionais que pudessem ser aplicados no contexto nacional e europeu tendo como perspectiva a integração deste novo tipo de profissões no contexto dos objectivos definidos pela União para 2020. O projecto é apresentado pelos responsáveis da seguinte forma:

Culture Industry development policies need to place strategic goals of a broader context, seeking enhanced quality of service that will enforce the existing workforce and eventually attract young people to the profession. In addition, European Training systems have to adapt and to anticipate actual and future employment opportunities in Cultural Jobs as they will represent an important and growing number of jobs over the coming years. In parallel, the use of ICT for access to cultural heritage is a societal demand supported by European policy makers. Existing professional and new recruits need to acquire ICT skills and attitudes of the ideal eCulture professional such as the abilities to be creative, versatile, able to manage digital knowledge, quality and excellence, technical and humanistic training. Thus Culture Jobs need to be enhanced with eSkills to become eCulture Jobs.

O resultado do projecto são os perfis de especialistas no sector cultural e as linhas orientadoras para a formação de profissionais nestes perfis que permitirão, no contexto europeu, a definição de programas de formação, comparação de currículos e de competências profissionais para processos de contratação nas entidades deste sector. Uns e outros resultados podem ser encontrados na página dos resultados do projecto e estão disponíveis em diversas línguas.

Estes resultados foram apresentados na reunião final do projecto, em formato de conferência internacional, onde também foram discutidos, de forma bem alargada por diversos profissionais do sector, os desafios digitais que se colocam actualmente aos profissionais de museus. O tema da conferência era “Digital Challenges for Museum Experts” e o programa, apesar de muito extenso para o pouco tempo, foi muito interessante e estimulou um conjunto de tópicos de discussão muito relevantes relativamente à indefinição que se sente existir sobre a aplicação da tecnologia (que tecnologia, quando aplicar, que papel deve ter nas instituições, que competências são necessários, etc.) no sector cultural.

Eu tive o prazer de apresentar (e depois discutir) uma comunicação intitulada “Museum Documentation: New Skills for a Digital World” e de presidir a uma mesa que discutia novas tendências e desafios nas competências necessárias para a cultura face ao desenvolvimento tecnológico. Numa e outra oportunidade a experiência foi muito enriquecedora e permitiu confirmar e conhecer desafios emergentes colocados, principalmente, pela definição do papel da tecnologia nas instituições, ou seja, a velha discussão sobre a visão da tecnologia como um instrumento e não um fim em si mesmo. Fiquei com a ideia que a primeira está, felizmente, a ganhar cada vez mais terreno!

Julgo que a organização ficou bem contente com os resultados da conferência. O nível de participação foi muito alto e, como poderão ver pelas caras de algumas das fotos, julgo que a satisfação dos participantes também foi alta.

O Museu da Acrópole

Selfie em Atenas

Selfie com as meninas Atenienses

Além da conferência tive, desta vez, a oportunidade de visitar o Museu da Acrópole que ainda estava em construção (ou em projecto) da última vez que visitei Atenas. O museu tem uma ligação espacial com a Acrópole que é muito bem conseguida. Em qualquer momento vemos o local de origem das peças que temos à nossa frente e quando isso não acontece, damos alguns passos e temos essa sensação de pertença. A parte em que me emocionei (gosto sempre de me emocionar num museu) foi quando estive ao lado das Cariátides (do Erecteion) que quase me fizeram chumbar numa oral de História de Arte por ter a pior memória do mundo para nomes (este nunca mais esqueci)! Tirei uma selfie para mais tarde recordar e partilho-a com vocês agora!

Embora tivesse gostado muito do museu, da organização da exposição (um pouco caótica, mas interessante) e de algumas soluções de museografia, não gostei nada, mesmo nada, da ausência de informação nas tabelas de cada objecto. Apenas continham nome, data, local de origem e pouco mais… muito pouco para quem, como eu, tem um conhecimento mínimo do contexto e história do local.

Uma nota final para três coisas: pessoas, comida e bebida! Cada vez mais fã da gastronomia grega e fã, por completo, do bom vinho que por lá se bebe. As pessoas, já o sabia, são determinadas, trabalhadoras, inteligentes e merecedoras do nosso apoio… não é por culpa do povo Grego que o país está naquela situação!

Brasil – Um retorno sempre feliz

Brasil – Um retorno sempre feliz

A máxima, completamente inútil, que nos diz que não devemos voltar a um lugar onde já fomos felizes é absurda! Não o fazer é exactamente o mesmo que não comer uns ovos moles em Aveiro, com medo que não nos saibam exactamente como os que provamos pela primeira vez, ou seja, é ridículo.

Esta foi já a quarta visita que tive oportunidade de fazer ao Brasil. A primeira, é justo dizê-lo, foi a melhor. Estava de férias a celebrar um dos momentos mais felizes da vida pessoal! As restantes foram todas a trabalho, no entanto, permitiram-me descobrir um novo mundo, conhecer novos amigos, ver uma realidade diferente, aprender… É isso mesmo, aprender é o que tenho tido a oportunidade de fazer nestas minhas idas ao Brasil.

A última decorreu no final do mês passado e príncipio deste e possibilitou um novo pin nas cidades visitadas: Goiânia, capital do estado de Goiás, ali a a 200 km de Brasília. Uma cidade pequena no Planalto Central brasileiro com “apenas” um milhão e meio de habitantes onde tive a oportunidade de conhecer um pouco do imenso trabalho que uma Universidade local está a realizar no âmbito da reorganização dos seus museus. A visita foi curta, mas muito interessante porque percebi algo que depois confirmaria durante a restante semana e meio de trabalho: uma preocupação imensa com a gestão das colecções e com a sua segurança e salvaguarda, reflectida num investimento sério nos equipamentos que as permitem.

Pormenor da reserva técnica

Imagem: Reserva Técnica do Museu Antropológico da UFG

Vista do Rio de Janeiro

Cidade Maravilhosa

A segunda paragem foi na Cidade Maravilhosa: Rio de Janeiro! O programa incluía uma paragem na UNIRIO¹, para uma palestra no mais antigo curso de Museologia do país (uma honra e um prazer para este vosso amigo), e a participação no seminário do COMCOL Brasil sobre Gestão e Desenvolvimento de Colecções. Sobre este evento escrevi um texto que será publicado no próximo boletim do ICOM Portugal (colocarei aqui o link assim que tiver sido publicado) e não me alongarei mais do que o necessário para dizer que foi interessante ao ponto de me ter decidido a mudar a segunda filiação nos comités internacionais do ICOM para o COMCOL. Já sobre a palestra, ou aula, na UNIRIO gostaria de referir uma ou duas coisas.

A museologia no Brasil teve nos últimos anos um desenvolvimento assombroso. Há um investimento forte na formação nesta área e têm surgido diversos cursos (licenciaturas, bacharelatos, mestrados e mais recentemente doutoramentos), acompanhando, de resto, um investimento notório na criação de novos museus, na restruturação de museus existentes ou mesmo na definiçãode políticas para os museus e colecções, por parte dos organismos federais, estaduais e municipais responsáveis. Desse investimento resultou, ou está a resultar, uma comunidade de profissionais de museus muito capaz, com formação técnica elevada, com acesso à profissão em diversos museus ou projectos de museus (ao contrário do que acontece por cá) e, em boa parte, com apoios para a participação em fóruns de discussão internacionais das mais diversas áreas envolvidas na profissão. Este desenvolvimento, como é óbvio, não resolve ou resolveu todos os problemas da comunidade museológica brasileira. No entanto, quando nos sentamos numa sala com 30 pessoas (professores, alunos, colegas de museus, etc.) a conversar sobre os desafios que os museus enfrentam na gestão e documentação das suas colecções, é fácil perceber as vantagens que o investimento trouxe para os museus no Brasil e também facilita prever um futuro muito risonho para o sector, mesmo tendo em conta as dificuldades que o país atravessa agora.

Além destes pontos positivos, muito relevantes na minha opinião, percebi também alguns pontos em comum com a realidade portuguesa. Um deles, se calhar o mais óbvio, é a utilização da “crise” como desculpa para limitar ou mesmo eliminar o investimento que estava a ser feito no sector.

No final deste encontro na UNIRIO, antes de um “happy hour” no Sofitel em Copacabana e de um jantar de amigos no restaurante Majorica (aconselho vivamente), anotei no meu caderno de viagem: “muito interessante o que me falaram sobre a realidade dos museus brasileiros. Seria muito interessante discutir, no âmbito da CPLP e comités nacionais do ICOM desses países, o que nos preocupa, une e afasta. Será que poderíamos concertar esforços para pressionar o ICOM internacional nos nossos interesses comuns, por exemplo?”

Vista de São Paulo e do Parque Ibirapuera

São Paulo

O restante tempo desta viagem ao Brasil foi passado em São Paulo em trabalho imersivo e intenso, sobre o qual falarei com mais detalhe no futuro, com amigos e colegas do Museu da Imigração, do Museu da Casa Brasileira e da Pinacoteca.

Destes três museus só conhecia a Pinacoteca (Pina para os amigos) e já tinha falado sobre este impressionante museu de São Paulo aqui, mas desta vez tive a oportunidade de conhecer um pouco mais e perceber a enorme e competente equipa que o museu tem. Um privilégio devo dizer.

Na última visita tinha marcado como coisas para fazer a visita ao Museu da Imigração, mas na visita que tive a oportunidade de fazer agora, percebi porque não o fiz. É um museu mais deslocado do centro, na zona leste de São Paulo, com um acesso mais complicado porque fica numa rua que é interrompida a meio pela ferrovia. O táxi que me levou lá demorou quase uma hora a encontrar o museu, mas devo dizer que entramos na rua do Museu, do lado errado da ferrovia, passado 20 minutos de sair do hotel 🙂

Apenas queria deixar uma nota sobre o museu: este é um dos poucos museus que São Paulo não pode dispensar nunca. É uma cidade que é construída por diversas vagas de imigração ao longo dos séculos e por isso é mais do que necessária a existência de um museu que tem a seguinte missão:

Promover o conhecimento e a reflexão sobre as migrações humanas, numa perspectiva que privilegie a preservação, comunicação e expressão do patrimônio cultural das várias nacionalidades e etnias que contribuem para a diversidade da formação social brasileira.

O Museu da Casa Brasileira explora as temáticas da arquitectura e design. É casa de um dos mais reputados prémios de design no Brasil, o Prémio Design MCB. Está neste momento instalado numa antiga residência de Fábio da Silva Prado, antigo Prefeito de São Paulo, situada numa zona de ampliação da cidade decorrida na primeira metade do século XX na zona do Rio Pinheiros. É um museu onde conseguimos ter uma visão sobre a história da casa brasileira, do design e, ao mesmo tempo, de uma parte muito interessante da história de São Paulo. Aconselho vivamente a visita.

Em cada um destes museus tive a oportunidade de aprender muito sobre a história de São Paulo e do Brasil. Como disse acima, estas viagens têm sido momentos muito interessantes de aprendizagem e partilha. Fazem-me sempre pensar nas razões que nos levam a esquecer de ensinar e estudar a História do Brasil após a declaração de independência e no quão útil seria a ambos países uma maior partilha sobre a nossa raiz cultural comum.

Queria, por fim, deixar uma recomendação para quando visitarem São Paulo. Não deixem de ir assistir a um concerto à Sala São Paulo. Eu já o queria ter feito noutra altura, mas não consegui. Desta vez tive a oportunidade de assistir a um concerto da orquesta residente e de comprovar a beleza visual e a impressionante acústica de uma das melhores salas de música do mundo.

Sala São Paulo

Sala São Paulo


1 Um especial agradecimento ao Gabriel Bevilacqua Moore, colega do CIDOC e à Elizabete Mendonça, professora na UNIRIO pelo convite.