O Sequeira já cá canta

O Sequeira já cá canta

São boas novas as que me trazem de volta aqui. O Museu Nacional de Arte Antiga cumpriu o objectivo de angariar, recorrendo a um bom programa de crowdfunding, o valor que lhe permite comprar a “Adoração dos Magos”do pintor Domingos Sequeira e incorporar uma obra que, segundo o próprio MNAA, é fundamental para a sua colecção.

 

Domingos_Sequeira_Adoracaoo_dos_Magos

Domingos Sequeira [Public domain], via Wikimedia Commons

Embora conheça outros casos que recorreram ao mesmo instrumento (recordo a aquisição pelo Associação de Amigos do Museu de Aveiro de uma pintura de Santa Joana recentemente), este caso teve uma exposição pública maior, graças ao peso do MNAA e da obra que agora passa a ser património de todos nós, suportada por uma parceria exemplar entre o museu e o jornal Público que promoveu a iniciativa, a meu ver, de forma exemplar.

É portanto tempo de dar os parabéns à direcção do museu e a todos os que contribuiram para concretizar este projecto, mas sem nunca esquecer que este tipo de iniciativas, muito meritórias sem qualquer dúvida, não podem substituir o papel do Estado na dotação financeira dos museus que lhes permita ter, de forma continuada, uma política coerente de desenvolvimento das suas colecções.

Haverá, certamente, muitos contibuintes para os quais o dinheiro gasto na cultura seja um desperdício, mas há também muitos contribuintes, entre os quais este vosso amigo, que acreditam que é nosso dever, enquanto sociedade, salvaguardar a nossa memória colectiva (nos bons e maus momentos). Para o fazer é necessário investir em dois sectores fundamentais: educação e cultura. Ficar agradecido por esta manifestação de cidadania, como ontem ouvi da parte do novo Ministro da Cultura, é sinal de boa educação, mas seria muito melhor que nos agradecessem dotando os museus portugueses com orçamentos sérios.

Atenas e novos perfis de trabalho nos museus

Atenas e novos perfis de trabalho nos museus

Voltar a Atenas é um privilégio. Voltar a Atenas numa data em que os gregos decidiam o seu futuro como nação é uma oportunidade única e imperdível, por isso, devo confessar, estive em alerta durante a semana anterior à viagem para certificar que não ficaria em terra por overbooking, greves e demais problemas que as companhias aéreas costumeiramente nos levantam.

A viagem aconteceu, como calculam, há já algum tempo, mas só agora consegui tempo e disponibilidade para vos contar. A motivação foi profissional, tem sido quase sempre, mas já meti na cabeça que a próxima ida à Grécia, espero que com Atenas pelo meio, seja em férias para que possa aproveitar aquele mar e praias fabulosas que o amigo Ika tem postado frequentemente no Facebook. A motivação profissional prende-se com um convite que me foi endereçado pela Mapa das Ideias, há uns tempos atrás, que em boa hora aceitei, para participar no “advisory board” de um projecto europeu que tinha como propósito definir perfis de competência para as novas profissões que a ligação entre a Cultura e o Digital está a criar.

eCultSkills

O projecto designa-se eCult Skills, é um projecto co-financiado pela União Europeia, de transferência de inovação que procurou, através da investigação em 6 países europeus, empregos novos e emergentes que envolvam a utilização de tecnologia na área cultural para definir novos perfis profissionais que pudessem ser aplicados no contexto nacional e europeu tendo como perspectiva a integração deste novo tipo de profissões no contexto dos objectivos definidos pela União para 2020. O projecto é apresentado pelos responsáveis da seguinte forma:

Culture Industry development policies need to place strategic goals of a broader context, seeking enhanced quality of service that will enforce the existing workforce and eventually attract young people to the profession. In addition, European Training systems have to adapt and to anticipate actual and future employment opportunities in Cultural Jobs as they will represent an important and growing number of jobs over the coming years. In parallel, the use of ICT for access to cultural heritage is a societal demand supported by European policy makers. Existing professional and new recruits need to acquire ICT skills and attitudes of the ideal eCulture professional such as the abilities to be creative, versatile, able to manage digital knowledge, quality and excellence, technical and humanistic training. Thus Culture Jobs need to be enhanced with eSkills to become eCulture Jobs.

O resultado do projecto são os perfis de especialistas no sector cultural e as linhas orientadoras para a formação de profissionais nestes perfis que permitirão, no contexto europeu, a definição de programas de formação, comparação de currículos e de competências profissionais para processos de contratação nas entidades deste sector. Uns e outros resultados podem ser encontrados na página dos resultados do projecto e estão disponíveis em diversas línguas.

Estes resultados foram apresentados na reunião final do projecto, em formato de conferência internacional, onde também foram discutidos, de forma bem alargada por diversos profissionais do sector, os desafios digitais que se colocam actualmente aos profissionais de museus. O tema da conferência era “Digital Challenges for Museum Experts” e o programa, apesar de muito extenso para o pouco tempo, foi muito interessante e estimulou um conjunto de tópicos de discussão muito relevantes relativamente à indefinição que se sente existir sobre a aplicação da tecnologia (que tecnologia, quando aplicar, que papel deve ter nas instituições, que competências são necessários, etc.) no sector cultural.

Eu tive o prazer de apresentar (e depois discutir) uma comunicação intitulada “Museum Documentation: New Skills for a Digital World” e de presidir a uma mesa que discutia novas tendências e desafios nas competências necessárias para a cultura face ao desenvolvimento tecnológico. Numa e outra oportunidade a experiência foi muito enriquecedora e permitiu confirmar e conhecer desafios emergentes colocados, principalmente, pela definição do papel da tecnologia nas instituições, ou seja, a velha discussão sobre a visão da tecnologia como um instrumento e não um fim em si mesmo. Fiquei com a ideia que a primeira está, felizmente, a ganhar cada vez mais terreno!

Julgo que a organização ficou bem contente com os resultados da conferência. O nível de participação foi muito alto e, como poderão ver pelas caras de algumas das fotos, julgo que a satisfação dos participantes também foi alta.

O Museu da Acrópole

Selfie em Atenas

Selfie com as meninas Atenienses

Além da conferência tive, desta vez, a oportunidade de visitar o Museu da Acrópole que ainda estava em construção (ou em projecto) da última vez que visitei Atenas. O museu tem uma ligação espacial com a Acrópole que é muito bem conseguida. Em qualquer momento vemos o local de origem das peças que temos à nossa frente e quando isso não acontece, damos alguns passos e temos essa sensação de pertença. A parte em que me emocionei (gosto sempre de me emocionar num museu) foi quando estive ao lado das Cariátides (do Erecteion) que quase me fizeram chumbar numa oral de História de Arte por ter a pior memória do mundo para nomes (este nunca mais esqueci)! Tirei uma selfie para mais tarde recordar e partilho-a com vocês agora!

Embora tivesse gostado muito do museu, da organização da exposição (um pouco caótica, mas interessante) e de algumas soluções de museografia, não gostei nada, mesmo nada, da ausência de informação nas tabelas de cada objecto. Apenas continham nome, data, local de origem e pouco mais… muito pouco para quem, como eu, tem um conhecimento mínimo do contexto e história do local.

Uma nota final para três coisas: pessoas, comida e bebida! Cada vez mais fã da gastronomia grega e fã, por completo, do bom vinho que por lá se bebe. As pessoas, já o sabia, são determinadas, trabalhadoras, inteligentes e merecedoras do nosso apoio… não é por culpa do povo Grego que o país está naquela situação!

MUX.2015 – Universidade de Aveiro

MUX.2015 – Universidade de Aveiro

Um excelente dia de trabalho e partilha com colegas da Universidade de Aveiro (e de outros locais) começou de forma excelente com a apresentação do Sam Brenner sobre o trabalho que o Cooper Hewitt desenvolveu, enquanto se encontrava encerrado ao público para obras, para conceber uma nova experiência na visita ao museu que permitisse uma exploração da colecção de forma imersiva e sem grandes distrações.

A “New Cooper Hewitt Experience” é apresentada assim no site do do museu:

Explore the digitized collection on large touchscreen tables; draw your own wallpaper designs in the Immersion Room; solve real-world design problems in the Process Lab; discover how the Carnegie Mansion worked as house; and understand how donors have influenced the museum’s collection over the last 100 years.

“Play designer” on 4K resolution touchscreen tables, developed by Ideum, and feature specialized interactive software designed by Local Projects. The 84-, 55-, and 32-inch tables use projected capacitive touch technology – the same technology found in popular tablets and smart phones. The ultra-high-definition resolution allows you to zoom in on objects to see minute details like never before.

The Collection Browser is available on seven tables installed throughout all floors of the museum, giving you access to thousands of objects in the museum’s collection, including those currently on view in the galleries. The largest tables allow up to six visitors to simultaneously explore high resolution images of collection objects, select items from the “object river” that flows down the center of each table, zoom in on object details, learn about its history, and related objects organized by design theme and motif. You can also draw a shape that will bring up a related collection object, or try their hand at drawing simple three-dimensional forms.

In the Hewitt Sisters Collect exhibition on the second floor, the People Browser application, focuses on the relationship between donors and objects in the collection. You can navigate by donor, read biographical details and learn about how objects were collected in the early 20th century.

Another screen on the second floor reveals the history of the Carnegie Mansion before it became the Cooper Hewitt. You can navigate the Mansion History application using the original floor plan of the building and browse through architectural details, original fittings and fixtures, and the quirks of the mansion’s original residents.

Esta nova experiência tem como aparelho de eleição uma “pen” que permite criar (através da interacção com os dispositivos do museu) e coleccionar os objectos que mais interessam a cada visitante. O conceito é, na minha opinião, fabuloso (e dispendioso também segundo uns cálculos simples que fiz) e representa o que de melhor se pode fazer na ligação do visitante com a colecção física e virtual (ou online se preferirem). Melhor do que poderei dizer para falar sobre esta nova experiência no Cooper Hewitt, vejam os seguintes vídeos e digam de vossa justiça.

https://vimeo.com/121152071

É tão “cool” não é? (mesmo sabendo das críticas que se podem fazer). Mas vejam lá este sobre o conceito da “pen” de que vos falei acima.

Levante a mão quem quiser dar um salto à 5ª Avenida e trocar o Guggenheim por uma tarde no Cooper Hewitt!

Além deste interessante projecto (já concretizado) os resultados do trabalho desenvolvido até agora pelo projecto CIDES.PT, com um interessante produto, apresentado pelo Vasco Branco, para explorar virtualmente as colecções de design português, que têm vindo a ser exploradas como tema principal através de diversas abordagens (museologia, design, museografia, etc.) também apresentadas na conferência pelos diferentes investigadores do projecto (um especial destaque para a apresentação do Gonçalo Gomes intitulada “Uma História Participada do Design Português: o contributo das tecnologias sociais.” com uma abordagem muito interessante sobre o papel dos media sociais num projecto de investigação que irei reter para futuro) e o excelente trabalho em curso nos serviços de documentação e museologia da UA com a documentação das colecções da Universidade fizeram com que o dia de ontem tenha sido de aprendizagem constante!

Um enorme obrigado à organização (abraço Rui e Cristina)! Hoje não pude ir, mas certamente vou arrepender-me!

Aprender com os Alemães!?

Aprender com os Alemães!?

Acabo de ler um interessante artigo do Pacheco Pereira no Público sobre políticas de colecções, mais especificamente sobre o desenvolvimento das colecções públicas (leia-se de um museu público) que representarão, a médio e longo prazo, o momento social e político vivido em Portugal nos últimos anos.

A propósito de duas exposições (uma sobre a RAF e outra sobre como “ensinar as crianças a protestarem e a reivindicar pelas causas em que acreditam, e sobre os direitos que protegem esse protesto.”), com um discurso bem interessante e interessado, dado que é um coleccionador de materiais semelhantes aos que figuram nas iniciativas do museu alemão, Pacheco Pereira pergunta (em palavras minhas, claro): porque não aprendemos com os Alemães a guardar a evidência material da nossa história actual? Porque é que as nossas instituições não guardam os materiais que se produzem actualmente e serão(?), no futuro, uma amostra dos nossos tempos?

Coloquem-se os meus amigos na posição, de resto bem interessante, que cita Pacheco Pereira no seu texto. Daqui a 20 ou 30 anos quando quisermos fazer uma exposição sobre os tempos da “Troika” em Portugal, temos “… sem dúvida milhares de fotos, mas [teremos] os panfletos distribuídos e os cartazes?” Os que se relacionam, como refere Pacheco Pereira, às manifestações que ocorreram nos últimos anos? Que outros objectos poderíamos querer nessa altura? Bilhetes de avião, malas e e-mails de emigrantes? Umas conversas entre mãe e filho pelo Skype? E a arte que se produz nestes tempos de crise? Que obras devemos guardar? Quais serão as mais representativas? Se tivessem de fazer essa exposição agora qual(is) o(s) objecto(s) que não dispensariam? Qual o objeto que melhor representa a crise dos últimos anos para vocês?

Alguém é capaz de responder com uma certeza firme? Convicto que será mesmo esse o objecto? A mala de cartão representa melhor a emigração dos anos 60 e 70 do que qualquer outro objecto? Uma G3 representa melhor o nosso exército do que a espada de Afonse Henriques? E se sim, porque escolhemos uns objectos em detrimento de outros?

Imagino que não se possa ou queira guardar tudo!

No artigo Pacheco Pereira menciona o exemplo de vários museus alemães, com base nas exposições citadas, indicando-os como cumpridores de uma “tarefa de preservação da memória colectiva mais contemporânea” algo que ainda segundo o autor é “muito desprezado no Portugal de hoje”. Até poderia concordar com a afirmação, mas, no entanto, questiono primeiro se terão sido os museus alemães a guardar aquele material (até podem ter sido, mas ainda assim pergunto) ou se, por outro lado, não terão sido pessoas como Pacheco Pereira a fazê-lo, entregando-os depois aos museus. Em segundo lugar questiono qual a política de desenvolvimento de colecções que deveríamos ter (ou se deveríamos ter uma sequer) para guardar a evidência material dos nossos dias para os que nos seguirão. Será que os museus alemães têm instituído uma política para guardar a memória da sociedade alemã actual?

Eu julgo que mais do que guardar estas evidências, poderíamos aprender com os alemães (já agora com os ingleses também) alguma coisa sobre discutir alguns assuntos controversos de forma mais distanciada (veja-se o exemplo da exposição da RAF, comparativamente à discussão acessa sobre o possível Museu Salazar em Santa Comba Dão – aqui e aqui, por exemplo). A forma como daqui a 20 ou 30 anos se exporá o tempo que vivemos, eu, que sou um verdadeiro optimista, deixaria ao cuidado de quem tiver essa responsabilidade na altura.

Autor desconhecido, s/ título, algures em algum lado nos meados do século XIX

Autor desconhecido, s/ título, algures em algum lado nos meados do século XIX

Recorrentemente voltamos às questões da comunicação dos Museus (sobre as colecções) com as suas audiências. Seja a comunicação dentro de portas,  seja a comunicação com o exterior, física ou virtual (certamente teremos em breve de rever um pouco estes conceitos), o Museu tem assumido, fruto de diversas circunstâncias, o papel de replicador das disciplinas que sustentam a investigação sobre as suas colecções (arte, história, zoologia, botânica, etc.) na forma e conteúdo utilizados para a comunicação das colecções.

É um tema que tem suscitado, ainda que por motivos diferentes, textos muito interessantes da Maria Isabel Roque (aqui e aqui) e da Maria Vlachou (aproveito para destacar este a propósito do livro com as conversas entre Martin Gayford e Philippe de Montebello) e que me é particularmente caro, porque frequentemente estou nos dois lados da barricada: o de quem prepara a documentação sobre as colecções (que deveria sustentar a sua comunicação) e o de quem vai ao museu e procura conhecimento, admiração, reflexão, supresa, etc.

Esta dupla perspectiva é, devo assumir, uma chatice para quem me acompanha. Passo a explicar. Cada vez que visito um museu e vejo informação sobre as colecções, em folhetos, tabelas, etiquetas, folhas de sala, meios multimédia, aplicações, ou outro qualquer meio, o meu primeiro pensamento vai para as circunstâncias da criação, organização e publicação da informação que tenho disponível. Imaginam vocês o que acontece a quem vai a meu lado, quando começo a falar sobre a dificuldade que existe na sistematização dos dados nos museus, a qual é possível identificar, quase sempre, comparando informação básica, por exemplo medidas, ou datas, de dois objectos colocados numa mesma sala. Sim é isso mesmo… um sonoro bocejo!

Quando me apercebo do bocejar da companhia, o que acontece normalmente logo a seguir, tento desligar-me da “visão deturpada” pelos interesses profissionais e académicos (acreditem que é complicado) e procuro contexto, ou seja, e como bem diz a Maria Vlachou, estou “… à procura de algo que possa ter significado para nós, algo que possa deliciar-nos, surpreender-nos, fazer-nos sentir bem ou mais ricos ou mais conscientes de nós mesmos e do mundo”. Procuro retomar o momento em que vi, pela primeira vez, uma pedra lunar na exposição “A Aventura Humana” (apresentada, em 1988, no Museu Nacional de Etnologia) e pensei, na inconsciência própria da idade, “se conseguimos ir à lua, conseguiremos fazer tudo! Isto só tem como correr bem daqui para a frente!”

Devo dizer, antes de mais, que nem tudo depende da informação que o Museu dá a quem o frequenta. Não tenho a certeza se aquela pedra lunar teria mais alguma explicação para além do seu nome e proveniência (se bem me recordo tinha também informação sobre o seu proprietário), mas o projecto da exploração lunar  e as séries e filmes de ficção científica (Espaço 1999, Galactica, Guerra das Estrelas, etc.) exerciam, nos anos 80, um fascínio brutal sobre a nossa imaginação e aquela pedra aproximou-me do meu sonho de me tornar num explorador do espaço ou de ser o primeiro espinhense a cursar a academia dos Jedi. No entanto, quantas vezes é que este tipo de situações acontece? Quantas outras não ficamos desiludidos perante um objecto, por não termos o conhecimento, informação, contexto (ou até imaginação) necessários para nos maravilharmos?

Pode o Museu ficar descansado quanto a esta questão?

A resposta é óbvia. Não pode! Mas não é verdade que parece estar descansado? Não continuamos a ver, salvo muito honrosas e boas excepções, um conjunto de informação que não é muito mais do que autor, data de execução, técnicas, dimensões e origem? Não faz muito tempo que visitei uma exposição de um autor que me era (ainda é) completamente desconhecido, mas em nenhum local na exposição encontrei sequer a uma referência sobre a vida (reparem que não disse apenas percurso artístico, disse vida) daquela pessoa e em cada objecto que a exposição me mostrava (impecavelmente exposto), não tinha mais do que técnica, data e título (muitas vezes s/ título). Esteticamente foi um exercício agradável, mas não me fez pensar em mais nada, não acrescentou em mim nada sobre o autor ou sobre a sua obra, não me cativou a procurar mais. Se me tivessem dado um pouco de contexto sobre o autor e a obra (preferindo eu factos em vez de uma avaliação subjectiva da sua obra e vida, devo confessar), não seria mais fácil a aproximação pretendida com a exposição pública dos objectos? Eu, e pelo que li, a Maria Isabel Roque e a Maria Vlachou, concordamos que sim, no entanto, a(s) forma(s) utilizada(s) pelo Museu para o fazer é que são o verdadeiro desafio.

Desde logo, reafirmando as palavras da Maria Isabel Roque, julgo que “… urge uma reflexão crítica e teoricamente fundamentada acerca da informação pertinente e adequada, bem como acerca do papel inevitável dos recursos da informação digital, dentro e fora do espaço museológico” e acrescento que esta reflexão crítica terá que ser acompanhada com uma mudança urgente da prática e das políticas ou estratégias que a sustentam. Deixo então alguns pontos que poderiam, na minha opinião, contribuir para essa mudança:

  • Definir e implementar políticas que coloquem o inventário, catalogação, estudo e gestão de colecções como prioridade para os museus (não querendo com isto dizer que se neglicencie o restante, mas não se fazem omeletes sem ovos! Não se comunica bem aquilo que se desconhece ou conhece pela rama*);
  • Fazer com que essas políticas permitam implementar planos de documentação em que a normalização de processos, estruturas e terminologias possa contribuir para a disseminação real do conhecimento das colecções;
  • Fazer estudos de públicos centrados na expectativa e não na experiência, ou seja, procurar o que pretendem os públicos e não aquilo que eles sentem relativamente à sua visita a determinado museu ou colecção;
  • Definir um modelo de documentação de colecções centrado no conceito COPE (Create Once, Publish Everywhere) que permitiria, entre outras questões, a optimização dos recursos despendidos no processo;
  • Abraçar novas ferramentas como o “Storytelling“, por exemplo, na planificação da utilização e exposição das colecções (e pensar nelas nos processos de documentação e gestão de colecções também dava jeito, já agora);
  • Olhar, seriamente, para aquilo que é o poder da Rede Social que temos à nossa frente (ou no bolso) e utilizar, sem constrangimentos (a não ser os éticos, claro), esse poder em benefício da construção desta nova prática.

Que vos parece?

 

* Uma nota para recordar o elevado número de colecções que não estão convenientemente documentadas em Portugal (e não só).

© Imagem: Wikipedia

SPECTRUM e CIDOC CRM

SPECTRUM e CIDOC CRM

Na discussão sobre documentação de museus e na construção dos sistemas de informação que a suportam é comum surgir, a determinado momento e principalmente nos colegas menos experimentados nesta área, a questão da enorme profusão de normas existentes (sempre comparando com bibliotecas e arquivos, ainda que de forma errada) para este trabalho específico nos museus. Em algumas conferências do CIDOC tive sempre, directa ou indirectamente, de discutir este assunto com novos colegas e em 2008, em Atenas, fui eu que me interroguei porque é que esta gente tem um apetite voraz pela criação de normas. É realmente um abuso, mas tem explicações lógicas (históricas e científicas) que não vou aqui escalpelizar, mas que denotam a evolução histórica da documentação em museus (e das ciências e técnicas que a coadjuvam) e a importância dada pela comunidade anglo-saxónica a esta matéria, em relação a outras comunidades científicas e profissionais.

Esta profusão de normas, que muitas vezes colidem na procura de solução para o mesmo problema, não é um grande problema para o sector, quando as conhecemos e conhecemos o seu âmbito, mas obriga a mais trabalho na procura da que serve os nossos interesses ou na realização de “mapeamentos” entre duas (ou mais) normas, um trabalho que tem sido feito ao longo dos anos e que pode ser, no caso do CIDOC CRM, consultado com detalhe aqui.

Apesar desta situação há um consenso generalizado, sustentado por anos de prática nos museus e pelos seus profissionais, sobre a relevância do CIDOC CRM (uma norma que procura definir uma estrutura formal e as definições que possibilitam a descrição das relações e conceitos, implícitos e explícitos, na documentação do património cultural) e da SPECTRUM (uma norma que define procedimentos e estrutura de documentação para a gestão das colecções e da sua documentação) para esta área. São duas normas cada vez mais adoptadas e estudadas e têm dado provas da sua fiabilidade através de excelentes resultados na documentação de colecções por elas suportadas. Eu serei suspeito para falar sobre o assunto, mas numa rápida pesquisa por SPECTRUM ou por CIDOC CRM no google permitirá que tirem vocês as conclusões sobre a importância da duas.

Hoje, ou melhor ontem, recebemos a (excelente) notícia da criação de uma extensão para o SPECTRUM no CIDOC CRM através de uma comunicado do CIDOC que pode ser lido na íntrega aqui. Para muitos de vocês o assunto poderá ser aborrecido, mas eu acho que este será um importante marco na história da documentação do património cultural que trará, a breve prazo, enorme benefícios para as colecções, para os profissionais de museus, para os museus e acima de tudo para as audiências/públicos dos museus.

Queria destacar aqui as declarações (que podem ler no comunicado) de Stephen Stead, Dominic Oldman (CIDOC CRM) e Nick Poole (Collections Trust) sobre este importante acordo.

This agreement opens the door for a new focus on the importance of cultural heritage documentation. Many documentation strategies still focus on internal processes and traditional catalogue information, but new digital audiences require a different approach and different types of knowledge generated by museum experts and researchers. Moving to the CIDOC CRM knowledge representation system will provide the SPECTRUM community with a way of connecting museum experts with wider digital audiences and strengthening the relevance of museum knowledge in our society.

Stephen Stead e Dominic Oldman

The agreement between the Collections Trust and the CIDOC CRM SIG represents a major step forward in harnessing the power of technology to open up cultural heritage for new audiences. Building on nearly 20 years of standardisation and professionalization in Collections Management, uniting these two initiatives will help unlock the richness and value in heritage collections for generations to come. I welcome this development and look forward to a successful collaboration.

Nick Poole

Aqui está uma boa notícia e perspectivas de mais trabalho pela frente.

© Imagem: daqui.