Diz que disse e desdisse

Diz que disse e desdisse

Ora deixa cá ver. Desde que trabalho em/para Museus, já lá vão uns 20 anos, já tivemos IPPC, IPM, IMC e recentemente DGPC. Nas andanças do património cultural é necessário acrescentar o IPPAR, o IGESPAR, o IPA e julgo que um outro para o património subaquático, mas desculpem-me por não recordar o nome. Além destes institutos ainda tivemos, e o utilizar o passado não é engano, a Rede Portuguesa de Museus (RPM) como um organismo do Estado que certificava os museus. No mesmo tempo, para o caso Inglês (e poderei estar enganado, mas por favor corrijam-me) tivemos o Museum, Libraries and Archives Council e temos agora o Arts Council (desde há uns três anos, segundo me recordo).

Não querendo fazer qualquer tipo de comparação com a realidade inglesa, que sei ser bem distante da nossa, a minha questão é a seguinte: quando é que nos decidimos a parar com ideias de reformas administrativas e pensamos seriamente numa política e estratégia para o sector público dos museus portugueses?

Ministro da Cultura

A questão é antiga e já foi colocada inúmeras vezes por diversos colegas. Recordo um texto mais recente do Luís Raposo sobre esta questão, mas podem consultar outros que ele escreveu aqui, ou então ler o da Isabel Roque aqui. No entanto, continuamos a ter anúncios como o que fez Luís Filipe Castro Mendes no Parlamento no passado dia 7 em que se anuncia um novo Instituto de Museus e Monumentos (IMM), desmentido, ou pelo menos adiado, pelo próprio nos dias seguintes, conforme noticia Lucinda Canelas no Público de dia 9, que demonstram, na minha opinião, uma navegação à vista que tem que ser criticada pelos profissionais de museus de forma aberta e franca.

A situação nos museus é péssima. Sentimos, desde há alguns anos, a ausência de recursos humanos e financeiros que possam colocar os museus nos mínimos aceitáveis para um país que se diz e quer evoluído. Mantemos um projecto importante como a RPM num estado vegetativo que não se compreende. Andamos a promover o nosso património e os museus como elementos chave para a promoção turística do país, mas na realidade não temos tratado uns e outros como activos importantes para aquele sector (e este ano, apesar do aumento orçamental, continuamos a arranjar formas de sonegar a realidade). Além disso somos brindados com notícias sobre o espartilhamento da coleção do Museu da Música, que será dividida por dois espaços, um em Lisboa e outro em Mafra, com o fraco argumento de uma suposta descentralização/desconcentração dos espaços culturais (como se entre Lisboa e Mafra se resolvesse a questão da ausência de museus nacionais) e da despesa da deslocação de toda a coleção para Mafra.

Este governo e os partidos que o apoiam tinham como obrigação (ver programa do Governo) tratar bem melhor o sector, mas sinceramente quem é que ainda acredita num programa de governo, não é? É um diz que disse e desdisse em continuidade.

Acesso Aberto – Debate e Conferência da Acesso Cultura

Acesso Aberto – Debate e Conferência da Acesso Cultura

Toda a gente sabe que uma maldade nunca vem só! Quer dizer, por vezes vem, mas não é o caso. A Acesso Cultura organiza este ano alguns eventos dedicados a um tema que me é caro: o acesso aberto! Vai daí resolvem convidar-me para ser moderador duas vezes para mal dos vossos pecados! Uma primeira que acontece já a 20 de Junho e uma segunda que acontecerá em Outubro. Vejam lá bem o azar de quem não quer perder a oportunidade de debater estas questões.

Debate Acesso Cultura - Acesso AbertoA primeira vez em que irei moderar um debate será no próximo dia 20 de Junho. Nesta têm alguma sorte. Podem escolher dar um salto a Lisboa, Évora ou Olhão e particpar num dos debates simultâneos que a AC organiza também naquelas cidades. No entanto, se quiserem participar no do Porto, podem (e devem) dar um salto ao nosso Museu Nacional Soares dos Reis e juntar-se a mim, à Ângela Carvalho (Centro Português De Fotografia), à Manuela Barreto Nunes (Biblioteca Geral da Universidade Portucalense), à Olinda Cardoso (Arquivo Distrital do Porto) e ao Pedro Príncipe (Universidade do Minho) pelas 18:30h para discutir este tema. A AC colocou-nos o seguinte mote:

A digitalização de colecções museológicas e de outros acervos culturais alcançou uma escala sem precedentes. De que forma as instituições culturais portuguesas enfrentam esta nova realidade? O que é que está a ser feito no sentido de criar condições de acesso aberto? A quem se destinam estes recursos digitais e para que servem? Que dúvidas persistem? Que preocupações?

Conferência Acesso Cultura - Acesso AbertoA segunda vez que irei moderar será uma mesa redonda da conferência da Acesso Cultura (será em Lisboa, a 16 de Outubro). É logo a seguir à conferência de abertura pela Merete Sanderhoff (Statens Museum for Kunst – Danish National Gallery) e terá a participação da Merete Sanderhoff (National Gallery Denmark), do David Santos (Direcção-Geral do Património Cultural), do Eloy Rodrigues (Universidade do Minho) e do Silvestre Lacerda (Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas) e será uma excelente oportunidade para debater e aprender com estes excelentes profissionais sobre acesso aberto.

Eu julgo que seria bom, numa e noutra oportundiade, discutir a questão sob duas perspectivas (mas digam-me vocês se concordam): Política e Técnica.

Na primeira uma abordagem sobre os caminhos e tendências que o Acesso Aberto segue nas instituições de referência, na visão estratégica de governos ou Comissão Europeia, por exemplo e na segunda abordar as condições, tecnologia, questões legais (embora estas possam também se ligar à primeira questão das políticas), etc. que devem ser tidas em conta pelas instituições que procuram informação de caracter mais prático sobre este assunto. Que vos parece? Estou aberto a outras perspectivas interessantes.

Eu sei que o tema é vasto e, ao que tenho ouvido, ainda pouco explorado entre nós. Por isso gostava que se procurassem respostas (mesmo sabendo que não há respostas definitivas) a questões como: O que é isso do Acesso Aberto? Que questões legais se levantam? Que políticas deve a minha instituição definir sobre esta matéria? Que materiais/informação deve/pode ter acesso aberto? Como mudar o panorama actual de acesso restrito em áreas fundamentais como a investigação científica? Que política(s) de financiamento devemos definir para esta matéria? Qual a diferença entre Acesso Aberto e Software Livre? O que precisamos para dar acesso livre à informação gerida por museus, bibliotecas e arquivos?

Se quiserem podem deixar abaixo (nos comentários) perguntas ou levantar temas para o debate e para a mesa redonda. Prometo que irei, dentro dos limites de tempo que teremos, levar comigo as vossas sugestões.

E já agora respirem fundo e participem. É um tema importante e interessante para todos nós!

A documentação e os “falsos”!

A documentação e os “falsos”!

A exposição “A Cidade Global: Lisboa no Renascimento” que há tempos teve a cerimónia de inauguração no Museu Nacional de Arte Antiga teve mais destaque na imprensa do que é habitual nas exposições em Portugal, mas infelizmente pelos piores motivos. A questão dos “falsos” quadros que estão na origem da realização da exposição após a identificação dos mesmos por Annemarie Jordan Gschwend e Kate Lowe como uma “uma vista da Rua Nova dos Mercadores, destruída pelo Terramoto de 1755“, não deveria ser, na minha opinião, a questão central! Mas como tem sido, falemos da sua relação com um tema que me é caro: a documentação em museus.

A argumentação dos “falsos”

Eu não tenho conhecimentos para entrar na discussão sobre a veracidade das obras em causa. Não sou historiador, nem historiador de arte e não tive qualquer acesso às fontes ou às obras para me pronunciar sobre as mesmas e, ainda que o tivesse, escusava-me por completo dessa tarefa. No entanto, gosto de uma boa troca de argumentos quando ela é séria e me apresenta factos ou elementos que sustentem cientificamente uma opinião.

A questão é levantada por Diogo Ramada Curto neste artigo no Expresso onde se interroga “Lisboa era uma cidade global?” utilizando a questão das pinturas para, em meu entender, ligar a produção da exposição a uma visão da História que glorifica o passado imperial e descarta uma outra visão, em que se insere, que se insurge contra uma narrativa que vê como colonialista e centrada no umbigo do mundo representada pela metrópole. Eu percebo a questão e a argumentação, ainda que não concorde, mas voltemos aos “falsos”.

Na mesma edição do Expresso, Miguel Cadete, Alexandra Carita e Hugo Franco, publicam um extenso artigo sobre o assunto onde apresentam os argumentos de DRC, acrescentando algum contexto e outros dados, sob o título “Museu de Arte Antiga abre as portas a obras suspeitas”. Título que dava, por si, um tratado sobre o tema que aqui me traz, mas que, por agora me suscita apenas o seguinte comentário: digam-me um museu, um apenas, que não abre a porta a obras suspeitas? Se não abrir deixa de cumprir uma parte do seu trabalho de análise e investigação da cultura material, não?

Após aquele texto, somos brindados com outro intitulado “Conservadores do Museu de Arte Antiga não se entendem“. No mesmo, imagine-se, alerta-nos o Expresso, pela voz de Miguel Cadete, que há dois conservadores do MNAA que não têm a mesma opinião sobre as obras! Imagine-se o pecado mortal de ter na mesma instituição, dois especialistas com opiniões diversas! Coisa inédita, bem sei! Mas ainda assim feliz e que me parece um bom sinal.

Para que se eliminassem todas as questões, e de acordo com o Expresso uma vez mais, são pedidos exames laboratoriais pelas palavras do próprio Ministro da Cultura (não percebo porque teria de ser ele a fazer esta declaração), seguidos de uma declaração do director do MNAA a indicar que a decisão ainda não tinha sido tomada por causa das devidas autorizações e questões técnicas associadas.

No Expresso ainda sai pouco tempo depois um texto de Ramada Curto sobre a forma como aborda a polémica e sobre a intenção de aproveitamento de uma exposição como instrumento político ao serviço de uma ideia que condena e que me parece nada ter a ver com a questão da autenticidade desta ou daquela obra, mas sim com uma visão mais genérica da questões (não era preciso criticar a autenticidade, para defender a sua tese sobre o tema). Um dia depois Fernando Baptista Pereira publica também este texto onde afirma categoricamente que “os quadros não são falsos!”.

Chegados ao dia da inauguração temos casa cheia e uma notícia no expresso sobre a “Lisboa Global”: Uma polémica local. Um título que diz tudo sobre as questões levantadas e sobre a forma irritadiça que a discussão tomou, ao contrário do que deveria ter acontecido. Afinal o debate, a diferença, a argumentação e contraditório deveriam sempre caber no Museu e na Academia, não é?

E agora em que ficamos?

Passada a polémica, poeira bem assente no chão, ânimos mais calmos, esperamos e temos a notícia do resultado dos exames a um dos quadros, O “Chafariz d’El Rey”, pertença de José Berardo, que confirmam a sua autenticidade e, segundo o Expresso, sabemos que o relatório diz o seguinte:

No que diz respeito à análise dos materiais constituintes e da forma como estes são aplicados esta obra terá sido executada muito provavelmente por pintor de influência ou naturalidade do norte da Europa a partir da 2ª metade do século XVI, época em que se verifica o uso generalizado do pigmento azul de esmalte e se começam a utilizar imprimaduras coradas

Confirma-se então que a hipotese avançada por Ramada Curto e João Alves Dias estavam erradas e que a autenticidade da pintura vai de encontro ao que as comissárias e o museu esperavam.

É aqui que entra a importância da documentação. Havia diversos elementos que nos poderiam confirmar a autenticidade do quadro (ou pelo menos apontar para ela) sem recorrer a exames, como podemos ler no texto de Fernando Baptista Pereira, mas estavam eles documentados pelo museu ou pelo proprietário? E das diversas investigações feitas pelas comissárias para o livro e, mais tarde, pela equipa do museu, que dados existem, onde estão registados, podemos chegar a eles de forma simples?

Continuamos a ter um enorme fosso entre a informação que existe (e é tratada nos museus pelas suas equipas técnicas) e o acesso que é dado a especialistas e público de uma forma geral. Para que esse fosso se esbata ou, mesmo, deixe de existir é necessária uma mudança nas políticas museológicas que reflicta as necessidades da sociedade actual. Essa mudança de políticas não pode ser vista de forma circunstancial ou imediata, mas sim pensada para o médio e longo prazo. O acesso a um conjunto significativo de informação dos museus na Holanda e Reino Unido, para citar dois bons exemplos agora muito louvados, não aconteceu da noite para o dia. Exige anos de trabalho e investimento na aquisição de competências e meios. Esta mudança não a vemos debatida no Expresso, infelizmente.

Documentação e os "Falsos" - Rua Nova dos Mercadores

Rua Nova dos Mercadores See page for author [Public domain], via Wikimedia Commons

Documentação e os "falsos" - o Chafariz d'el Rey

Chafariz d’El Rey By Anonymous Flemish [Public domain], via Wikimedia Commons

 

Foge cão que te fazem Barão…

Foge cão que te fazem Barão…

A actualidade lembra-me um velho ditado, nascido do enorme reconhecimento pela dedicação à pátria dos liberais, cunhado por Garrett: “Foge cão que te fazem Barão! Para onde se me fazem Visconde!” Será talvez exagerada a comparação e o assunto é sério demais para brincadeiras, mas nesta semana passamos a ter dois novos museus nacionais: Évora (que ao que leio passará a chamar-se Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo) e Conímbriga.

Antes de qualquer outra questão devo dizer que não discordo da atribuição da categoria Nacional a ambos os museus. Além disso quero também dizer, para que não restem dúvidas, que também não concordo com a atribuição da categoria Nacional a estes museus. Confusos? Eu explico!

Esta minha posição prende-se com o facto de não ser claro para mim exactamente o que é um Museu Nacional. A única referência que encontro na legislação que disponho é a que está vertida na lei quadro dos museus e apenas menciona o facto dessa atribuição ser da responsabilidade do Sr. Ministro da Cultura (quando o temos), após consulta ao Conselho de Museus (Art. 98º), mas os critérios que o museu deve obedecer para poder ser elevado ao estatuto não os encontro em lado nenhum.

Museus Nacionais – Uma discussão nova?

Não tenho qualquer questão de príncipio sobre o estatuto “Nacional”, mas a confusão em que está instalada a nova proposta administrativa (sim… já temos nova reforma administrativa a ser encaminhada) com um considerável aumento do peso político das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, as quais passarão a ser eleitas por colégio eleitoral de autarcas*, e a passagem para estas renovadas entidades de diversos serviços como as Direcções Regionais de Cultura e, ao que se diz, mesmo da DGPC, dificultarão ainda mais a fixação de um estatuto com critérios objectivos para a atribuição daquela categoria aos museus. E já nem sequer me alongo sobre a possibilidade de implementação, neste novo quadro, de uma verdadeira política nacional de museologia e museus.

Museu de Aveiro - Museus Nacionais

By David Machado (Own work) [CC BY-SA 3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0)], via Wikimedia Commons

Ainda que reconhecendo que a proposta em cima da mesa possa ter os seus méritos, intriga-me o facto de não haver qualquer estudo (pelo menos que seja público) sobre a forma de administração dos museus em Portugal. Todos nós sabemos que os modelos de gestão adoptados até agora têm diversas falhas e exigem um esforço enorme aos responsáveis e equipas dessas instituições, mas se a mudança é necessária, porque raio é que não se estudam e aplicam modelos, ou porque raio ganham Conímbriga e Évora o estatuto de Museu Nacional e o Museu de Aveiro foi entregue à tutela da autarquia? E Lamego como vai ficar?

Tal como diz a Maria José de Almeida, neste texto do Speakers Corner, não vejo o estado Central como o salvador da pátria ou as autarquias como o mau da fita da gestão da coisa pública (conheço muitos exemplos em que um e outro dão cartas na gestão e o seu contrário), mas a questão que importa discutir de forma ampla é: “Onde queremos ter os Museus Portugueses daqui a 20 anos?” Já o fizemos no passado, mas tendo em conta a forma como os nossos governantes encaram a Lei Quadro de Museus e a Rede Portuguesa de Museus, acho que precisamos de o fazer de novo. Urgentemente!

* um conjunto interessante de notícias sobre o tema pode ser lido aqui e aqui.

© Imagem: maxpixel

Cultura precária e cultura da precariedade – como sair daqui?

Cultura precária e cultura da precariedade – como sair daqui?

Amanhã retomo as voltas que costumo fazer pelos museus do país com quem trabalho. Serão três dias com colegas de diversos museus algarvios para falar sobre a documentação das colecções, o inventário, necessidades dos seus sistemas de informação, novas potencialidades, novos projectos, entre outros assuntos que sobre sistemas de informação dos museus que certamente serão tratados.

Estas minhas andanças têm se revelado, ao longo dos anos, uma excelente forma de tomar o pulso à situação dos museus e dos colegas que aí trabalham e permitem-me também construir uma espécie de indicador (nada científico) do estado da museologia portuguesa. Vejo-o como uma espécie de quadro geral sobre a saúde dos museus e, na minha cabeça, os diversos estados são representados por “smileys” ou “emojis” que vão do famoso contente, até ao zangado, passando por diversos estados.

Este indicador têm sofrido uma queda constante nos últimos anos. Recordo com saudade os idos anos da criação do IPM e da Rede Portuguesa de Museologia, da junção do IPM com o IPCR no IMC, da publicação da Lei-quadro de Museus e da sensação, penso que generalizada, que teríamos os instrumentos necessários para não voltar atrás e as condições para o desenvolvimento da museologia e museus portugueses. No entanto, e ao contrário da maior parte das previsões e vontade de muitos colegas, hoje estamos, no tal indíce, com um “emoji” completamente triste e deprimido. Então e como chegamos aqui? O que falhou? Onde falhamos?

Cultura da precariedade

Este texto foi motivado, devo dizer, pelo texto publicado no Facebook por Helena Miranda, uma colega que trabalha no Museu da Música há 10 anos e que mantém com o museu uma relação profissional de completa precariedade. Coloco aqui o texto para que o possam ler com os vossos olhos.

O testemunho de Helena Miranda, que tem sido partilhado por diversos colegas desde que foi publicado, é um de tantos que vou ouvindo, mas reafirma (no caso com uma boa dose de coragem que saúdo) a continuidade de uma situação que eu vivi no final dos anos 90 e que, desde então, se tem mantido em diversas entidades públicas, apesar dos contínuos anúncios de medidas por diversos responsáveis de diferentes governos que visam, segundo os próprios, dar dignidade ao sector e resolver de uma vez por todas esta matéria. Apesar dessas boas intenções, o resultado que temos agora é péssimo. Temos uma Rede Portuguesa de Museus que é inoperante, uma direcção geral de património que está asfixiada, uma Lei-quadro de museus que não é cumprida ou respeitada pelos diversos governos, museus que fecham, museus que não têm quadro de pessoal (ou que está todo a caminho da reforma sem a necessária renovação das equipas), museus que se mantêm abertos com o esforço de um, vá dois técnicos, descontinuidade de programas de proximidade com as comunidades, colecções sem as condições devidas, enfim… um conjunto de situações de que vou tomando conhecimento e que são motivo para a frustação e desmotivação que sinto entre os profissionais de museus.

Cultura precária

A manutenção desta situação e as consequências que daí advêm são fáceis de prever. Se continuarmos este jogo de empurrar com a barriga os diversos problemas do sector cultural e dos museus em particular, teremos, num futuro não muito distante, deixado um legado miserável a quem nos suceder. É mais do que tempo de deixar para trás a situação de Cultura precária em que nos temos vindo a afundar e aproveitar uma das melhores e mais bem formadas gerações de profissionais na área dos museus, com provas dadas a nível internacional, dando-lhes a oportunidade de contribuir activamente para o desenvolvimento dos museus no nosso país.

Tenho a certeza que são muitos os profissionais de museus com qualificações para levar por diante esta tarefa de retomar o bom caminho, mas para tal é necessária uma verdadeira vontade e um compromisso sério por parte dos responsáveis políticos do sector.

Um compromisso que veja a cultura e os museus não apenas através da quantificação dos visitantes aos museus, mas como um investimento que dá retorno através do turismo, que veja a importante ligação entre museus e escolas, onde os primeiros devem ser encarados como lugares de complementariedade dos programas escolares, que veja os museus como um fórum de discussão e debate participativo e não como instrumento político de propaganda, que veja no museu um papel activo na transformação da sociedade actual e não meramente o espelho do seu passado “glorioso”, enfim um compromisso que permita deixar para o futuro uma situação condicente com os excelentes profissionais que temos.

Nos próximos dias terei certamente a oportunidade de falar sobre este e outros assuntos com vários colegas algarvios, mas acho que é necessário criar as condições para que a nossa voz e a voz das associações que nos representam voltem a ser atentamente ouvidas. Algumas destas questões têm sido levantadas pelo ICOM Portugal nos locais próprios, mas a sensação é que os interlocutores têm “ouvidos de mercador”. Como tal é importante que todos possam contibuir para discutir estes assuntos e, em breve, teremos uma assembleia geral do ICOM Portugal onde estes assuntos podem e devem ser discutidos amplamente. Acho que seria uma excelente oportunidade para tentar colocar estes problemas na agenda mediática.

Um novo modelo de gestão para o MNAA

Um novo modelo de gestão para o MNAA

É um assunto recorrente, como quase todos os estruturais na Cultura, nos museus nacionais: que modelo de gestão podemos adoptar para melhor a performance dos museus?

Sinceramente, sem ter de consultar algum do histórico que vou guardando de notícias, recordo-me de ler sobre o assunto sempre que mudamos de governo (para o bem ou para o mal), sempre que há uma polémica na nomeação/exoneração de um dirigente ou sempre que se fala dos exíguos orçamentos para a Cultura e das maravilhosas intenções de todos os responsáveis políticos de chegarmos ao mítico 1%!

By Fulviusbsas (personal archive) [GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html) or CC-BY-SA-3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)], via Wikimedia Commons

By Fulviusbsas (personal archive) [GFDL (http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html) or CC-BY-SA-3.0 (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/)], via Wikimedia Commons

A discussão sobre o(s) modelo(s) de gestão é agora trazida à ribalta pelas declarações do novo Ministro da Cultura sobre o caso específico do Museu Nacional de Arte Antiga. Segundo Castro Mendes está a ser pensado um novo estatuto jurídico, que no futuro poderá ser alargado aos restantes museus, com o objectivo de libertar a direcção do museu dos constrangimentos impostos pela pesada máquina burocrática do Estado, excluindo a possibilidade de uma concessão a privados como uma das opções em estudo.

No imediato li e ouvi a reacção de diversos colegas e personalidades sobre este anúncio e gostaria de destacar, pela densidade e contexto, as reflexões de Nuno Vassalo e Silva (um brilhante texto com argumentos muito importantes que devem ser observados), de Maria Isabel Roque (com um contexto internacional interessante e alertando para a necessidade de uma análise mais global sobre esta matéria), de Raquel Henriques da Silva (com bons argumentos sobre uma decisão que se arrasta há tempos e que é mais do que merecida pelo MNAA), de Luís Raposo (a lembrar que não é um caso único o MNAA e não deve ser visto assim), de Maria Vlachou (onde elenca uma série de questões muito importantes para a discussão criada) e, por fim, este interessante texto de Foteini Vlachou. No entanto, e percebendo toda a complexidade deste exercício de procura de um novo estatuto ou modelo, não consigo ficar descansado quando me dizem que está a ser pensado um novo modelo/estatuto, mas em boa verdade esse modelo não é discutido de forma aberta e clara em diversos fóruns públicos.

Imagino, ou melhor, espero sinceramente que esta discussão esteja a ser discutida entre a tutela e o museu, que sejam até convidados alguns especialistas para discutir um novo modelo, que exista de todas as partes a melhor das intenções, mas, por experiência, sei que o modelo de gestão só será tornado público quando tiver uma forma definitiva e, frequentemente, “difícil de alterar”. A municipalização de vários museus anteriormente geridos pelo estado central (concorde-se ou não com esta passagem) foi, em grande parte, assim conseguida.

Acreditem que compreendo o constante apelo da direcção e equipa do MNAA por um novo modelo que lhe permita gerir a instituição sem as restrições impostas pela condição actual. É justo que o peçam e é justo haja uma reflexão sobre o assunto. Mas será justo que essa reflexão seja feita apenas para o MNAA? E o Soares dos Reis e o Machado de Castro? E os restantes museus nacionais? Ficam sujeitos às restrições actuais (suas e do MNAA), porque não são o primeiro dos museus portugueses? Não me parece justo, bem como também não me parece comparável a situação portuguesa, com a Inglesa, Francesa ou Espanhola, na qual se pretende equivaler o MNAA com o British, Louvre ou Prado, porque a realidade e o contexto são diferentes e o MNAA não é um museu enciclopédico, as suas colecções têm um âmbito específico.

É um museu extraordinariamente importante em Portugal, mas integrado numa rede de museus nacionais que tem o mérito da complementariedade. É exactamente este ponto, em meu entender, que justifica uma discussão sobre modelos de gestão para os museus portugueses e não apenas para um deles.

 

Que novo modelo?

Mas então que novo modelo procuramos? Não é, segundo recordo das palavras do Ministro da Cultura, uma “privatização” da gestão e também não se trata do modelo fundação (aliás o modelo fundação é, se seguido o exemplo do Côa, algo a que devemos fugir com muita convicção). Será um modelo completamente novo, baseado numa “entidade cuja natureza jurídica está a ser estudada” com “maior autonomia administrativa e financeira” e que permitirá “o mecenato, mas de maneira nenhuma será uma concessão a privados”, ou seja, um modelo difícil de encontrar, mas que obedecendo a estas condições terá, em minha opinião, sérias possibilidades de ser um enorme sucesso. Aguardemos pois então por este novo estatuto, no entanto, algumas coisas que julgo devem merecer a atenção de quem o está a equacionar:

  1. Quadro de pessoal: que condições terá o museu para se dotar dos recursos humanos necessários ao cumprimento da sua missão? Será capaz de renovar a equipa? Nos mesmos termos da contratação pública? Com as mesmas exigências? Quem avalia e define qual é, ou deve ser, a constituição da equipa? Se discutido isoladamente o novo estatuto do MNAA, será que técnicos de outros museus poderão concorrer a novos lugares? E será que o quadro de pessoal será aberto a pessoas sem vínculo à função pública? permitirá este novo estatuto uma maior empregabilidade no sector museológico? Esta questão é contemplada na discussão?
  2. Desenvolvimento da colecção: Que dotação será dada pelo Estado para aquisições para a colecção? Qual será o enquadramento legal para novas incorporações? Que meios terá o museu para assegurar a gestão da colecção e como é que o novo estatuto irá lidar com essa questão?
  3. Avaliação: de que forma será feita a avaliação do novo modelo/estatuto jurídico? Se este falhar como irá o Estado intervir na questão? Se a avaliação suscitar questões relevantes que implicam alterações ao modelo/estatuto, como as concretizar?

 

Estas são apenas algumas questões que gostaria de lançar para debate, mas julgo que o tema (interessante e vasto) não pode, ou pelo menos não deve, ser tratado em portas fechadas. Muitas mais questões poderiam ser levantadas e observadas através da discussão de modelos implementados em países como o Brasil ou Itália, entre outros. Não creio que tenhamos essa possibilidade, mas este debate deveria ser aberto e amplo para bem dos museus e do sector museológico português.