Um tema recorrente

Um tema recorrente

Será dos tempos que vivemos, da velocidade em que corre a vida, da imensidão de informação que nos passa à frente, da vertigem constante, mas tenho a sensação, quase a certeza, que estamos a deixar de discutir e “amarrar” conclusões/ideias que nos impeçam de andar às voltas sobre um assunto, num rame-rame infrutífero e inútil, em vez de avançar para outros patamares de discussão ou para a concretização de um projecto bem sustentado científica e estrategicamente.

Veio-me isto à cabeça quando li, há uns dias na Renascença, uma notícia sobre uma história a ser contada num determinado museu “sobre uns sapatos oferecidos por Salazar” ao Sr. Manuel no dia em que este fez 9 anos. Claro que se fala do Museu Salazar, ou melhor, o que agora se designa Museu e Centro de Estudos António Oliveira Salazar ao qual foi adicionado um restaurante, casa de chá e auditório. O tema é polémico, mas ainda assim mantenho o que disse há uns tempos aqui. Acho que poderia ser muito bem vindo um museu corajoso sobre uma das figuras que mais marcou o século XX português. Um museu que através da pessoa pudesse questionar o tempo da ditadura, sem rodeios, sem esquerda e direita, sem falsos moralismos, sem preconceitos, de vistas largas. Um museu que cumprisse o seu papel social, ou melhor, que pudesse cumprir o papel de mostrar a nossa ditadura com base em factos, dados científicos, estudos credíveis, em vez de esconder o que se passou no país colocando debaixo do tapete um período mau da nossa história enquanto nação.

Eu sei, no entanto, que a curta distância dos factos não acautela a prudência necessária nestas coisas, mas ainda assim deveríamos ser mais capazes de reflectir e guardar as conclusões tiradas para que a discussão não seja redonda.

Aprender com os Alemães!?

Aprender com os Alemães!?

Acabo de ler um interessante artigo do Pacheco Pereira no Público sobre políticas de colecções, mais especificamente sobre o desenvolvimento das colecções públicas (leia-se de um museu público) que representarão, a médio e longo prazo, o momento social e político vivido em Portugal nos últimos anos.

A propósito de duas exposições (uma sobre a RAF e outra sobre como “ensinar as crianças a protestarem e a reivindicar pelas causas em que acreditam, e sobre os direitos que protegem esse protesto.”), com um discurso bem interessante e interessado, dado que é um coleccionador de materiais semelhantes aos que figuram nas iniciativas do museu alemão, Pacheco Pereira pergunta (em palavras minhas, claro): porque não aprendemos com os Alemães a guardar a evidência material da nossa história actual? Porque é que as nossas instituições não guardam os materiais que se produzem actualmente e serão(?), no futuro, uma amostra dos nossos tempos?

Coloquem-se os meus amigos na posição, de resto bem interessante, que cita Pacheco Pereira no seu texto. Daqui a 20 ou 30 anos quando quisermos fazer uma exposição sobre os tempos da “Troika” em Portugal, temos “… sem dúvida milhares de fotos, mas [teremos] os panfletos distribuídos e os cartazes?” Os que se relacionam, como refere Pacheco Pereira, às manifestações que ocorreram nos últimos anos? Que outros objectos poderíamos querer nessa altura? Bilhetes de avião, malas e e-mails de emigrantes? Umas conversas entre mãe e filho pelo Skype? E a arte que se produz nestes tempos de crise? Que obras devemos guardar? Quais serão as mais representativas? Se tivessem de fazer essa exposição agora qual(is) o(s) objecto(s) que não dispensariam? Qual o objeto que melhor representa a crise dos últimos anos para vocês?

Alguém é capaz de responder com uma certeza firme? Convicto que será mesmo esse o objecto? A mala de cartão representa melhor a emigração dos anos 60 e 70 do que qualquer outro objecto? Uma G3 representa melhor o nosso exército do que a espada de Afonse Henriques? E se sim, porque escolhemos uns objectos em detrimento de outros?

Imagino que não se possa ou queira guardar tudo!

No artigo Pacheco Pereira menciona o exemplo de vários museus alemães, com base nas exposições citadas, indicando-os como cumpridores de uma “tarefa de preservação da memória colectiva mais contemporânea” algo que ainda segundo o autor é “muito desprezado no Portugal de hoje”. Até poderia concordar com a afirmação, mas, no entanto, questiono primeiro se terão sido os museus alemães a guardar aquele material (até podem ter sido, mas ainda assim pergunto) ou se, por outro lado, não terão sido pessoas como Pacheco Pereira a fazê-lo, entregando-os depois aos museus. Em segundo lugar questiono qual a política de desenvolvimento de colecções que deveríamos ter (ou se deveríamos ter uma sequer) para guardar a evidência material dos nossos dias para os que nos seguirão. Será que os museus alemães têm instituído uma política para guardar a memória da sociedade alemã actual?

Eu julgo que mais do que guardar estas evidências, poderíamos aprender com os alemães (já agora com os ingleses também) alguma coisa sobre discutir alguns assuntos controversos de forma mais distanciada (veja-se o exemplo da exposição da RAF, comparativamente à discussão acessa sobre o possível Museu Salazar em Santa Comba Dão – aqui e aqui, por exemplo). A forma como daqui a 20 ou 30 anos se exporá o tempo que vivemos, eu, que sou um verdadeiro optimista, deixaria ao cuidado de quem tiver essa responsabilidade na altura.

Autor desconhecido, s/ título, algures em algum lado nos meados do século XIX

Autor desconhecido, s/ título, algures em algum lado nos meados do século XIX

Recorrentemente voltamos às questões da comunicação dos Museus (sobre as colecções) com as suas audiências. Seja a comunicação dentro de portas,  seja a comunicação com o exterior, física ou virtual (certamente teremos em breve de rever um pouco estes conceitos), o Museu tem assumido, fruto de diversas circunstâncias, o papel de replicador das disciplinas que sustentam a investigação sobre as suas colecções (arte, história, zoologia, botânica, etc.) na forma e conteúdo utilizados para a comunicação das colecções.

É um tema que tem suscitado, ainda que por motivos diferentes, textos muito interessantes da Maria Isabel Roque (aqui e aqui) e da Maria Vlachou (aproveito para destacar este a propósito do livro com as conversas entre Martin Gayford e Philippe de Montebello) e que me é particularmente caro, porque frequentemente estou nos dois lados da barricada: o de quem prepara a documentação sobre as colecções (que deveria sustentar a sua comunicação) e o de quem vai ao museu e procura conhecimento, admiração, reflexão, supresa, etc.

Esta dupla perspectiva é, devo assumir, uma chatice para quem me acompanha. Passo a explicar. Cada vez que visito um museu e vejo informação sobre as colecções, em folhetos, tabelas, etiquetas, folhas de sala, meios multimédia, aplicações, ou outro qualquer meio, o meu primeiro pensamento vai para as circunstâncias da criação, organização e publicação da informação que tenho disponível. Imaginam vocês o que acontece a quem vai a meu lado, quando começo a falar sobre a dificuldade que existe na sistematização dos dados nos museus, a qual é possível identificar, quase sempre, comparando informação básica, por exemplo medidas, ou datas, de dois objectos colocados numa mesma sala. Sim é isso mesmo… um sonoro bocejo!

Quando me apercebo do bocejar da companhia, o que acontece normalmente logo a seguir, tento desligar-me da “visão deturpada” pelos interesses profissionais e académicos (acreditem que é complicado) e procuro contexto, ou seja, e como bem diz a Maria Vlachou, estou “… à procura de algo que possa ter significado para nós, algo que possa deliciar-nos, surpreender-nos, fazer-nos sentir bem ou mais ricos ou mais conscientes de nós mesmos e do mundo”. Procuro retomar o momento em que vi, pela primeira vez, uma pedra lunar na exposição “A Aventura Humana” (apresentada, em 1988, no Museu Nacional de Etnologia) e pensei, na inconsciência própria da idade, “se conseguimos ir à lua, conseguiremos fazer tudo! Isto só tem como correr bem daqui para a frente!”

Devo dizer, antes de mais, que nem tudo depende da informação que o Museu dá a quem o frequenta. Não tenho a certeza se aquela pedra lunar teria mais alguma explicação para além do seu nome e proveniência (se bem me recordo tinha também informação sobre o seu proprietário), mas o projecto da exploração lunar  e as séries e filmes de ficção científica (Espaço 1999, Galactica, Guerra das Estrelas, etc.) exerciam, nos anos 80, um fascínio brutal sobre a nossa imaginação e aquela pedra aproximou-me do meu sonho de me tornar num explorador do espaço ou de ser o primeiro espinhense a cursar a academia dos Jedi. No entanto, quantas vezes é que este tipo de situações acontece? Quantas outras não ficamos desiludidos perante um objecto, por não termos o conhecimento, informação, contexto (ou até imaginação) necessários para nos maravilharmos?

Pode o Museu ficar descansado quanto a esta questão?

A resposta é óbvia. Não pode! Mas não é verdade que parece estar descansado? Não continuamos a ver, salvo muito honrosas e boas excepções, um conjunto de informação que não é muito mais do que autor, data de execução, técnicas, dimensões e origem? Não faz muito tempo que visitei uma exposição de um autor que me era (ainda é) completamente desconhecido, mas em nenhum local na exposição encontrei sequer a uma referência sobre a vida (reparem que não disse apenas percurso artístico, disse vida) daquela pessoa e em cada objecto que a exposição me mostrava (impecavelmente exposto), não tinha mais do que técnica, data e título (muitas vezes s/ título). Esteticamente foi um exercício agradável, mas não me fez pensar em mais nada, não acrescentou em mim nada sobre o autor ou sobre a sua obra, não me cativou a procurar mais. Se me tivessem dado um pouco de contexto sobre o autor e a obra (preferindo eu factos em vez de uma avaliação subjectiva da sua obra e vida, devo confessar), não seria mais fácil a aproximação pretendida com a exposição pública dos objectos? Eu, e pelo que li, a Maria Isabel Roque e a Maria Vlachou, concordamos que sim, no entanto, a(s) forma(s) utilizada(s) pelo Museu para o fazer é que são o verdadeiro desafio.

Desde logo, reafirmando as palavras da Maria Isabel Roque, julgo que “… urge uma reflexão crítica e teoricamente fundamentada acerca da informação pertinente e adequada, bem como acerca do papel inevitável dos recursos da informação digital, dentro e fora do espaço museológico” e acrescento que esta reflexão crítica terá que ser acompanhada com uma mudança urgente da prática e das políticas ou estratégias que a sustentam. Deixo então alguns pontos que poderiam, na minha opinião, contribuir para essa mudança:

  • Definir e implementar políticas que coloquem o inventário, catalogação, estudo e gestão de colecções como prioridade para os museus (não querendo com isto dizer que se neglicencie o restante, mas não se fazem omeletes sem ovos! Não se comunica bem aquilo que se desconhece ou conhece pela rama*);
  • Fazer com que essas políticas permitam implementar planos de documentação em que a normalização de processos, estruturas e terminologias possa contribuir para a disseminação real do conhecimento das colecções;
  • Fazer estudos de públicos centrados na expectativa e não na experiência, ou seja, procurar o que pretendem os públicos e não aquilo que eles sentem relativamente à sua visita a determinado museu ou colecção;
  • Definir um modelo de documentação de colecções centrado no conceito COPE (Create Once, Publish Everywhere) que permitiria, entre outras questões, a optimização dos recursos despendidos no processo;
  • Abraçar novas ferramentas como o “Storytelling“, por exemplo, na planificação da utilização e exposição das colecções (e pensar nelas nos processos de documentação e gestão de colecções também dava jeito, já agora);
  • Olhar, seriamente, para aquilo que é o poder da Rede Social que temos à nossa frente (ou no bolso) e utilizar, sem constrangimentos (a não ser os éticos, claro), esse poder em benefício da construção desta nova prática.

Que vos parece?

 

* Uma nota para recordar o elevado número de colecções que não estão convenientemente documentadas em Portugal (e não só).

© Imagem: Wikipedia

Redefinir fronteiras / afirmar identidade: desafios dos profissionais da informação

Redefinir fronteiras / afirmar identidade: desafios dos profissionais da informação

Fui convidado pela BAD para participar na mesa redonda que se seguirá à Assembleia Geral Ordinária desta associação, no dia 14 de Março (Pequeno Auditório da Biblioteca Nacional), sobre o tema “Redefinir fronteiras / afirmar identidade: desafios dos profissionais da informação“.

Não sendo sócio da BAD acompanho, por motivos profissionais e académicos, o trabalho que esta associação tem desenvolvido com muito interesse e tenho o privilégio de acompanhar vários colegas desta área no processo de criação e desenvolvimento do Grupo de Trabalho – Sistemas de Informação em Museus que a BAD, em muito boa hora, decidiu albergar a par de outros grupos de trabalho da associação que têm como objectivo aprofundar diversos temas e áreas relacionadas com o trabalho dos Arquivos, Bibliotecas e Museus.

Aceitei este amável convite, porque julgo poder dar o contributo de alguém que vem da área dos museus, ainda que tratando do mesmo, ou seja, da informação (das colecções), e que tem necessariamente uma visão distinta, por vezes próxima, por vezes mais distante, dos desafios colocados aos profissionais de informação independentemente do sector em que trabalham e da forma como esses desafios se devem reflectir na actuação de uma associação profissional como a BAD.

Embora tenha uma opinião sobre este tema e sobre os desafios que enfrentamos, ou enfrentaremos no futuro, não queria deixar passar esta oportunidade para vos questionar sobre o assunto. As questões que vos coloco e às quais podem responder por e-mail ou através dos comentários a este post são as seguintes:

Quais as fronteiras ou características identitárias que poderão definir os profissionais de informação face ao panorama actual da sociedade de informação em que vivemos? 

Que desafios se colocam actualmente aos profissionais da informação?

Como é óbvio as vossas respostas/sugestões/comentários serão tidos em conta na minha reflexão e na minha intervenção (dentro do tempo que terei disponível)!

Aproveito para vos deixar abaixo o texto que a BAD publicou para a introdução da mesa redonda:

Ao longo das últimas décadas, como reflexo da rápida evolução dos saberes e competências de bibliotecários, arquivistas e documentalistas têm vindo a ser questionadas as fronteiras da profissão e as próprias designações dos profissionais e das instituições.

Naturalmente este questionamento chega às associações profissionais de todos os países que, como no caso da BAD,
precisam de acompanhar o ar dos tempos e evitar a cristalização em velhos arquétipos de muitas profissões que estão a deixar de existir ou, no melhor dos casos, a transformarem-se radicalmente.

Torna-se necessário o diálogo e o confronto, a comparação e a procura das diferenças e das semelhanças. O caminho da convergência profissional parece esbarrar, porém, com a necessidade de maior especialização, sendo necessária ao mesmo tempo a demarcação de uma zona de interseção, por si mesma definidora de um campo científico, técnico e profissional.

No sentido de procurar respostas para estas e outras inquietações, a BAD – no dia da sua Assembleia Geral Ordinária – decidiu lançar um debate que considera interessará a algumas das profissões que coexistem neste universo da informação para que, em mais uma tarde de Sábado, nos ajudem a traçar novas linhas nos mapas do nosso futuro.

Espero ver-vos na Biblioteca Nacional no dia 14!

© imagem: BAD

Um tema recorrente

O estado das coisas

A chegar ao fim de Novembro, depois de três meses intensos e quase sem tempo para nada, cansado fisicamente, mas intensamente mais rico graças à participação num conjunto de eventos importantes.

Logo a abrir Setembro, depois de um Agosto intenso em São Paulo, foi o CIDOC 2014, em Dresden, que a Juliana Monteiro descreveu maravilhosamente no Speaker’s Corner e onde tive a oportunidade de participar numa importante reunião sobre o desenvolvimento da norma SPECTRUM que já se encontra publicada e disponível em Português. Escreverei, quando tiver mais dados, um artigo sobre o desenvolvimento da norma para que o possam comentar.

Chegado de Dresden (uma cidade estranha, devo dizer), foi tempo de começar a preparar o I Congresso Internacional de Museologia Militar que a Sistemas do Futuro organizou com o Exército Português. A ideia do congresso surgiu através da parceira que a empresa e a Direcção de História e Cultura Militar (DHCM) mantêm no projecto da Rede de Museus Militares (inventário e gestão das colecções do Exército) e da necessidade de discutir um conjunto de assuntos comuns a todos os museus, mas que a instituição militar, devido à sua missão, trata de forma diferenciada. O programa do congresso foi abrangente, em meu entender, e permitiu a discussão generalizada, com diferentes pontos de vista (principalmente os trazidos pelos convidados internacionais), sobre os diferentes tópicos lançados pela comissão científica. Não posso deixar de destacar, entre muitas outras, a singular expressão “necessidade de guerrilha museológica”, utilizada na apresentação do General Silvestre António Francisco (Diretor do Museu Nacional de História Militar de Angola), aludindo à defesa da importância dos museus na sociedade e no seu desenvolvimento e transformação. Uma expressão que passei a usar, sempre que me perguntam o que será necessário para mudar o actual panorama desnorte museológico (cultural?) português. Em breve será publicado um texto, da minha responsabilidade, com um resumo alargado do congresso.

Passado o congresso foi tempo de reunir forças para começar a preparar outros dois momentos de discussão: o III Encontro de Centros de Documentação em Museus, organizado pelos colegas da Câmara Municipal de Loures (link quebrado), e o Seminário de Investigação do Doutoramento em Museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto sobre Processos de Musealização (em boa verdade a preparação deste último decorria ao mesmo tempo que os anteriores).

No primeiro destes eventos participei com uma comunicação intitulada “Objectos, Livros, Documentos e uma Lingua Franca” que tinha como objectivo suscitar a reflexão sobre a necessidade premente da existência de um elo forte que permita a comunicação, mais do que a simples pesquisa, e o acesso integrado entre estes instrumentos de memória e história que Museus, Bibliotecas e Arquivos guardam. Não sei se terei conseguido o intento, mas as diversas conversas tidas ao longo do dia com os restantes colegas e a discussão gerada na sala durante as diversas apresentações foram mais do interessantes. Além do mais é sempre um prazer aprender mais com os restantes participantes e oradores. Tempo muito bem empregue.

O seminário da FLUP sobre Processos de Musealização decorreu já este mês, entre os dias 5 e 7. É o primeiro em que participo na condição de Professor Afiliado da casa e devo dizer que, apesar da complexidade da organização (só possível de concretizar graças ao empenho da Teresa Azevedo) e do processo de selecção dos artigos e comunicações, foi uma experiência excelente. Conforme poderão ver o programa foi intenso e interessante. Desde logo um formato que me agradou bastante foram as sessões tutoriais onde se pediu aos alunos de doutoramento de museologia da FLUP um texto e apresentação sobre o trabalho de investigação que têm desenvolvido para ser discutido pelos colegas e por um conjunto de professores. Na sessão tutorial que coordenei com a Alice Duarte, da linha de investigação Museus, Colecções e Património, acederam ao nosso convite os colegas Sérgio Lira, Adelaide Duarte e Filomena Silvano (um enorme obrigado uma vez mais) e os nossos alunos tiveram a possibilidade de discutir metodologias, estrutura, bibliografia, instrumentos, etc. que estão a utilizar através da análise e crítica de outros olhos, antecipando de certa forma a discussão pública que terão pela frente na conclusão dos seus projectos. Além deste importante momento contamos também com diversas apresentações, nas sessões do seminário, de diferentes projectos, estudos, etc. de muitos investigadores de outras universidades com abordagens muito interessantes sobre diferentes temas da investigação em museologia. Os keynote speakers que convidamos foram a cereja em cima do bolo, mas infelizmente, por motivos de agenda, só o posso dizer por aquilo que me contaram, dado que não consegui estar presente em nenhuma destas conferências. Foram também realizados um conjunto de workshops, cuja avaliação não posso fazer, porque organizei o único em que participei e não me ficaria bem ser juiz em causa própria. Espero que algum leitor que tenha participado o faça comentando este post, ok?

Ainda tive a oportunidade de moderar, a convite da Acesso Cultura, o debate sobre Domínio Público e Direitos de Autor que decorreu na Casa do Infante (com a “costumeira” sessão paralela em Lisboa) na qual tivemos como convidado Nuno Sousa e Silva, jurista e professor na Universidade Católica, que se tem especializado neste tema e que conseguiu, como ninguém, explicar temas jurídicos densos a não especialistas na matéria. Um debate que, segundo creio saber, terá continuidade num curso sobre o tema que a Acesso Cultura está a organizar.

Pelo meio de toda esta actividade ainda consegui encaixar (a custo) o reinício dos trabalhos de tradução dos SPECTRUM Advices para Português, consolidando a parceria entre os colegas do Brasil que participaram na revisão e publicação da tradução da norma e o Grupo de Trabalho de Sistemas de Informação, com a preciosa colaboração de excelentes profissionais de informação daquele grupo e, também, iniciar/retomar um conjunto de novos projectos e dar continuidade a outros decorrente do trabalho na Sistemas do Futuro que abordarei noutros textos.

Entre tanto que fazer não deixei de continuar a ler as notícias e ficar estupefacto como a crise bancária afecta importantes colecções portuguesas, como a da Fundação Ricardo Espírito Santo, ou como a crise (continuada) política afecta a gestão de um conjunto de museus que continuam sem saber com que contar no futuro (andam de tutela em tutela) e ainda como, apesar de tudo, o esforço de um conjunto de colegas e bons profissionais consegue manter de pé aquilo que resta da Rede Portuguesa de Museus dando continuidade à creditação de alguns museus.

É o estado das coisas. Até ver pelo menos!

 

100 anos de Presidentes e poucos anos de verdadeira democracia

100 anos de Presidentes e poucos anos de verdadeira democracia

Eu sou um orgulhoso português. Gosto do meu país. Não me envergonho, antes pelo contrário, da sua História. À luz dos meus olhos e das circunstâncias em que vivo actualmente, ou seja daquilo que sou e conheço, sou crítico em relação a momentos específicos da nossa História, mas tenho a consciência que as minhas críticas, oposição se quiserem, são sustentadas pelo distanciamento que tenho de muitos desses momentos/factos.

Sendo crítico e não gostando de determinados momentos ou circunstâncias da nossa História enquanto Nação, não me parece justo ou até mesmo inteligente que a minha visão da História (porque é de uma visão parcial apenas que falamos) me dê o direito de os/as esconder. É simples! E passo a explicar.

Ao que parece preparava-se a Assembleia da República para inaugurar uma exposição, proposta pela Câmara Municipal de Barcelos, de bustos de Presidentes da República Portuguesa, em barro negro (daí a proposta de Barcelos, certamente), em que figuravam, segundo percebi pelo que li no Expresso online, os bustos de todos os Presidentes da República desde a implantação da mesma em 1910. Nessa exposição estava/está contemplada a inclusão de bustos dos Presidentes da República António Óscar Carmona, Américo Tomás e Craveiro Lopes.

Até aqui nada de mais, imagino eu, certo? Não… completamente errado. PCP (Partido Comunista Português) e BE (Bloco de Esquerda), partidos que participaram, a acreditar na ata da reunião e na notícia do Expresso que li, na reunião da Comissão de Educação onde a realização da mesma foi discutida, vêm agora dizer que a exposição (recordo que contém os bustos dos Presidentes da República Portuguesa) vai contra “a defesa da democracia” e que esta “não é compatível com o branqueamento do fascismo e dos seus responsáveis políticos” (João Oliveira, Líder Parlamentar do PCP) e, nas palavras de Pedro Filipe Soares do BE os presidentes “do fascismo” não podem estar “no mesmo patamar que os Presidentes eleitos democraticamente”.

Eu coloco-me, nesta discussão, completamente fora do debate político parlamentar ou do argumentário a que normalmente assistimos no âmbito dos Partidos políticos (reparem que ainda uso as maiúsculas para algumas palavras que me ensinaram ser importantes para a democracia), mas não posso deixar em claro aquilo que é um atropelo claro à História. O que estes dois partidos pretendiam fazer era “esconder” da exposição uma parte relevante da nossa História (a nossa História não foi sempre em democracia, certo?) e fazendo-o, ainda que inadvertidamente (embora não me acredite que assim seja), impedem que todos os seus visitantes se possam interessar por conhecer a vida daquelas pessoas e saber as razões/circunstâncias/condições da sua participação no regime ditatorial em que Portugal viveu durante parte considerável do Século XX. Li também um argumento ridículo em que se mencionava a não utilização dos bustos de Hitler ou Mussolini em exposições na Alemanha e na Itália e perguntei a mim mesmo, se esta vontade enorme que alguns têm de esconder os horrores da História (maiores ou menores), não permitirá, a médio prazo, que novos horrores se estabeleçam sem que estas pessoas se apercebam.

Expor um busto de um ex-Presidente da República não pode ser visto como um acto político de glorificação. A Assembleia da República ao aceitar (e bem na minha opinião) receber esta exposição não está a condecorar ninguém pelos seus extraordinários feitos. Está sim, e muito bem uma vez mais, a dar a conhecer a História de Portugal e da sua República (que é já centenária e se bem me recordo com uma centena de anos bem comemorados no Palácio de São Bento). A História é muitas vezes usada para fins políticos, mas 40 anos depois do 25 de Abril já deviam ter chegado para vivermos melhor com o nosso passado, não vos parece? E há diversos (e bons) historiadores portugueses que já publicaram bons trabalhos sobre o tema que os senhores deputados (todos) podiam fazer o favor de ler.

No que me diz respeito preferia duas mil vezes explicar ao meu filho quem eram os presidentes em causa, do que lhe justificar o espaço em branco na exposição. E vocês? Que preferiam?

© Imagem: DANIEL ROCHA – Público