by Alexandre Matos | Dez 17, 2015 | Cultura, Documentação, Eventos, Museus
A máxima, completamente inútil, que nos diz que não devemos voltar a um lugar onde já fomos felizes é absurda! Não o fazer é exactamente o mesmo que não comer uns ovos moles em Aveiro, com medo que não nos saibam exactamente como os que provamos pela primeira vez, ou seja, é ridículo.
Esta foi já a quarta visita que tive oportunidade de fazer ao Brasil. A primeira, é justo dizê-lo, foi a melhor. Estava de férias a celebrar um dos momentos mais felizes da vida pessoal! As restantes foram todas a trabalho, no entanto, permitiram-me descobrir um novo mundo, conhecer novos amigos, ver uma realidade diferente, aprender… É isso mesmo, aprender é o que tenho tido a oportunidade de fazer nestas minhas idas ao Brasil.
A última decorreu no final do mês passado e príncipio deste e possibilitou um novo pin nas cidades visitadas: Goiânia, capital do estado de Goiás, ali a a 200 km de Brasília. Uma cidade pequena no Planalto Central brasileiro com “apenas” um milhão e meio de habitantes onde tive a oportunidade de conhecer um pouco do imenso trabalho que uma Universidade local está a realizar no âmbito da reorganização dos seus museus. A visita foi curta, mas muito interessante porque percebi algo que depois confirmaria durante a restante semana e meio de trabalho: uma preocupação imensa com a gestão das colecções e com a sua segurança e salvaguarda, reflectida num investimento sério nos equipamentos que as permitem.

Imagem: Reserva Técnica do Museu Antropológico da UFG

Cidade Maravilhosa
A segunda paragem foi na Cidade Maravilhosa: Rio de Janeiro! O programa incluía uma paragem na UNIRIO¹, para uma palestra no mais antigo curso de Museologia do país (uma honra e um prazer para este vosso amigo), e a participação no seminário do COMCOL Brasil sobre Gestão e Desenvolvimento de Colecções. Sobre este evento escrevi um texto que será publicado no próximo boletim do ICOM Portugal (colocarei aqui o link assim que tiver sido publicado) e não me alongarei mais do que o necessário para dizer que foi interessante ao ponto de me ter decidido a mudar a segunda filiação nos comités internacionais do ICOM para o COMCOL. Já sobre a palestra, ou aula, na UNIRIO gostaria de referir uma ou duas coisas.
A museologia no Brasil teve nos últimos anos um desenvolvimento assombroso. Há um investimento forte na formação nesta área e têm surgido diversos cursos (licenciaturas, bacharelatos, mestrados e mais recentemente doutoramentos), acompanhando, de resto, um investimento notório na criação de novos museus, na restruturação de museus existentes ou mesmo na definiçãode políticas para os museus e colecções, por parte dos organismos federais, estaduais e municipais responsáveis. Desse investimento resultou, ou está a resultar, uma comunidade de profissionais de museus muito capaz, com formação técnica elevada, com acesso à profissão em diversos museus ou projectos de museus (ao contrário do que acontece por cá) e, em boa parte, com apoios para a participação em fóruns de discussão internacionais das mais diversas áreas envolvidas na profissão. Este desenvolvimento, como é óbvio, não resolve ou resolveu todos os problemas da comunidade museológica brasileira. No entanto, quando nos sentamos numa sala com 30 pessoas (professores, alunos, colegas de museus, etc.) a conversar sobre os desafios que os museus enfrentam na gestão e documentação das suas colecções, é fácil perceber as vantagens que o investimento trouxe para os museus no Brasil e também facilita prever um futuro muito risonho para o sector, mesmo tendo em conta as dificuldades que o país atravessa agora.
Além destes pontos positivos, muito relevantes na minha opinião, percebi também alguns pontos em comum com a realidade portuguesa. Um deles, se calhar o mais óbvio, é a utilização da “crise” como desculpa para limitar ou mesmo eliminar o investimento que estava a ser feito no sector.
No final deste encontro na UNIRIO, antes de um “happy hour” no Sofitel em Copacabana e de um jantar de amigos no restaurante Majorica (aconselho vivamente), anotei no meu caderno de viagem: “muito interessante o que me falaram sobre a realidade dos museus brasileiros. Seria muito interessante discutir, no âmbito da CPLP e comités nacionais do ICOM desses países, o que nos preocupa, une e afasta. Será que poderíamos concertar esforços para pressionar o ICOM internacional nos nossos interesses comuns, por exemplo?”

São Paulo
O restante tempo desta viagem ao Brasil foi passado em São Paulo em trabalho imersivo e intenso, sobre o qual falarei com mais detalhe no futuro, com amigos e colegas do Museu da Imigração, do Museu da Casa Brasileira e da Pinacoteca.
Destes três museus só conhecia a Pinacoteca (Pina para os amigos) e já tinha falado sobre este impressionante museu de São Paulo aqui, mas desta vez tive a oportunidade de conhecer um pouco mais e perceber a enorme e competente equipa que o museu tem. Um privilégio devo dizer.
Na última visita tinha marcado como coisas para fazer a visita ao Museu da Imigração, mas na visita que tive a oportunidade de fazer agora, percebi porque não o fiz. É um museu mais deslocado do centro, na zona leste de São Paulo, com um acesso mais complicado porque fica numa rua que é interrompida a meio pela ferrovia. O táxi que me levou lá demorou quase uma hora a encontrar o museu, mas devo dizer que entramos na rua do Museu, do lado errado da ferrovia, passado 20 minutos de sair do hotel 🙂
Apenas queria deixar uma nota sobre o museu: este é um dos poucos museus que São Paulo não pode dispensar nunca. É uma cidade que é construída por diversas vagas de imigração ao longo dos séculos e por isso é mais do que necessária a existência de um museu que tem a seguinte missão:
Promover o conhecimento e a reflexão sobre as migrações humanas, numa perspectiva que privilegie a preservação, comunicação e expressão do patrimônio cultural das várias nacionalidades e etnias que contribuem para a diversidade da formação social brasileira.
O Museu da Casa Brasileira explora as temáticas da arquitectura e design. É casa de um dos mais reputados prémios de design no Brasil, o Prémio Design MCB. Está neste momento instalado numa antiga residência de Fábio da Silva Prado, antigo Prefeito de São Paulo, situada numa zona de ampliação da cidade decorrida na primeira metade do século XX na zona do Rio Pinheiros. É um museu onde conseguimos ter uma visão sobre a história da casa brasileira, do design e, ao mesmo tempo, de uma parte muito interessante da história de São Paulo. Aconselho vivamente a visita.
Em cada um destes museus tive a oportunidade de aprender muito sobre a história de São Paulo e do Brasil. Como disse acima, estas viagens têm sido momentos muito interessantes de aprendizagem e partilha. Fazem-me sempre pensar nas razões que nos levam a esquecer de ensinar e estudar a História do Brasil após a declaração de independência e no quão útil seria a ambos países uma maior partilha sobre a nossa raiz cultural comum.
Queria, por fim, deixar uma recomendação para quando visitarem São Paulo. Não deixem de ir assistir a um concerto à Sala São Paulo. Eu já o queria ter feito noutra altura, mas não consegui. Desta vez tive a oportunidade de assistir a um concerto da orquesta residente e de comprovar a beleza visual e a impressionante acústica de uma das melhores salas de música do mundo.

Sala São Paulo
1 Um especial agradecimento ao Gabriel Bevilacqua Moore, colega do CIDOC e à Elizabete Mendonça, professora na UNIRIO pelo convite.
by Alexandre Matos | Jul 2, 2015 | Debate, Museus
É oficial! A partir do próximo dia 1 de Agosto teremos um museu do extinto IMC (Instituto dos Museus e Conservação) tutelado por uma Câmara Municipal. A notícia não é nova e já há algum tempo o assunto era comentado em diversos meios (redes sociais, conferências, encontros, jornais, etc.) e a tutela da Cultura já tinha assumido que seguiria esta linha de actuação em todos os casos onde houvesse demonstração de interesse por parte das autarquias.
Em causa está o Museu de Aveiro, frequentemente chamado Museu de Santa Joana em Aveiro, muito por causa da ligação umbilical que os aveirenses, cagaréus ou ceboleiros, têm com a a santa padroeira da terra, a filha de Afonso V, Princesa Santa Joana que está sepultada no coro baixo do antigo Convento de Jesus, actual Museu de Aveiro. Devo dizer, antes de mais, que a minha relação com este museu poderá prejudicar a minha objectividade na análise desta questão, mas tentarei, acima de tudo, transmitir as minhas reflexões sobre o tema (municipalização dos museus) sem particularizar mais do que o necessário.
A dança das tutelas
Em Portugal sofremos de uma forte necessidade de alterar as coisas. Fazemos estas alterações de forma constante, e grave, em diversos sectores. Na educação fazemos reformas de ano para ano, na saúde é tão constante que eu fico perdido sem saber o que chamar ao Centro de Saúde da minha área de residência, o sistema fiscal muda de tal forma que de ano para ano temos que fazer uma especialização em fiscalidade para perceber que impostos devemos pagar, quando devemos pagar e por que meios os devemos pagar.
A Cultura não é, infelizmente, excepção. Desde que trabalho em museus (1996) já tivemos a tutelar os museus e a política museológica nacional o IPM (até 1992 existia o IPPC), o IMC e agora a DGPC. Mudamos, em menos de 25 anos, de uma política que centralizava todo o património histórico e cultural numa só tutela, para políticas definidas para cada área específica (IMC, IPPAR, IPA, etc.), e depois voltamos ao local de partida. Fizemos esta mudança apenas, em meu entender, por motivos financeiros e sem qualquer avaliação ao trabalho realizado no modelo prévio. Seria aquilo que poderíamos chamar de política do cofre cheio ou cofre vazio. Estando cheio criamos novos organismos, mais específicos, estando vazio, toca a encolher o estado, porque é gordo e tem colesterol, mas nem sequer vemos se é colesterol bom ou mau. Corta-se e pronto!
Nesta dança de tutelas, motivada agora por questões financeiras, o estado central encontrou o pretexto ideal para desagregar o conjunto de museus que era tutelado pelo IMC: a descentralização! Um dos chavões políticos mais caros para o bolso dos contribuintes e dos que menos resultados tem dado, se verificarmos, a título de exemplo, a autonomia limitada das direcções destes museus. Nessa tentativa de descentralização entendeu-se que seria melhor que alguns museus, deveriam ser tutelados pelas Direcções Regionais de Cultura (um organismo descentralizado que depende directamente da Secretaria de Estado da Cultura) tendo em conta o carácter menos significativo desses museus. A justificação dada era exactamente essa: esta alteração organizativa “Permite que nos concentremos nos museus mais significativos“.
Nem sequer entrarei aqui na velha questão da geografia associada aos museus “mais significativos”. É um facto com que vivo bem, devo dizer. Mas contesto veementemente a classificação arranjada para justificar esta mudança tutelar. E contesto, da mesma maneira, uma mudança em que a tutela se mantinha (todos se mantinham dependentes da SEC), mas que introduzia critérios de gestão, programa, políticas, etc. distintos de acordo com os interesses, políticas e perspectivas de cada Direcção Regional de Cultura, sem que um organismo mais especializado na área do património cultural (que tem como obrigação definir e implementar a política museológica nacional) tivesse uma palavra a dizer, pelo menos formalmente, no que diz respeito a museus dependentes do estado central.
A minha posição nesta matéria não é, devo dizer, contra uma reorganização administrativa dos museus e das suas tutelas. Devo dizer até que é/era bastante favorável a essa reorganização do “tecido museológico português”, no entanto, não me acredito que esta possa/deva ser feita de forma fechada, sem a participação de directores, profissionais, associações do sector, tutelas (estado central, direcções regionais, autarquias, empresas, associações, fundações, etc.) e sem uma discussão participada pelo maior número de cidadãos interessados nesta matéria.
A municipalização dos museus
As autarquias não são o mal da nação! Aliás eu sou um defensor acérrimo do papel das autarquias actualmente e do papel importantíssimo que desempenharam ao longo da História do país. Conheço várias que têm feito um trabalho notável na área e de cabeça poderia citar os casos de Penafiel, Santa Maria da Feira, Portimão, Seixal, Vila Franca de Xira, Ílhavo, entre alguns outros como exemplos internacionais de sucesso. Vejo com naturalidade o desejo dos autarcas e das populações de determinado concelho de criar museus e instituições que preservem e promovam a sua história, tradições e cultura. Vejo-o ainda com mais naturalidade se esse desejo se incluir num plano maior de desenvolvimento do território, no qual o museu é uma das peças, juntamente com a oferta turística, as condições de alojamento, a preocupação com a educação, etc. Portanto não vejam neste meu texto, qualquer opinião menos favorável aos museus municipais ou à tutela municipal dos museus, certo?
Pese embora essa minha opinião favorável sobre as autarquias, não posso estar de acordo com o processo de municipalização dos anteriores museus tutelados pelo IMC e procurarei, de seguida, explicar as minhas razões de forma sucinta.
Em primeiro lugar a minha discordância tem a ver com o caracter e propósito de diversos museus que poderão vir a passar pelo mesmo que acontece em Aveiro. O Museu de Aveiro e as suas colecções, bem como o Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa (que não sei se poderá passar por este processo também), ou mesmo os museus da Guarda e de Lamego têm nas colecções bem mais do que uma representação do território concelhio em que se situam. No caso de Braga, se bem me recordo, as suas colecções integram um conjunto de bens arqueológicos de todo o norte do país. Ora imaginem que, apenas por casmurrice, que uma das autarquias do norte do país não concordasse com que a gestão de património arqueológico encontrado no seu território fosse feita por uma autarquia vizinha. Não teria direito a pedir a restituição desse espólio? Quem fala de arqueologia poderia falar sobre outro tipo de património. Esse caracter regional, nalguns casos mesmo nacional, do museu e das suas colecções é um dos obstáculos que encontro neste processo.
Um segundo ponto tem que ver com uma “canibalização” dos museus já tutelados pelas autarquias interessadas neste processo. Em Aveiro, por exemplo, o que acontece à restante rede museológica do concelho? O Museu da Cidade de Aveiro fica em que ponto, como se posiciona, agora que entra na rede o Museu de Aveiro? Dir-me-ão que são museus distintos, que um não é um museu da cidade, mas isso leva-nos ao caracter do museu e sobre essa questão falei no parágrafo anterior. São diferentes sim, mas por isso é que eu acho que dificilmente podem ter a mesma tutela, mantendo as características actuais. Haverá casos, como as Caldas da Rainha ou a Nazaré, em que a questão não se colocará da mesma forma, mas não os conheço tão bem para afirmar que uma tutela municipal possa ser viável. No entanto, julgo que o Museu José Malhoa ou a Casa-Museu Anastácio Gonçalves teriam a ganhar se estivessem sob uma mesma tutela, não vos parece? Ainda que fosse a Direcção Regional de Cultura…
Por último, a minha discordância com esta alteração de tutelas, prende-se com a falta de visão estratégica de médio e longo prazo para os museus. Não é mal de que o país padeça só com este governo, antes pelo contrário, mas este governo e a reacção à crise económica contribuiu para um desinvestimento total no sector dos museus e, consequentemente, para uma delapidação do bom trabalho que a Rede Portuguesa de Museus fez (e poderia estar a fazer).
Apenas como nota final, esperando que seja apenas uma nota final, notem que a reunião da Câmara Municipal de Aveiro na qual se aprovou, por votação, a delegação de competências no município, não contou com a presença do vereador da cultura de Aveiro tal como é noticiado aqui. Será de nos preocuparmos?
* A Associação de Amigos do Museu de Aveiro é também contra este processo. E os argumentos parecem-me também de ter em conta.
Imagem: David Machado (Own work) [CC BY-SA 3.0], via Wikimedia Commons
by Alexandre Matos | Jun 23, 2015 | Conferências, Debate, Museus, SPECTRUM PT
Nunca um título de um post meu resumiu de forma tão linear alguns dos tópicos que mais me interessam. Design, tecnologia, comunicação em museus é o tema do MUX.2015 – Museus em experiência que terá lugar na Universidade de Aveiro (com entrada livre… toca a aproveitar) nos próximos dias 29 e 30.
Este encontro, que é uma organização conjunta do DECA – Departamento de Comunicação e Arte e dos Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia da UA, pretende “… reunir especialistas, investigadores e profissionais nas áreas da museologia, do design, das ciências e tecnologias da comunicação para debater e refletir sobre o presente e o futuro da relação entre a museologia e da museografia em Portugal.” E como se tal não bastasse para despertar o vosso interesse, acrescenta ainda a organização: “A integração a montante do design e das tecnologia da comunicação nas estratégias museológicas é cada vez mais determinante para cativar e envolver novos públicos de uma forma mais interativa com os artefactos, os temas e as narrativas museológicas.”
Do programa permitam-me que destaque (sem qualquer desprimor para as restantes intervenções) a participação de Sam Brenner (Interactive Media Developer na Cooper Hewitt, Smithsonian Design Museum) pela oportunidade de ouvirmos alguém de uma instituição que tem sido determinante na mudança de paradigma na relação entre museus, web e tecnologia (incluíndo aqui também o design e a comunicação). No entanto, há mais… muito mais e com a elevada qualidade com que o DECA nos tem vindo a habituar.
Eu estarei por lá a falar sobre o futuro do SPECTRUM PT (a seguir ao almoço e antes do intervalo é uma maldade que me fazem) e espero pela vossa presença e contributo para o debate que possa suscitar a minha intervenção.
Não percam!
by Alexandre Matos | Mai 28, 2015 | Cultura, Debate, Museus
O rei nu na cultura, post scriptum e uma boa visão como sair da crise em que mergulharam os museus são excelentes contributos para uma reflexão maior sobre o caminho (chamar-lhe caminho até me parece estranho) que segue a cultura e, particularmente, os museus em Portugal. Aconselho a leitura atenta a todos e confesso que subscrevo, quase literalmente, os excelentes artigos de Raquel Henriques da Silva, Maria Vlachou e Luís Raposo. Antes de lá irmos, deixem que recorde bons tempos.
Trabalhar num museu nunca foi um sonho de criança. Foi mais um feliz acaso do destino que me retirou, felizmente, a possibilidade de passar anos a penar num banco ou empresa de seguros. No entanto, quando comecei a trabalhar no Museu de Aveiro percebi que era exactamente aquilo que eu procurava. Apaixonei-me pelo museu, pelo trabalho do museu, pelas perspectivas que se abriam na conjugação entre a investigação em História e a partilha do trabalho que daí resultava. Nesses anos, se bem se recordam, davam-se os primeiros passos para a discussão daquilo que viria a ser concretizado em 2000 na estrutura de projecto, dependente do IPM, para a criação da Rede Portuguesa de Museus e viviam-se tempos em que o futuro dos museus se construía com bons profissionais, formação, investimento, alguma estratégia e planeamento e, ainda que algum desbaratado, algum dinheiro para investir em estruturas (na criação de novos museus ou requalificação de outros existentes). Não se pode afirmar que era um tempo de vacas gordas, tal nunca aconteceu nos museus portugueses, mas era um tempo de esperança, de discussão aberta, de debate, de partilha, no qual também se cometeram erros (alguns graves e sem solução ainda), mas se criaram as bases para a aprovação por unanimidade e publicação da Lei Quadro dos Museus.
Depois de tempos como aqueles seria expectável, pelo menos, que lhes seguiriam novas conquistas, melhores condições, mais participação dos profissionais em decisões estruturais, mais e melhor formação, equipas em consonância com as reais necessidades dos museus, das suas colecções e das suas audiências, a aplicação da Lei Quadro dos Museus, uma rede portuguesa de museus forte e em expansão, colecções estudadas e comunicadas devidamente, o foco dos museus e das suas missões centrado nas suas audiências, entre outras. Mas, em boa verdade, o que temos não é uma realidade melhor. As condições são piores, a participação dos profissionais de museus em decisões estruturais é “esquecida”, a formação é focada apenas em estudos avançados (mestrados e doutoramentos) esquecendo, quase por completo, a formação técnica, as necessidades de pessoal são completamente negligenciadas pelas tutelas, e os reflexos disso são notórios em muitos museus, a rede portuguesa de museus mantém-se à tona graças ao enorme esforço de um conjunto extraordinário de colegas muito persistentes e competentes, o estudo das colecções, a sua comunicação e o foco nas audiências acabam por ser prejudicados pelo contínuo desinvestimento no sector e pela endémica dificuldade em definir estratégias e planos de médio e longo prazo.
Em conversas com amigos de outras áreas sobre os problemas do sector perguntam-me muitas vezes porque me esqueço das “culpas” das pessoas que aí trabalham. A minha resposta é sempre a mesma: “nunca tivemos uma geração tão competente e bem formada como a actual a trabalhar nos museus e património cultural. Mas depende pouco da sua competência, infelizmente, a definição de uma política para o sector”. E tento explicar-lhes: “Claro que há gente incompetente (há em todos os sectores), mas a maior parte é competente, sabe fazer e sabe, conforme podemos ver por alguns exemplos que estão em lugares de chefia, liderar, planear, definir estratégia e mandar fazer! O grande problema, na minha opinião, é que não é tida em conta, como se vê, em grande parte, nas grandes polémicas noticiadas (Crivelli, Coches, Miró, Museu Nacional de Arqueologia, greves, etc.), na definição de uma política cultural de museus definida para além da castradora legislatura de 4 anos. Aliás a “festa” do Museu dos Coches é ao brio e competência da equipa do museu e outros técnicos da DGPC que se deve, não a uma decisão do Ministério da Economia ou a uma política cultural séria.
A nossa “culpa” será não exigirmos, de forma mais corporativa se quiserem, a definição de uma política de médio e longo prazo a partir da qual se possam traçar estratégias, planos, objectivos que permitam uma avaliação séria e fundamentada do desempenho de todos envolvidos no sector. Podemos até pensar que é uma visão ingénua, mas não será exequível?
Se houvesse uma política cultural forte, pensada de forma inclusiva não evitaríamos muitos dos nossos problemas?
Algumas reflexões sobre este assunto aqui, aqui e aqui.
E este artigo na Visão também me parece interessante e revelador!
E um artigo também muito interessante da Maria Isabel Roque sobre o (não) Museu dos Coches no a.mus.arte!
by Alexandre Matos | Dez 31, 2014 | Geral, Museus, SPECTRUM PT
Foi um bom Ano. Cheio de novos projectos, concretização de alguns outros, continuação de outros. Para o Ano espero que continue assim, aliás que melhore em alguns pontos e certamente será quase um ano perfeito.
Este foi o ano em que concretizei (melhor dizendo, concretizamos), com a ajuda de bons amigos e de várias instituições que acreditaram no projecto, a primeira fase da implementação da norma SPECTRUM em Portugal e no Brasil com a publicação, em Agosto, da tradução e adaptação da norma, em versão digital e impressa. Um trabalho que seria impossível sem a preciosa ajuda de muitos (não nomeio todos(as) para não correr o risco de me esquecer de alguém… desculpem), mas para o qual foi essencial o empenho do amigo Gabriel Bevilacqua Moore.
Foi o ano em que comecei a colaborar, de forma mais estreita, com a Universidade onde aprendi muito do que sei sobre museus e museologia.
Foi o ano em que conheci uma quantidade enorme de excelentes profissionais de museus do Brasil. Uma comunidade vibrante, com vontade de mudar e melhorar os museus brasileiros que me fez lembrar os anos da criação da nossa RPM e aquilo que imaginávamos ser o futuro dos museus portugueses. Gente boa que me acolheu de braços abertos e com quem aprendi muito mais do que aquilo que partilhei. Entre eles ganhei novos amigos (e isso é o mais importante).
Foi o ano em que verifiquei que a comunidade profissional de museus tem uma resiliência notável. Já o imaginava, mas o teste este ano foi duro para muitos e ainda assim não vi ninguém virar a cara aos problemas. E foram alcançados feitos notáveis nos museus portugueses este ano, tendo em conta todos os constrangimentos sobre eles.
Para o ano espero que todos os meus colegas e amigos, assim como os museus e instituições onde trabalham consigam alcançar os seus objectivos e fazer, se é que é possível, ainda melhor do que este ano. Será certamente um ano difícil, mas creio que, enquanto comunidade, estamos mais do que à altura das circunstâncias.
Um excelente ano para todos!
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by Alexandre Matos | Nov 21, 2014 | Debate, Eventos, Museus
A chegar ao fim de Novembro, depois de três meses intensos e quase sem tempo para nada, cansado fisicamente, mas intensamente mais rico graças à participação num conjunto de eventos importantes.
Logo a abrir Setembro, depois de um Agosto intenso em São Paulo, foi o CIDOC 2014, em Dresden, que a Juliana Monteiro descreveu maravilhosamente no Speaker’s Corner e onde tive a oportunidade de participar numa importante reunião sobre o desenvolvimento da norma SPECTRUM que já se encontra publicada e disponível em Português. Escreverei, quando tiver mais dados, um artigo sobre o desenvolvimento da norma para que o possam comentar.
Chegado de Dresden (uma cidade estranha, devo dizer), foi tempo de começar a preparar o I Congresso Internacional de Museologia Militar que a Sistemas do Futuro organizou com o Exército Português. A ideia do congresso surgiu através da parceira que a empresa e a Direcção de História e Cultura Militar (DHCM) mantêm no projecto da Rede de Museus Militares (inventário e gestão das colecções do Exército) e da necessidade de discutir um conjunto de assuntos comuns a todos os museus, mas que a instituição militar, devido à sua missão, trata de forma diferenciada. O programa do congresso foi abrangente, em meu entender, e permitiu a discussão generalizada, com diferentes pontos de vista (principalmente os trazidos pelos convidados internacionais), sobre os diferentes tópicos lançados pela comissão científica. Não posso deixar de destacar, entre muitas outras, a singular expressão “necessidade de guerrilha museológica”, utilizada na apresentação do General Silvestre António Francisco (Diretor do Museu Nacional de História Militar de Angola), aludindo à defesa da importância dos museus na sociedade e no seu desenvolvimento e transformação. Uma expressão que passei a usar, sempre que me perguntam o que será necessário para mudar o actual panorama desnorte museológico (cultural?) português. Em breve será publicado um texto, da minha responsabilidade, com um resumo alargado do congresso.
Passado o congresso foi tempo de reunir forças para começar a preparar outros dois momentos de discussão: o III Encontro de Centros de Documentação em Museus, organizado pelos colegas da Câmara Municipal de Loures (link quebrado), e o Seminário de Investigação do Doutoramento em Museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto sobre Processos de Musealização (em boa verdade a preparação deste último decorria ao mesmo tempo que os anteriores).
No primeiro destes eventos participei com uma comunicação intitulada “Objectos, Livros, Documentos e uma Lingua Franca” que tinha como objectivo suscitar a reflexão sobre a necessidade premente da existência de um elo forte que permita a comunicação, mais do que a simples pesquisa, e o acesso integrado entre estes instrumentos de memória e história que Museus, Bibliotecas e Arquivos guardam. Não sei se terei conseguido o intento, mas as diversas conversas tidas ao longo do dia com os restantes colegas e a discussão gerada na sala durante as diversas apresentações foram mais do interessantes. Além do mais é sempre um prazer aprender mais com os restantes participantes e oradores. Tempo muito bem empregue.
O seminário da FLUP sobre Processos de Musealização decorreu já este mês, entre os dias 5 e 7. É o primeiro em que participo na condição de Professor Afiliado da casa e devo dizer que, apesar da complexidade da organização (só possível de concretizar graças ao empenho da Teresa Azevedo) e do processo de selecção dos artigos e comunicações, foi uma experiência excelente. Conforme poderão ver o programa foi intenso e interessante. Desde logo um formato que me agradou bastante foram as sessões tutoriais onde se pediu aos alunos de doutoramento de museologia da FLUP um texto e apresentação sobre o trabalho de investigação que têm desenvolvido para ser discutido pelos colegas e por um conjunto de professores. Na sessão tutorial que coordenei com a Alice Duarte, da linha de investigação Museus, Colecções e Património, acederam ao nosso convite os colegas Sérgio Lira, Adelaide Duarte e Filomena Silvano (um enorme obrigado uma vez mais) e os nossos alunos tiveram a possibilidade de discutir metodologias, estrutura, bibliografia, instrumentos, etc. que estão a utilizar através da análise e crítica de outros olhos, antecipando de certa forma a discussão pública que terão pela frente na conclusão dos seus projectos. Além deste importante momento contamos também com diversas apresentações, nas sessões do seminário, de diferentes projectos, estudos, etc. de muitos investigadores de outras universidades com abordagens muito interessantes sobre diferentes temas da investigação em museologia. Os keynote speakers que convidamos foram a cereja em cima do bolo, mas infelizmente, por motivos de agenda, só o posso dizer por aquilo que me contaram, dado que não consegui estar presente em nenhuma destas conferências. Foram também realizados um conjunto de workshops, cuja avaliação não posso fazer, porque organizei o único em que participei e não me ficaria bem ser juiz em causa própria. Espero que algum leitor que tenha participado o faça comentando este post, ok?
Ainda tive a oportunidade de moderar, a convite da Acesso Cultura, o debate sobre Domínio Público e Direitos de Autor que decorreu na Casa do Infante (com a “costumeira” sessão paralela em Lisboa) na qual tivemos como convidado Nuno Sousa e Silva, jurista e professor na Universidade Católica, que se tem especializado neste tema e que conseguiu, como ninguém, explicar temas jurídicos densos a não especialistas na matéria. Um debate que, segundo creio saber, terá continuidade num curso sobre o tema que a Acesso Cultura está a organizar.
Pelo meio de toda esta actividade ainda consegui encaixar (a custo) o reinício dos trabalhos de tradução dos SPECTRUM Advices para Português, consolidando a parceria entre os colegas do Brasil que participaram na revisão e publicação da tradução da norma e o Grupo de Trabalho de Sistemas de Informação, com a preciosa colaboração de excelentes profissionais de informação daquele grupo e, também, iniciar/retomar um conjunto de novos projectos e dar continuidade a outros decorrente do trabalho na Sistemas do Futuro que abordarei noutros textos.
Entre tanto que fazer não deixei de continuar a ler as notícias e ficar estupefacto como a crise bancária afecta importantes colecções portuguesas, como a da Fundação Ricardo Espírito Santo, ou como a crise (continuada) política afecta a gestão de um conjunto de museus que continuam sem saber com que contar no futuro (andam de tutela em tutela) e ainda como, apesar de tudo, o esforço de um conjunto de colegas e bons profissionais consegue manter de pé aquilo que resta da Rede Portuguesa de Museus dando continuidade à creditação de alguns museus.
É o estado das coisas. Até ver pelo menos!