by Alexandre Matos | Jan 30, 2025 | Documentação, Museus
O prometido é devido, já lha dizia o grande Rui Veloso na canção. Ora assim sendo, aqui vai o segundo post desta nova vida do Mouseion. Desta feitasobre os diferentes tipos de documentação que devemos encontrar nos museus sobre as suas coleções.
A documentação em museus é um processo abrangente e multifacetado que vai muito além do simples inventário ou cadastro de objetos. Para garantir a gestão eficiente das coleções, os museus utilizam diversos tipos de documentação. No post desta semana, exploraremos os principais tipos de documentação e como eles se complementam.
Inventário e/ou cadastro
Não há como começar por outro tipo de documentação. É uma lista exaustiva de todos, repito, todos os objetos que estão à guarda do museus em determinado momento. Desde que haja uma responsabilidade legal sobre determinado objeto, o museu terá que saber dar resposta a questões muito simples que devem fazer parte de qualquer inventário ou cadastro (o nome é indiferente e podem escolher o que melhor vos aprouver). As questões a que deve saber responder com este tipo de documentação são:
O que é? Onde está? Como é? Como está? De quem é?
Para o fazer o museu precisa de ter uma lista (um excel desta vida, senhores) com informação do número de identificação do objeto (número de inventário, número de cadastro, número de entrada, etc.), informação sobre a localização do objeto atualizada e credível, informação sobre as suas características fisícas (dimensões, materiais, informação intrínseca ao objeto, como marcas específicas e importantes para a sua identificação), informação sobre o estado de conservação e informação sobre a instituição que detém a propriedade do mesmo.
Ajuda imenso, claro está, ter o número de inventário no excel, mas não esquecer de o marcar no objeto, ok? E já agora, uma fotografia. Hoje em dia são baratas, simples de usar e como o código-postal, são “meio caminho andado”!
Depois deste (que deve ser condição obrigatória para uma instituição se chamar museu ou poder guardar património cultural, partimos para outros patamares.
Documentação de aquisição ou incorporação
Deve ser feita quando um objeto entra na coleção de um museu, ou melhor, no processo de entrada de um objeto num museu. Sempre. No entanto, e como bem sabemos, há museus que têm uma enorme lista de pendências para resolver sobre a documentação de incorporação das coleções existentes e por isso é necessário criar procedimentos para o que entra de novo e procedimentos e planos para o que já existe, mas a instituição não tem como provar a sua posse. Os procedimentos de aquisição e documentação retrospectiva podem ser encontrados na norma spectrum (ide e lede) que a versão 4 chega e está já em Português), mas é necessário procurar planear a recuperação das pendências e ter em conta que para as novas incorporações não nos esquecemos de guardar informação sobre:
• a origem do objeto (proveniência anterior)
• a data de aquisição/incorporação
• as condições de aquisição/incorporação, ou seja a descrição do tipo e incporação (compra, doação, escavação arqueológica, entre outros) e informação associada
• a documentação legal, como contratos ou termos de doação
Provar a posse das suas coleções é quase tão importante como o inventário, em termos de documentação! Não existindo informação sobre a incorporação das coleções, o museu sujeita-se a ter pedidos de herdeiros para devolução de objetos ou manter objetos com origem duvidosa na sua posse, para citar apenas dois exemplos.
Catalogação
A catalogação é o processo de organização da informação de uma coleção para a criação do seu catálogo. É o processo mais demorado e exigente da documentação em museus, na minha opinião. Procura combinar e organizar a informação intrínseca e extrínseca sobre cada objeto e sobre as entidades, eventos, documentos e procedimentos a ele associados. É essencial para permitir a construção de um sistema de conhecimento sobre cada coleção que possa ser utilizado para a gestão da coleção, para a criação de narrativas pelo museu, para a organização de exposições, entre muitas outras actividades museológicas.
São aqui registadas de forma detalhada informações como:
• Descrição física (tamanho, material, técnica)
• Autores e outras entidades relacionadas
• Função ou uso
• Datação e período histórico
• Local de origem
• Proveniências (as anteriores à de incorporação)
• Informação de contexto (arqueológico, produção, etc.)
• Fotografias do objeto
• Entre muitas outras informações que dependem do tipo de coleção
A catalogação implica atualização constante e, consequentemente, manutenção de histórico de informações e registos. É um instrumento fundamental para utilizar as coleções e para as colocar ao serviço dos profissinais de museus e da comunidade.
Documentação de conservação
A documentação sobre os processos de conservação (preventiva e curativa) e a informação sobre o estado de conservação das coleções é outro tipo de documentação que importa acautelar e planear cuidadosamente. Não o fazer é deixar ao acaso a manutenção e preservação do património cultural que guardamos nos nossos museus. Deve ser sempre encarada como prioritária nos planos de documentação e nas políticas ao de documentação estabelecidas pelos museus.
Um bom sistema de informação num museu tem sempre acautelada a documentação da actual condição física e funcional dos objetos e mantém um histórico de informação sobre a evolução do estado desde que um objeto é incorporado. O registo de todas as intervenções de restauro é também fundamental. Assim a documentação de conservação deve incluir:
• Condição atual do objeto (e histórico de estados)
• Intervenções de conservação realizadas (limpeza, restauro, etc.)
• Recomendações para armazenamento e exposição
Esses registros ajudam a monitorizar mudanças na condição do objeto ao longo do tempo e a tomar decisões que permitam uma eficaz gestão de riscos.
Documentação de utilização das coleções
É um tipo de documentação frequentemente inexistente e que provoca, na minha opinião, um vazio de conhecimento pouco reconhecido. A documentação de utilização das coleções diz respeito à gestão da informação gerada quando um objeto ou grupo de objetos são utilizados, por exemplo quando um objeto é utilizado numa exposição, num estudo científico, numa publicação ou num outro evento, é gerado um conjunto de informação que devemos guardar e organizar. Este tipo de documentação providência dados relativos a:
• Temas e narrativas de exposições ou outros eventos (palestras, aulas, visitas guiadas, etc.)
• Local e duração das mesmas
• Condições de iluminação e clima no espaço expositivo
• Créditos e acordos de empréstimo, no caso de exposições temporárias
• Referências bibliográficas
• Análises físicas (que podem ser destrutivas em alguns casos)
• Outras informações relacionadas com os eventos de utilização das coleções
Documentação jurídica
A documentação jurídica implica tudo aquilo que o museu deve registar e manter atualizado (incluindo aqui também a prova de posse legal de um objeto) que permita garantir que o museu esteja em conformidade com as leis e regulamentos. Este tipo de documentação cuida de registar e gerir informação sobre:
• Títulos de propriedade
• Direitos de autor, de propriedade intelectual, de imagem, etc.
• Acordos de empréstimo e transferência
• Certificados de exportação/importação de peças
Documentação digital
Todas anteriores tipologias de documentação podem ser digitais (eu diria devem ser ou usar ferramentas digitais), mas atualmente temos também um conjunto de informação digital que os museus devem gerir com regras específicas. A própria base de dados ou o sistema de gestão de informação digital usado deve ser documentado (facilita de sobremaneira atualizações ou migrações), mas objetos digitais como fotografias ou digitalizações dos objetos, representações 3D dos mesmos, obras de arte digitais, entre outros exemplos são alguns dos desafios que enfrentamos atualmente.
Além disso, documentar em formato digital tem um conjunto de vantagens que os sistemas analógicos não permitem.
A documentação digital permite e possibilita:
• Armazenar grandes volumes de dados
• Documentar objetos digitais
• Acesso remoto às informações
• Integração com plataformas online, permitindo que o público explore as coleções
A importância da integração
Os diferentes tipos de documentação não devem existir isoladamente. Sao engrenagens de um sistema complexo, mas fundamental para o museu atual. Formam aquilo que é um sistema de gestão e informação de coleções. Um sistema integrado que permite aos museus gerir as suas coleções, o seu arquivo e o seu centro de documentação de forma eficiente, transparente e acessível.
A documentação é o instrumento da verdade. Se os museus são das instituições mais confiáveis relativamente à informação e conhecimento que produzem e divulgam, em muito se deve a ela e aos sistemas de informação que os museus tem vindo a construir ao longo da sua história.
No próximo post abordarei a história da documentação em museus e como ela evoluiu ao longo do tempo.
Continue a acompanhar o Mouseion para mergulhar ainda mais no fascinante universo da documentação museológica.
by Alexandre Matos | Abr 7, 2017 | Colecções, Cultura, Debate, Investigação, Museus
A exposição “A Cidade Global: Lisboa no Renascimento” que há tempos teve a cerimónia de inauguração no Museu Nacional de Arte Antiga teve mais destaque na imprensa do que é habitual nas exposições em Portugal, mas infelizmente pelos piores motivos. A questão dos “falsos” quadros que estão na origem da realização da exposição após a identificação dos mesmos por Annemarie Jordan Gschwend e Kate Lowe como uma “uma vista da Rua Nova dos Mercadores, destruída pelo Terramoto de 1755“, não deveria ser, na minha opinião, a questão central! Mas como tem sido, falemos da sua relação com um tema que me é caro: a documentação em museus.
A argumentação dos “falsos”
Eu não tenho conhecimentos para entrar na discussão sobre a veracidade das obras em causa. Não sou historiador, nem historiador de arte e não tive qualquer acesso às fontes ou às obras para me pronunciar sobre as mesmas e, ainda que o tivesse, escusava-me por completo dessa tarefa. No entanto, gosto de uma boa troca de argumentos quando ela é séria e me apresenta factos ou elementos que sustentem cientificamente uma opinião.
A questão é levantada por Diogo Ramada Curto neste artigo no Expresso onde se interroga “Lisboa era uma cidade global?” utilizando a questão das pinturas para, em meu entender, ligar a produção da exposição a uma visão da História que glorifica o passado imperial e descarta uma outra visão, em que se insere, que se insurge contra uma narrativa que vê como colonialista e centrada no umbigo do mundo representada pela metrópole. Eu percebo a questão e a argumentação, ainda que não concorde, mas voltemos aos “falsos”.
Na mesma edição do Expresso, Miguel Cadete, Alexandra Carita e Hugo Franco, publicam um extenso artigo sobre o assunto onde apresentam os argumentos de DRC, acrescentando algum contexto e outros dados, sob o título “Museu de Arte Antiga abre as portas a obras suspeitas”. Título que dava, por si, um tratado sobre o tema que aqui me traz, mas que, por agora me suscita apenas o seguinte comentário: digam-me um museu, um apenas, que não abre a porta a obras suspeitas? Se não abrir deixa de cumprir uma parte do seu trabalho de análise e investigação da cultura material, não?
Após aquele texto, somos brindados com outro intitulado “Conservadores do Museu de Arte Antiga não se entendem“. No mesmo, imagine-se, alerta-nos o Expresso, pela voz de Miguel Cadete, que há dois conservadores do MNAA que não têm a mesma opinião sobre as obras! Imagine-se o pecado mortal de ter na mesma instituição, dois especialistas com opiniões diversas! Coisa inédita, bem sei! Mas ainda assim feliz e que me parece um bom sinal.
Para que se eliminassem todas as questões, e de acordo com o Expresso uma vez mais, são pedidos exames laboratoriais pelas palavras do próprio Ministro da Cultura (não percebo porque teria de ser ele a fazer esta declaração), seguidos de uma declaração do director do MNAA a indicar que a decisão ainda não tinha sido tomada por causa das devidas autorizações e questões técnicas associadas.
No Expresso ainda sai pouco tempo depois um texto de Ramada Curto sobre a forma como aborda a polémica e sobre a intenção de aproveitamento de uma exposição como instrumento político ao serviço de uma ideia que condena e que me parece nada ter a ver com a questão da autenticidade desta ou daquela obra, mas sim com uma visão mais genérica da questões (não era preciso criticar a autenticidade, para defender a sua tese sobre o tema). Um dia depois Fernando Baptista Pereira publica também este texto onde afirma categoricamente que “os quadros não são falsos!”.
Chegados ao dia da inauguração temos casa cheia e uma notícia no expresso sobre a “Lisboa Global”: Uma polémica local. Um título que diz tudo sobre as questões levantadas e sobre a forma irritadiça que a discussão tomou, ao contrário do que deveria ter acontecido. Afinal o debate, a diferença, a argumentação e contraditório deveriam sempre caber no Museu e na Academia, não é?
E agora em que ficamos?
Passada a polémica, poeira bem assente no chão, ânimos mais calmos, esperamos e temos a notícia do resultado dos exames a um dos quadros, O “Chafariz d’El Rey”, pertença de José Berardo, que confirmam a sua autenticidade e, segundo o Expresso, sabemos que o relatório diz o seguinte:
No que diz respeito à análise dos materiais constituintes e da forma como estes são aplicados esta obra terá sido executada muito provavelmente por pintor de influência ou naturalidade do norte da Europa a partir da 2ª metade do século XVI, época em que se verifica o uso generalizado do pigmento azul de esmalte e se começam a utilizar imprimaduras coradas
Confirma-se então que a hipotese avançada por Ramada Curto e João Alves Dias estavam erradas e que a autenticidade da pintura vai de encontro ao que as comissárias e o museu esperavam.
É aqui que entra a importância da documentação. Havia diversos elementos que nos poderiam confirmar a autenticidade do quadro (ou pelo menos apontar para ela) sem recorrer a exames, como podemos ler no texto de Fernando Baptista Pereira, mas estavam eles documentados pelo museu ou pelo proprietário? E das diversas investigações feitas pelas comissárias para o livro e, mais tarde, pela equipa do museu, que dados existem, onde estão registados, podemos chegar a eles de forma simples?
Continuamos a ter um enorme fosso entre a informação que existe (e é tratada nos museus pelas suas equipas técnicas) e o acesso que é dado a especialistas e público de uma forma geral. Para que esse fosso se esbata ou, mesmo, deixe de existir é necessária uma mudança nas políticas museológicas que reflicta as necessidades da sociedade actual. Essa mudança de políticas não pode ser vista de forma circunstancial ou imediata, mas sim pensada para o médio e longo prazo. O acesso a um conjunto significativo de informação dos museus na Holanda e Reino Unido, para citar dois bons exemplos agora muito louvados, não aconteceu da noite para o dia. Exige anos de trabalho e investimento na aquisição de competências e meios. Esta mudança não a vemos debatida no Expresso, infelizmente.
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Rua Nova dos Mercadores See page for author [Public domain], via Wikimedia Commons
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Chafariz d’El Rey By Anonymous Flemish [Public domain], via Wikimedia Commons
by Alexandre Matos | Mar 29, 2017 | Documentação, Museus, Publicações
Parece que foi ontem, mas na realidade já faz algum tempo, desde que discutimos na sede da BAD o que seria essencial tratar no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Sistemas de Informação em Museus (GT-SIM) que a BAD decidiu criar, em 2012. No entanto, passaram já uns anos e começamos agora a colher o fruto de algumas boas decisões que foram tomadas nessa altura.
Na próxima segunda-feira será apresentado, em Lisboa, aquele que eu considero o maior contributo que este grupo dará ao sector dos museus na área da documentação: o “Diagnóstico aos sistemas de informação nos museus portugueses”. Um trabalho de recolha e análise de informação, com base num inquérito cuidadosamente elaborado por um conjunto de profissionais de museus, bibliotecas e arquivos, onde se procura traçar o retrato da realidade portuguesa sobre os sistemas de informação (não confundir com as aplicações usadas nos sistemas de informação de museus) das instituições museológicas portuguesas.
Este trabalho é um ponto de partida muito importante. É um dignóstico que permitirá informar as tutelas e os técnicos dos museus sobre a realidade nacional. Não pretende apontar caminhos, mas antes mostrar onde estamos e deixar ao cuidado da comunidade museológica as decisões estratégicas a tomar para que o futuro possa ser melhor do que a realidade.
Recordo que várias pessoas presentes naquela primeira reunião na BAD abraçaram este projecto com muita energia, mas o esforço do Jorge Santos e da Conceição Serôdio nesta hercúlea tarefa deve ser aqui registado com destaque, assim como deve ficar registado o trabalho voluntário deles e de um conjunto de colegas sem os quais este trabalho não seria possível.
Deixo-vos abaixo o texto de divulgação do evento que a BAD irá realizar na próxima segunda. Inscrevam-se e participem!
Programa
O Grupo de Trabalho Sistemas de Informação em Museus (GT-SIM), estrutura criada em 2012 no seio da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD), irá realizar no dia 3 de abril de 2017, em Lisboa, no ISCTE-IUL – Auditório Caiano Pereira (Edifício I, Piso 0) a sessão de apresentação dos resultados do “Diagnóstico aos sistemas de informação nos museus portugueses”.
O crescente interesse do público no conhecimento dos acervos museológicos, impulsiona a visão do museu como um sistema de informação e potencia o valor informacional do objeto museológico. Deste modo, o acervo do museu repartido pelos espaços expositivos, reservas, biblioteca/centro de documentação e arquivo exige equipas multidisciplinares, em especial formadas por profissionais de informação: museólogos(as), bibliotecários(as) e arquivistas numa articulação interna dos diferentes setores do museu. Este trabalho conjunto e pluridisciplinar dos(as) profissionais do museu, é a base para a concretização do sistema de informação integrado.
Nesta medida, reveste-se da maior relevância conhecer a realidade portuguesa nesta importante questão da gestão da informação dos acervos nos museus. Foi com este propósito que o Diagnóstico assumiu como objetivo o levantamento e caracterização no que diz respeito às áreas da gestão da informação sobre os seus vários tipos de bens patrimoniais, de forma a possibilitar o desenho de um quadro global desta realidade. Os resultados têm por base a aplicação, no decurso do ano de 2016, de um inquérito por questionário a um conjunto selecionado de museus.
Não deixe de participar!!
A inscrição na Sessão de Apresentação é gratuita, mas obrigatória!
PROGRAMA
15h00 | Sessão de Abertura
João Sebastião (Diretor do CIES-IUL, ISCTE-IUL)
Alexandra Lourenço (Presidente da BAD)
15h20 | Apresentação do GT-SIM
Fernanda Ferreira (GT-SIM)
15h40 | Apresentação e discussão dos resultados do Diagnóstico
Moderadora: Conceição Serôdio (GT-SIM)
Jorge Santos (GT-SIM, CIES-IUL), coordenador do estudo
José Soares Neves (ISCTE-IUL, CIES-IUL), sociólogo convidado
Clara Frayão Camacho (DGPC), museóloga convidada
16h45 | Debate
17h00 | Encerramento
Maria José Moura (Sócia honorária fundadora da BAD)
Conceição Serôdio (GT-SIM)