Tipos de Documentação em Museus

Tipos de Documentação em Museus

O prometido é devido, já lha dizia o grande Rui Veloso na canção. Ora assim sendo, aqui vai o segundo post desta nova vida do Mouseion. Desta feitasobre os diferentes tipos de documentação que devemos encontrar nos museus sobre as suas coleções.

A documentação em museus é um processo abrangente e multifacetado que vai muito além do simples inventário ou cadastro de objetos. Para garantir a gestão eficiente das coleções, os museus utilizam diversos tipos de documentação. No post desta semana, exploraremos os principais tipos de documentação e como eles se complementam.

Inventário e/ou cadastro

Não há como começar por outro tipo de documentação. É uma lista exaustiva de todos, repito, todos os objetos que estão à guarda do museus em determinado momento. Desde que haja uma responsabilidade legal sobre determinado objeto, o museu terá que saber dar resposta a questões muito simples que devem fazer parte de qualquer inventário ou cadastro (o nome é indiferente e podem escolher o que melhor vos aprouver). As questões a que deve saber responder com este tipo de documentação são:

O que é? Onde está? Como é? Como está? De quem é?

Para o fazer o museu precisa de ter uma lista (um excel desta vida, senhores) com informação do número de identificação do objeto (número de inventário, número de cadastro, número de entrada, etc.), informação sobre a localização do objeto atualizada e credível, informação sobre as suas características fisícas (dimensões, materiais, informação intrínseca ao objeto, como marcas específicas e importantes para a sua identificação), informação sobre o estado de conservação e informação sobre a instituição que detém a propriedade do mesmo.

Ajuda imenso, claro está, ter o número de inventário no excel, mas não esquecer de o marcar no objeto, ok? E já agora, uma fotografia. Hoje em dia são baratas, simples de usar e como o código-postal, são “meio caminho andado”!

Depois deste (que deve ser condição obrigatória para uma instituição se chamar museu ou poder guardar património cultural, partimos para outros patamares.

Documentação de aquisição ou incorporação

Deve ser feita quando um objeto entra na coleção de um museu, ou melhor, no processo de entrada de um objeto num museu. Sempre. No entanto, e como bem sabemos, há museus que têm uma enorme lista de pendências para resolver sobre a documentação de incorporação das coleções existentes e por isso é necessário criar procedimentos para o que entra de novo e procedimentos e planos para o que já existe, mas a instituição não tem como provar a sua posse. Os procedimentos de aquisição e documentação retrospectiva podem ser encontrados na norma spectrum (ide e lede) que a versão 4 chega e está já em Português), mas é necessário procurar planear a recuperação das pendências e ter em conta que para as novas incorporações não nos esquecemos de guardar informação sobre:

• a origem do objeto (proveniência anterior)

• a data de aquisição/incorporação

• as condições de aquisição/incorporação, ou seja a descrição do tipo e incporação (compra, doação, escavação arqueológica, entre outros) e informação associada

• a documentação legal, como contratos ou termos de doação

Provar a posse das suas coleções é quase tão importante como o inventário, em termos de documentação! Não existindo informação sobre a incorporação das coleções, o museu sujeita-se a ter pedidos de herdeiros para devolução de objetos ou manter objetos com origem duvidosa na sua posse, para citar apenas dois exemplos.

Catalogação

A catalogação é o processo de organização da informação de uma coleção para a criação do seu catálogo. É o processo mais demorado e exigente da documentação em museus, na minha opinião. Procura combinar e organizar a informação intrínseca e extrínseca sobre cada objeto e sobre as entidades, eventos, documentos e procedimentos a ele associados. É essencial para permitir a construção de um sistema de conhecimento sobre cada coleção que possa ser utilizado para a gestão da coleção, para a criação de narrativas pelo museu, para a organização de exposições, entre muitas outras actividades museológicas.

São aqui registadas de forma detalhada informações como:

• Descrição física (tamanho, material, técnica)

• Autores e outras entidades relacionadas

• Função ou uso

• Datação e período histórico

• Local de origem

• Proveniências (as anteriores à de incorporação)

• Informação de contexto (arqueológico, produção, etc.)

• Fotografias do objeto

• Entre muitas outras informações que dependem do tipo de coleção

A catalogação implica atualização constante e, consequentemente, manutenção de histórico de informações e registos. É um instrumento fundamental para utilizar as coleções e para as colocar ao serviço dos profissinais de museus e da comunidade.

Documentação de conservação

A documentação sobre os processos de conservação (preventiva e curativa) e a informação sobre o estado de conservação das coleções é outro tipo de documentação que importa acautelar e planear cuidadosamente. Não o fazer é deixar ao acaso a manutenção e preservação do património cultural que guardamos nos nossos museus. Deve ser sempre encarada como prioritária nos planos de documentação e nas políticas ao de documentação estabelecidas pelos museus.

Um bom sistema de informação num museu tem sempre acautelada a documentação da actual condição física e funcional dos objetos e mantém um histórico de informação sobre a evolução do estado desde que um objeto é incorporado. O registo de todas as intervenções de restauro é também fundamental. Assim a documentação de conservação deve incluir:

• Condição atual do objeto (e histórico de estados)

• Intervenções de conservação realizadas (limpeza, restauro, etc.)

• Recomendações para armazenamento e exposição

Esses registros ajudam a monitorizar mudanças na condição do objeto ao longo do tempo e a tomar decisões que permitam uma eficaz gestão de riscos.

Documentação de utilização das coleções

É um tipo de documentação frequentemente inexistente e que provoca, na minha opinião, um vazio de conhecimento pouco reconhecido. A documentação de utilização das coleções diz respeito à gestão da informação gerada quando um objeto ou grupo de objetos são utilizados, por exemplo quando um objeto é utilizado numa exposição, num estudo científico, numa publicação ou num outro evento, é gerado um conjunto de informação que devemos guardar e organizar. Este tipo de documentação providência dados relativos a:

• Temas e narrativas de exposições ou outros eventos (palestras, aulas, visitas guiadas, etc.)

• Local e duração das mesmas

• Condições de iluminação e clima no espaço expositivo

• Créditos e acordos de empréstimo, no caso de exposições temporárias

• Referências bibliográficas

• Análises físicas (que podem ser destrutivas em alguns casos)

• Outras informações relacionadas com os eventos de utilização das coleções

Documentação jurídica

A documentação jurídica implica tudo aquilo que o museu deve registar e manter atualizado (incluindo aqui também a prova de posse legal de um objeto) que permita garantir que o museu esteja em conformidade com as leis e regulamentos. Este tipo de documentação cuida de registar e gerir informação sobre:

• Títulos de propriedade

• Direitos de autor, de propriedade intelectual, de imagem, etc.

• Acordos de empréstimo e transferência

• Certificados de exportação/importação de peças

Documentação digital

Todas anteriores tipologias de documentação podem ser digitais (eu diria devem ser ou usar ferramentas digitais), mas atualmente temos também um conjunto de informação digital que os museus devem gerir com regras específicas. A própria base de dados ou o sistema de gestão de informação digital usado deve ser documentado (facilita de sobremaneira atualizações ou migrações), mas objetos digitais como fotografias ou digitalizações dos objetos, representações 3D dos mesmos, obras de arte digitais, entre outros exemplos são alguns dos desafios que enfrentamos atualmente.

Além disso, documentar em formato digital tem um conjunto de vantagens que os sistemas analógicos não permitem.

A documentação digital permite e possibilita:

• Armazenar grandes volumes de dados

• Documentar objetos digitais

• Acesso remoto às informações

• Integração com plataformas online, permitindo que o público explore as coleções

A importância da integração

Os diferentes tipos de documentação não devem existir isoladamente. Sao engrenagens de um sistema complexo, mas fundamental para o museu atual. Formam aquilo que é um sistema de gestão e informação de coleções. Um sistema integrado que permite aos museus gerir as suas coleções, o seu arquivo e o seu centro de documentação de forma eficiente, transparente e acessível.

A documentação é o instrumento da verdade. Se os museus são das instituições mais confiáveis relativamente à informação e conhecimento que produzem e divulgam, em muito se deve a ela e aos sistemas de informação que os museus tem vindo a construir ao longo da sua história.

No próximo post abordarei a história da documentação em museus e como ela evoluiu ao longo do tempo.

Continue a acompanhar o Mouseion para mergulhar ainda mais no fascinante universo da documentação museológica.

A Importância da Documentação em Museus

A Importância da Documentação em Museus

Os museus desempenham um papel vital na preservação da História e das culturas. Uma verdade nunca cansa, não é! Na definição de Museu aprovada em Praga pelo ICOM dizemos:

Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos e ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o património material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Com a participação das comunidades , os museus funcionam e comunicam de forma ética e profissional, proporcionando experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento.

Nova definição de Museu – ICOM Portugal

Nos largos meses em que discutimos esta e outras propostas de definição de museu, incluíndo algumas discussões tidas com colegas do CIDOC, várias vezes pensei no motivo de não estar incluída em qualquer proposta a palavra “documentação” ou “documenta” como reflexo do que entendo ser uma das principais funções museológicas. Sabendo da sua importância, porque não a consideramos na definição e mantemos “… pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe…”?

Nessas conversas quase sempre cheguei à conclusão que não seria necessária essa menção explícita à documentação, exatamente porque está implícita em todas as outras. Ou seja, é impossível pesquisar, colecionar (vá… podemos colecionar, mas à toa), conservar, interpretar e expor sem documentar as coleções nos museus. Assim sendo, a menção é implícita.

Digo frequentemente que o segredo por trás da capacidade de um museu de contar histórias ricas e autênticas está na existência de um sistema de informação que permita a construção de documentação adequada.

Este será um primeiro de uma série de artigos aqui no Mouseion sobre documentação de museus para me obrigar a refletir sobre esta área.

Porque é crucial a documentação em museus?

A documentação em museus é mais do que apenas papéis carregados de poeira e números ou listas de controlo de existências e localizações. É o alicerce que permite que as instituições culturais conheçam as coleções e as partilhem com o mundo. Mas o que a faz crucial para os museus? Eu dividiria as razões da sua importância em alguns pontos:

  1. Acesso ao Conhecimento: Através dos sistemas de informação e documentação, os museus disponibilizam informações detalhadas sobre suas coleções, tornando o conhecimento acessível a diferentes públicos. Possibilitam acesso ao conhecimento, a sua partilha e, mais importante ainda:
  2. Criação de conhecimento: A utilização da informação sobre as coleções, ou reutilização, permite criar mais conhecimento, contar histórias, ver diferentes perspectivas sobre um tema, questionar, entre outros.
  3. Conservação: A existência de documentação cuidadosa garante que os objetos sejam mantidos em condições ideais, prolongando a sua vida útil. O registo dos riscos e estados de conservação ou a documentação dos processos de conservação preventiva e curativa são essenciais.
  4. Gestão Eficiente: Um sistema de informação e documentação bem organizado facilita a gestão e a curadoria das coleções.
  5. Proveniência e Autenticidade: A documentação ajuda a rastrear a origem das peças e a verificar sua autenticidade, o que é essencial em termos éticos e legais para os museus.

No entanto, e apesar da sua relevância, a documentação ou a criação de um sistema de informação em museus hoje em dia enfrenta um conjunto significativo de desafios.

Desafios na Documentação

Não irei ser, neste momento, exaustivo a listar os desafios que esta actividade atravessa atualmente. Deixarei isso para os próximos artigos, mas entre eles vamos encontrar: a definição de processos sustentáveis de digitalização, a conformidade com regulamentações de privacidade, a manutenção e atualização de sistemas de informação capazes, a formação dos profissionais, a utilização de normas de forma massiva para a interoperabilidade entre sistemas, a definição/construção/tradução de tesauros ou vocabulários, a utilização de Inteligência Artificial para tarefas compatíveis e repetitivas, a “descolonização” da informação nos sistemas de informação, entre outros, como a simples digitalização de objectos com fragilidades estruturais, por exemplo.

Nos próximos artigos, explorarei com maior detalhe como os museus abordam esses desafios e como a documentação evoluiu ao longo do tempo. Uma nova série de artigos para me obrigar a voltar à escrita e à reflexão. Espero que ainda estejam desse lado!

CIDOC 2023 – Cidade do México

CIDOC 2023 – Cidade do México

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Começo por um vídeo do Centro de Documentação do Museo Universitario de Arte Contemporanea da Universidade Autonoma do Mexico para falar sobre o CIDOC 2023 que decorreu, entre os passados dias 24 a 28, na Cidade do México. Começo por este poema visual, porque me senti completamente representado a ver e ouvir a imensidade do que é um arquivo de um museu e a quantidade de situações com que se deparam as pessoas que cuidam e tratam da documentação sobre as coleções nos museus. Divertido, como deveria ser sempre, mas muito direto e explícito sobre o tema, o vídeo lembra-me a necessidade do trabalho que o CIDOC, bem como outras instituições similares, produzem em benefício deste importante trabalho dos museus.

Visopoema Arkheia Centro de Documentação – MUAC

O CIDOC 2023 teve como tema “Frontiers of knowledge: Museums, Documentation and Linked data” e procurou explorar um conjunto diverso de assuntos ligados ao questionamento que precisamos de constantemente fazer para evoluir numa área em que a tecnologia é fundamental.

Normas, políticas, experiências, inteligência artificial, contextualização da informação, responsabilidade social da documentação nos museus, software, integração de dados, intercâmbio de metadados, metodologias de catalogação, documentação de património imaterial, tráfico ilícito de bens culturais, documentação em arqueologia (escavações), descolonização, bases de dados (e a sua obsolescência), procedimentos, ontologias, linguagens, preservação digital, etc. foram alguns dos tópicos que se abordaram ao longo destes dias, conforme poderão ver pelo programa da conferência.

Infelizmente não conseguimos, como de resto acontece em todas as conferências anuais do CIDOC, acompanhar todas as sessões (algumas decorrem paralelamente), mas de entre as que segui, gostaria de destacar algumas.

Em primeiro, a brilhante conferência de abertura do Dominic Oldman, do British Museum, intitulada “The social responsibility of documentation: Contextualizing data“. Nesta conferência Dominic Oldman leva-nos a reflectir sobre várias questões importantes na documentação em museus (e o seu futuro), começando desde logo sobre a atualização dos dados que detemos sobre as coleções nos museus (à luz do conhecimento que detemos agora), mas também sobre questões práticas que afetam este trabalho como a evolução da tecnologia (ou estagnação, como é o caso citado sobre as bases de dados, praticamente na mesma desde a sua criação) e das políticas definidas no sector para a inclusão de práticas e metodologias mais abertas, nas quais a participação, a colaboração, a reutilização e consequente criação sejam cada vez mais uma realidade. Deixo três imagens abaixo com ideias que nos deveriam fazer pensar a todos:

Nas comunicações das sessões, mais técnicas, destaco também as apresentações do Getty (Breaking Down Data Silos: The Getty Data Architecture) e do Rijksmuseum (The Future of Data Services at the Rijksmuseum) onde podemos ver, apesar da dimensão de ambas instituições, um conjunto de questões relacionadas com reutilização de dados, ontologias, tesauros, segurança, canais de distribuição de informação, entre outras, tratadas de forma a permitir que a informação gerada nos processos de documentação, possa ser utilizada pelas audiências (internas e externas) dos museus de forma integrada. São instituições de escala internacional, bem sei, mas as questões ali tratadas podem e devem ser alvo de uma reflexão em muitos dos nossos museus.

Uma outra apresentação de que gostei muito foi a do Theatro Municipal de São Paulo (Municipal Theater of São Paulo: Preliminary considerations on documents and research on costumes) sobre o trabalho de documentação feito num património ainda em utilização, figurinos em particular, que tenho tido a oportunidade de ir acompanhando há algum tempo através da Sistemas do Futuro. Os desafios que este tipo de património coloca são muitos e constantes e, por isso, recomendo sempre o trabalho e as metodologias que a equipa do Guilherme Lopes Vieira tem desenvolvido ali. É também uma oportunidade para aprendizagens através do Atlântico e, quem sabe, uma oportunidade de partilha entre este teatro e os dois com quem trabalhamos em Portugal que têm as mesmas questões básicas de documentação e conservação dos respectivos acervos.

No capítulo dos posters não posso deixar de mencionar o trabalho que a Anabela Magalhães, com a Alice Semedo e a Susana Medina, apresentou. Intitulado “Data recording model for Natural History Collection. Study case: Natural History and Science Museum of Porto University” o poster representa o trabalho de mestrado da Anabela sobre o mesmo tema, no qual é feito um mapeamento dos dados das coleções de história natural da Universidade do Porto utilizando como referência os requisitos de informação da norma Spectrum. Uma outra presença portuguesa no CIDOC que registo com muito agrado e um trabalho, de compatibilização da documentação dos museus portugueses com as normas que deveria ser estendido a um conjunto significativo de museus.

Poster apresentado à conferência do CIDOC

Ainda relativamente ao trabalho do CIDOC tivemos, nesta conferência, dois anúncios significativos. A publicação da versão 1.0 do EODEM (Exhibition Object Data Exchange Model) e a publicação “An Application Profile For Recording Intangible Cultural Heritage In Museums’ Collection Management Systems” da responsabilidade do grupo de trabalho de Património Imaterial do CIDOC que constitui um relatório sobre a metodologia, desenvolvimento e lições apreendidas num projeto intitulado “Plans for the Future: ICH Included (2019-2021)” desenvolvido na Flandres com a participação da comunidade do CIDOC. Um é uma nova norma de intercâmbio de dados entre sistemas de informação, o outro um início do trabalho de desenvolver uma nova norma, ou pelo menos boas práticas e recomendações, para a documentação do patrimonio imaterial no seio do CIDOC.

Um programa diversificado, com participações dos 4 cantos do mundo, com discussões sérias sobre o futuro da documentação em museus nas suas múltiplas perspectivas e funções foi o que tivemos neste CIDOC. Algumas dezenas de apresentações sobre inclusão, políticas, normas, técnicas, programação, metodologias, intercâmbio de dados, colaborações entre arquivos, bibliotecas e museus, etc. Tenho algumas centenas de páginas para ler e aí uma dezena de páginas de anotações sobre novidades ou atualizações que preciso de organizar nestas próximas semanas. No entanto, uma tristeza que me fica sempre destas participações no CIDOC (ou em outras conferências dos comités internacionais do ICOM): somos sempre muito poucos membros a participar, mesmo muito poucos, pese embora algumas bolsas que o ICOM Portugal e o CIDOC, através do Getty vão disponibilizando para estas participações. Acredito que esta situação possa mudar, mas acho que deveríamos reflectir um pouco sobre isto nas diversas instâncias do ICOM Portugal.

Além da participação, ou falta dela, deveríamos também reflectir sobre o que as nossas organizações de tutela “ouvem” ou retiram do que é feito nos comités internacionais e nacionais do ICOM. Em Portugal – todos sabem como sou crítico do estado da situação atual – relativamente à documentação de museus, o que temos é o mesmo que tínhamos há uma década, ou talvez há duas!

Museus nacionais com o processo de documentação das coleções cativo de uma falta de atualização do sistema que já não tem qualquer remédio, políticas inexistentes nesta área específica do trabalho em museus, ausência de pessoal qualificado nos museus para o desempenho desta tarefa (não me refiro obviamente aos conservadores das coleções), ausência, também, de formação atualizada para esta tarefa nas universidades portuguesas, arquivos e bibliotecas de muitos museus parados no tempo, ausência prolongada de uma política para a rede portuguesa de museus, ausência de política de divulgação cultural em rede (diferente das políticas para a RPM) a médio e longo prazo, uma mudança nos órgãos de gestão e tutela dos museus cujo diploma menciona 2 vezes a palavra inventário e 4 a palavra documentação (sendo que 3 deles para se referir ao Arquivo de Documentação Fotográfica) e poderíamos continuar por muitos outros aspectos que me preocupam no atual estado da documentação nos museus portugueses.

Muito a fazer neste capítulo, mas voltemos ao CIDOC.

Tal como noutros anos, este tivemos a oportunidade de conhecer a bela (e enorme) Cidade do México. A escala do “novo mundo” surpreende-me sempre. A Cidade do México, como Nova Iorque ou São Paulo, é uma mega urbe, muito distante do meu Porto ou da minha Espinho. Tudo numa escala gigante, mas ao mesmo tempo acolhedora e de gente extraordinariamente simpática. Sabendo como é o Pedro Ángeles, amigo de longa data nestas coisas do CIDOC, já não me devia admirar com a simpatia dos mexicanos, mas sentir este acolhimento ali foi magnífico.

Além das voltas em CDMX, conhecer a casa da Frida Kahlo e as ruínas de Teotihuacán foram, para mim, os pontos altos dos programas de visitas da conferência. Uma pequena amostra fica no álbum abaixo.

Por último, ainda que não menos importante, o anúncio do local do CIDOC 2024 (#cidoc2024) que será no Rijksmuseum, em Amsterdão, de 11 a 15 de Novembro de 2024 (um pouco mais tarde do que é habitual nas nossas conferências). Espero sinceramente que seja oportuno para uma participação mais activa da comunidade portuguesa. Vejo-vos lá?

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Inventário fino, inventário grosso (ou normal, vá!)

Inventário fino, inventário grosso (ou normal, vá!)

A 24 de Novembro, perto da hora de jantar, ouvi a notícia na SIC que o Ministro da Cultura anunciou, em entrevista ao Expresso*, um “inventário fino” do património cultural que permita criar uma “lista de património a devolver às ex-colónias” como titula e destaca o Expresso na sua edição de 25 de Novembro. O tema alerta-me por razões óbvias, mas ao ouvir a expressão “inventário fino” lembrei-me do clássico anúncio da Bic – sim, para os que ainda se recordam, “Bic laranja, escrita fina, Bic cristal, escrita normal!” – e dei por mim a pensar, o que é na realidade um “inventário fino”? E talvez mais importante, como se faz um “inventário fino”? Ou ainda, que inventários grossos teremos para que se fale agora num inventário fino para responder à questão, sem dúvida pertinente, do que temos nos nossos museus que não deviamos ter?

Vamos lá aos factos (ainda que os factos que podemos analisar têm já mais de 10 anos, sim é de 2013 a publicação “O Panorama Museológico em Portugal” (Neves, 2013), mas os dados são de 2009):

Em 2009 os museus inquiridos no referido estudo tinham 11,9% dos bens que compõem os seus acervos em base de dados (Neves, 2013:70), ainda que 24% dos museus tinham, segundo o mesmo estudo, “os seus inventários totalmente informatizados e 46% têm em curso essa tarefa” (Neves, 2013: 69), tendo nestes dois indicadores um crescimento de 10%, face a 2002. Recordo que em 2002, a percentagem de bens do acervo em base de dados era de 5,4% e também que o acréscimo nestes anos se deve em muito ao apoio do POC (Programa Operacional de Cultura) para os processos de digitalização nos museus e a um aumento temporário de recursos humanos e financeiros para esta tarefa.

Além disso, falta saber, porque eu não depreendo essa informação nos dados que temos disponíveis, exatamente que dados estão em base de dados. Teremos apenas registo/cadastro, inventário sumário ou um robusto inventário desenvolvido em base de dados? Certamente teremos uma mistura destas situações, como é possível concluir lendo o quadro do referido estudo (Neves, 2013: 70) apresentado na página 70 (quadro 3.32 – Modalidades de inventário por Ano), mas ainda assim estou certo que o inventário sumário será, para a maior parte dos museus, a realidade.

Ora se de 2002 para 2009 conseguimos duplicar a percentagem de bens do acervo em base de dados, estou certo que de 2009 até agora, 13 anos volvidos, podemos ser simpáticos na projecção e digamos que temos 30% (arriscaria dizer que não temos nem 20%) de bens do acervo em base de dados. Importa aqui referir que o total de bens do acervo indicados para 2009 era de 28.526.841 (em 567 museus com respostas válidas). Portanto, 30% dos bens do acervo dos museus que responderam ao estudo correspondem a 8 milhões e 550 mil itens (aproximadamente) se a matemática não me falha. Estamos perante, diria eu, um inventário grosso!

No entanto, o Sr. Ministro da Cultura, em 25 de Novembro de 2022, depois de continuados anos de sub-orçamentação do sector cultural, de uma razia continuada nos quadros dos museus nacionais, de continuados problemas por falta de recursos simples para o básico funcionamento das instituições, depois disto e muito mais, dizia, vem falar da necessidade de um “inventário fino” para responder a uma única questão, cuja importância não deve ser menorizada como tem sido até aqui (veja-se, por exemplo, este registo na TT, atualizado em 2022, para se perceber o quanto tempos que caminhar), quando na verdade o processo necessário de inventário, catálogo e da documentação das coleções dos museus nacionais tem sido colocado sistematicamente em espera, com prioridade e atenção igual a zero!

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Sim, precisamos de um inventário, fino ou grosso, feito de outra forma, repensado, não centrado nos números e na quantidade de registos disponíveis na plataforma x ou y (embora seja um bom indicador) ou num instrumento qualquer, mas sim centrado na utilização das coleções, na utilização do património cultural na educação, na investigação, na divulgação e, porque não, na criação, ou melhor, como instrumento da criação artística para o futuro. Precisamos de um inventário, mas para o fazer são necessários recursos e, acima de tudo, uma estratégia e um planeamento para a próxima década. Uma estratégia que não se centre em criar um instrumento específico, mas sim em definir ou escolher normas a seguir (não precisamos de criar a roda), em criar ou traduzir bons vocabulários, em financiar um sistema de autoridades que possa ser usado pelos BAM (Bibliotecas, Arquivos, Museus) e a dotar os museus, as instituições de memória, de profissionais com as competências específicas para executar esse plano.

Esse inventário fino (ou grosso) serviria não só os museus nacionais, mas poderia ser uma bela ajuda para muitos museus por todo o país que, em piores condições, fazem um esforço enorme para documentar e gerir o património que têm à sua guarda, mas precisam, em cada um dos territórios, de escolher essas normas, de definir vocabulários, de partir pedra desde os alicerces em vez de partirem de um ponto comum.

Entretanto, sei que ninguém está muito preocupado com isto. É chato, não tem inauguração associada, demora anos, décadas, exige recursos financeiros, formação, etc. Mas sei também que não há outra forma de o fazermos. Um inventário (fino ou grosso) das coleções nacionais que potencie a criação, que nos permita olhar para a nossa história e questionar questões sérias como o colonialismo, por exemplo, ou que permita uma reflexão sobre o mundo actual diversa, inclusiva e baseada na ciência.

Arrogaria-me a dizer ao Sr. Ministro da Cultura que precisamos sim de um inventário fino, mas antes de mais, preocupe-se em dotar os museus que tutela das condições para que se faça um inventário geral e capaz das coleções que detêm (incluíndo a Coleção SEC) e, já agora, que o faça com uma estratégia com estes três planos: Normas, Formação e Pessoal!

*uma nota para o Expresso: miserável chamar na primeira página o destaque para esta notícia e dentro ter um parágrafo, repito, um parágrafo sobre o assunto!

Documentação em museus: desafios técnicos e éticos no século 21 – Seminário Acesso Cultura

Documentação em museus: desafios técnicos e éticos no século 21 – Seminário Acesso Cultura

Já há algum tempo que ando a pensar sobre os desafios que temos pela frente (os já visíveis e os que podemos prever) no âmbito da documentação em museus. A exploração deste tema é, a meu ver, importante ou mesmo essencial para que nos preparemos para o futuro, dotando os museus e os seus profissionais das ferramentas necessárias para agir quando confrontados com um desses desafios, mesmo que isso signifique estar quieto, sem acção – que por vezes é o mais avisado.

Esta exploração começou, de certa forma com o projecto Mu.SA e com a reflexão que fizemos para o projecto e para o desenvolvimento do percurso formativo aí criado, no entanto, há desafios técnicos e éticos que não se resumem só às competências a adquirir. Há políticas, procedimentos, avaliações, etc., sobre as quais precisamos de focar a nossa atenção e discutir abertamente como podemos, enquanto comunidade, enfrentar os novos desafios, presentes e futuros, que nos serão (ou estão a ser já, em muitos casos) colocados. No seminário que apresentarei com a Acesso Cultura é exatamente isso que pretendo discutir e trazer à liça! Descrevi-o assim:

A documentação em museus é uma das tarefas mais relevantes e necessárias face à transformação da sociedade e aos desafios que esta enfrenta com a transformação digital. Neste seminário abordamos os desafios que se colocam aos profissionais de informação e documentação nos museus face às questões técnicas, como a normalização, a evolução tecnológica, a massificação da procura e a diversidade de meios existentes e, da mesma forma, face às questões éticas como a acessibilidade, a inclusão, a equidade, a polifonia, o legado colonial e as minorias.

Cartaz do seminário AC

Espero estar à altura deste desafio e convido todos a juntarem-se a mim online (Zoom) no próximo dia 4 de Abril, das 18h às 21h. Todas as informações sobre o seminário estão disponíveis na página da Acesso Cultura.

De volta à estrada (finalmente)

De volta à estrada (finalmente)

Estamos de volta (finalmente) à estrada! Foram meses e meses e mais meses atrás do ecrã, em zoom, teams, meets, etc., mas finalmente começamos a sair e, com todos os cuidados, voltamos já esta semana a duas formações presenciais em Torres Vedras e em Bragança. Confesso que já há muito que não ficava contente por gastar gasolina (ainda por mais ao preço a que está), mas desta vez fiquei apesar do rombo no orçamento das despesas mensais!

Começamos esta semana, mas continuamos nas próximas com dois eventos muito interessantes. O primeiro, já no próximo dia 22, é o Workshop BAM! Precisamos de normas! Normas e modelos de dados em B(ibliotecas), A(rquivos) e M(useus). Sim, fixem o BAM! Vai colar e substituir a sigla inglesa GLAM! Este workshop trará a Lisboa, ao Goethe-Institut Portugal, a Monika Hagedorn-Saupe e o Axel Ermert do CIDOC para falarem sobre normas do CIDOC e da ligação entre este e a ISO, nomeadamente através de projectos como o CIDOC CRM, mas também a Ana Alvarez Lacambra e um conjunto de colegas e amigos que têm construído muito o que de bom se faz em Portugal na área da normalização em museus (modéstia à parte que também eu estarei lá).

BAM

É um evento a não perder! Mas para o qual se precisam de inscrever, ok?

Na semana seguinte, mais precisamente no dia 29 (tudo às sextas), estarei no Alentejo, mais precisamente em Almodôvar, no 5º Encontro da Rede de Museus do Baixo Alentejo sobre o tema “Os Bastidores dos Museus: Modelos e Práticas, para aprender com os amigos e colegas a sul e partilhar aqueles que serão os desafios do futuro para os museus na área da documentação (mais bastidor não há).

A forma de inscrição e programa do encontro estão indicados na imagem abaixo, mas para facilitar é só enviar e-mail para turismo@cm-amodovar.pt com nome, entidade e contactos a indicar a vontade de participar.

Programa 5o Encontro Rede de Museus scaled

Duas semanas e dois eventos importantes onde terei a possibilidade de matar um pouco das saudades! Espero encontrar-vos por Lisboa ou por Almodôvar!